Presidente da Ucrânia aprova lei marcial após incidente naval com a Rússia
Kiev acusa Moscou de ter capturado três navios neste domingo e ferido duas pessoas na costa da Crimeia, anexada em 2014 pelo Kremlin. Rússia ordena a abertura do estreito de Kerch
A tentativa de uma flotilha militar ucraniana de chegar ao mar de Azov vinda do mar Negro, mas impedida por lanchas do serviço de proteção de fronteiras da Rússia, foi o estopim de uma perigosa situação no estreito de Kerch, que une esses dois mares. Por causa do incidente, ocorrido neste domingo, dia 25, a Rússia interrompeu fisicamente a passagem por esse estreito para os navios ucranianos (usando um cargueiro atravessado e navios de guerra), o que constitui um gesto sem precedentes desde a desintegração da União Soviética. As autoridades russas desbloquearam nesta segunda-feira a navegação no estreito. “O movimento pelo estreito de Kerch foi retomado”, disse o diretor da empresa KMP, que administra os portos da Crimeia, Alexei Volkov.
O Conselho de Segurança da ONU vai discutir a crise nesta segunda-feira, informou a AFP citando fontes diplomáticas. Após se reunir neste domingo à noite com os chefes militares e de segurança, o presidente ucraniano, Petro Poroshenko propôs a instauração da lei marcial, aprovada nesta segunda-feira pelo Parlamento em uma sessão realizada a portas fechadas. A medida terá validade de 30 dias, e Poroshenko afirmou que não haverá restrições às liberdades. O texto do decreto, no entanto, não foi tornado público.
O fechamento do estreito foi confirmado à agência Ria Novosti por Aleksei Volkov, diretor da empresa Portos Marítimos da Crimeia. Moscou e Kiev dão explicações divergentes sobre o incidente, que é a última consequência da escalada de tensão nessa região. Desde a anexação da Crimeia, em 2014, a Rússia controla as duas margens do estreito e considera como suas as águas territoriais ucranianas em torno daquela península do mar Negro.
Em 25 de novembro pela manhã, a flotilha composta pelos encouraçados Berdyansk e Nikopol e pelo rebocador Yana Kapu efetuava uma travessia regular do porto de Odessa, no mar Negro, para o de Mariupol, no mar de Azov, e tinha informado previamente sobre seu deslocamento, cumprindo as normas internacionais para a segurança da navegação, segundo a versão de Kiev citada pela agência Interfax da Ucrânia.
Segundo o relato ucraniano publicado no Facebook, a guarda-costeira do serviço de fronteiras da Federação Russa realizou “ações abertamente agressivas contra os navios da frota militar ucraniana”. E uma das embarcações da guarda-costeira russa arremeteu contra o rebocador, causando-lhe danos no motor, abaulamentos e a perda de um bote de salvamento, segundo esse comunicado.
Tais ações, segundo a versão ucraniana, violaram a “convenção da ONU de direito marítimo e o acordo entre a Ucrânia e a Federação Russa para a cooperação e o uso do mar de Azov e do estreito de Kerch”. O Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB) sustentou que a Ucrânia não informou sobre a passagem da flotilha e qualificou a travessia como “uma provocação intencional”. O serviço de imprensa da frota ucraniana acusou no Facebook as forças especiais russas de terem abordado e capturado três de seus navios, deixando dois feridos.
O acordo bilateral sobre o mar de Azov e o uso do estreito de Kerch foi assinado em 2003 e ratificado pelos Parlamentos de ambos os países. De acordo com esse documento, o mar de Azov é um mar interior de gestão conjunta, que pode ser usado livremente pelos navios de ambos os países e por navios estrangeiros convidados, incluídos os militares, desde que com aval prévio da outra parte.
De forma unilateral, a Rússia inaugurou em maio uma ponte que une as duas margens do estreito, e nos últimos meses ampliou sua presença militar na área, assim como o número de inspeções dos navios ucranianos em rota entre os dois mares. As regiões industriais do leste de Ucrânia utilizam os portos do mar de Azov como saída para o alto-mar, de modo que um bloqueio do estreito de Kerch poderia deixá-las num beco sem saída.
Na última quinta-feira, o vice-ministro russo de Relações Exteriores, Grigori Karasin, declarou ao jornal Kommersant que o acordo russo-ucraniano sobre o mar de Azov e o estreito de Kerch é indefinido e não tem uma cláusula de denúncia. Por essa razão, segundo Karasin, não está vigente nesse mar a convenção de direito marítimo da ONU, de 1982. O vice-ministro opinou que, desde março de 2014, a Rússia “tem o direito de pôr em prática sua soberania” nesse estreito. Karasin afirmou também que a Rússia garante o direito da Ucrânia de utilizar essa passagem para os navios mercantes, “mas não para os navios de guerra”, de terceiros países. “O canal Enikale (rota de navegação dentro do estreito de Kerch, apta para navios de até nove metros de calado) funciona regularmente, como durante os últimos 25 anos, e é uma artéria internacional importante que não planejávamos nem planejamos fechar”, salientou Karasin.
Com as informações disponíveis na noite deste domingo era impossível saber se a flotilha ucraniana tinha afinal chegado a Mariupol. A marinha ucraniana acusou a Rússia de se negar a garantir o direito de passagem contemplado por acordos internacionais, mas assegurou também que o contingente naval ucraniano continuava sua travessia para Mariupol apesar do incidente.
A Rússia se opõe à militarização do mar de Azov e ao ingresso de Ucrânia na OTAN. Na última quinta, a Rada Suprema (Parlamento da Ucrânia) aprovou uma emenda constitucional que estabelece o rumo pró-atlântico e pró-europeu do país.
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