Brasil de Bolsonaro reedita união de togados com fardados
Proximidade entre Judiciário e Forças Armadas volta à tona na gestão federal
Quando Jair Bolsonaro foi eleito, já era esperado que parte de seu estafe seria composto por membros das Forças Armadas, como o são ele próprio e seu vice, o general Hamilton Mourão. Dos 22 ministros que formam o gabinete, sete são militares de carreira ou já passaram em algum momento de suas vidas pelas fileiras do Exército, Marinha ou Aeronáutica.
O movimento prenunciado por Bolsonaro, ainda na campanha, é um aprofundamento radical do que começou a ser visto no Governo Temer, que trouxe de volta o protagonismo dos militares após um distanciamento da caserna da vida política a partir da redemocratização. A nova faceta não se resume à esfera federal. Em São Paulo, por exemplo, o governador eleito João Doria (PSDB), indicou um general da reserva para a secretaria da Segurança Pública.
Mas a influência de maior destaque dos militares, contudo, ocorreu no Judiciário. José Antônio Dias Toffoli, o presidente do Supremo Tribunal Federal, nomeou em setembro um oficial do Exército como seu assessor especial. Era o general Fernando Azevedo e Silva, que foi empossado nesta quarta como ministro da Defesa, com a presença de Toffoli. "Agradeço a deferência do senhor presidente da Suprema Corte, Dias Toffoli, e da PGR (Procuradora-geral da República), Raquel Dodge, que sinalizam a disposição de atuar como catalisadores da estabilidade institucional de que o país tanto precisa", disse Azevedo e Silva.
O substituto do novo ministro da Defesa no inusual posto na assessoria do STF é o general Ajax Porto Pinheiro, um dos ex-comandante das tropas de paz da Organização das Nações Unidas no Haiti. A decisão de Toffoli teve dois objetivos: blindar-se de qualquer tentativa de interferência por parte dos militares no Judiciário e de se cercar de profissionais que, em sua avaliação, são preparados, têm espírito público, conhecem a máquina brasileira, assim como a capilaridade em todo o território nacional. Conforme assessores do ministro, ele queria ainda garantir um fio condutor de equilíbrio para que tudo ocorresse bem na transição entre governos de centro e de centro-esquerda – que persistiram no Brasil desde Itamar Franco (1992-1994) – para uma gestão de direita (ou de extrema direita) de Jair Bolsonaro.
Quando anunciou essa aproximação com as Forças Armadas, intermediada pelo general Fernando Villas Bôas, comandante do Exército, Toffoli chocou parte dos meios de comunicação. Um país que deixou uma ditadura militar há pouco mais de três décadas ainda não se acostumou a ver homens fardados desfilando por instituições civis. Algo que nos últimos meses têm sido frequentes nos corredores do Palácio do Planalto ou do Centro Cultural do Banco do Brasil, a sede do Governo de Transição, em Brasília.
A lógica do presidente do Supremo, segundo relatou a assessores próximos recentemente, foi: desde o Império, o Brasil foi formado pela burocracia jurídica e pelo estamento militar. A história nos revela que desde que o país se declarou independente de Portugal, em 1822, as províncias geralmente eram governadas por bacharéis em direito alinhados com militares. No período entre 1964-1985, durante a ditadura, essa interferência ficou mais nítida, quando parte dos ministros do STF se omitiram diante de um golpe recém aplicado na democracia.
"Fiadores da estabilidade"
Na gestão Bolsonaro já há uma sinalização também no sentido de tentar se aproximar do Judiciário. A principal delas foi a indicação de Sergio Moro para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Juiz que nos últimos cinco anos atuou na maior operação contra a corrupção de políticos no Brasil, a Lava Jato, Moro abandonou a magistratura e aceitou se juntar à trupe de militares. É o ministro que tem a sua estrutura mais bem desenhada até o momento. E tem se cercado de antigos “colaboradores” da polícia para montar sua equipe. Em sua posse, também nesta quarta, Moro também atribuiu às Forças Armadas e ao STF papel central na estabilidade democrática. “[O Exército é de] excelente qualidade, tem desempenhado um papel de fiador da estabilidade juntamente com o Supremo Tribunal Federal nos últimos anos”, disse.
A tendência é que nos próximos quatro anos, a sociedade brasileira se acostume cada vez mais a ver essa proximidade entre as togas e as fardas. Algo semelhante ao que ocorreu no regime militar. Em um dos episódios daquele período, no entanto, um dos ministros do STF (o ex-deputado Adauto Lúcio Cardoso) teve um rompante, retirou a toga no meio do julgamento e decidiu abandonar seu posto porque se revoltou contra a possibilidade de a Corte Suprema do país decidir que não tinha o poder de decidir sobre a guarda constitucional. Em um primeiro momento, essa hipótese é refutada por qualquer um dos togados no STF, mas o Governo ainda está para começar.
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