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Cuba pós-Fidel considera investimento estrangeiro prioridade nacional

País precisa de 2,5 bilhões de dólares por ano para manter o crescimento e se abre às empresas estrangeiras

Zona de desenvolvimento especial no porto de Mariel, em Cuba.
Zona de desenvolvimento especial no porto de Mariel, em Cuba.Yander Zamora
M. A. SÁNCHEZ-VALLEJO

O fato de a única associação de empresários estrangeiros em Cuba – que tem mais de 250 membros e está prestes a completar 25 anos – ser espanhola diz muito: um quarto das empresas estrangeiras credenciadas pela Câmara de Comércio local é espanhola. A ilha foi o segundo destino das exportações espanholas para a América Latina em 2017, atrás do México e, embora em termos globais figure depois da China – e até recentemente da Venezuela –, “a Espanha é o primeiro parceiro comercial em termos reais porque a China e a Venezuela possuem acordos especiais”, lembra Juan Triana, professor do Centro de Estudos da Economia Cubana da Universidade de Havana. Mas essa preponderância pode ser ameaçada pela crescente chegada de capital estrangeiro.

A nova Constituição cubana estabelece no artigo 28 o papel que o investimento estrangeiro como contribuição para o desenvolvimento do país assumiu nos últimos anos. “[A Carta Magna] Ratifica nossa vontade política e para os investidores representa um plus de segurança e garantia”, explica Déborah Rivas, diretora-geral de Investimentos Estrangeiros do Ministério de Comércio Exterior. As autoridades estimam que serão necessários 2,5 bilhões de dólares (cerca de 9,5 bilhões de reais) por ano para manter a economia, especialmente em uma conjuntura como a atual, na qual a previsão de crescimento para 2018 foi reduzida de 2% para 1% pela soma do efeito Trump e o freio ao degelo com os EUA, os estragos provocados pelo furacão Irma em 2017 e a destruição de infraestruturas, além da crise venezuelana e da redução do petróleo subsidiado. A Venezuela não é mais o pilar econômico que foi e há cada vez mais candidatos a ocupar esse posto.

A mensagem oficial é clara: “Não podemos depender de um único investidor, temos de diversificar. Desde 2014 o número de países aumentou: Cingapura, Índia, Vietnã, China... até mesmo uma empresa mista cubano-norte-americana, algo sem precedentes desde 1959, na área de biotecnologia, para desenvolver um tratamento contra o câncer de pulmão. Os Estados Unidos, por sua obsessiva política contra Cuba, estão perdendo oportunidades de negócio e o resto do mundo as está aproveitando”, enfatiza Rivas. “Em momentos de crise e recessão, todos ganham: os investidores obtêm lucros e também contribuem para o desenvolvimento de nossa economia.”

O influxo de capital estrangeiro interpela diretamente os interesses espanhóis. “A visita do presidente do Governo (primeiro-ministro) espanhol Pedro Sánchez pode ser muito útil, depois de três décadas de solidão institucional. Esperamos que venham mais empresas espanholas, que, além disso, encontrarão uma grande rede de pequenas e médias empresas –a maioria das empresas o é– porque se não continuarmos crescendo podemos perder o segundo lugar [depois da China]”, diz Xulio Fontecha, presidente da associação de empresários espanhóis. “Outros presidentes europeus, como [o francês François] Hollande, vieram à ilha durante esses anos e assinaram contratos importantes”. Em 2016, duas grandes empresas francesas ganharam a concessão para ampliar e modernizar o aeroporto de Havana, por exemplo. Fontecha enfatiza a segurança jurídica e a dos compromissos (“alguns pagamentos podem ser postergados se a conjuntura for adversa, como a atual, mas eles sempre pagam”) como os principais incentivos para a colaboração.

Visto até agora como um complemento, o investimento estrangeiro é hoje uma prioridade para o Governo cubano, propenso a simplificar os trâmites e superar mentalidades cristalizadas. “Ainda há pessoas que não enxergam com clareza que o investimento estrangeiro será benéfico para o desenvolvimento econômico de Cuba e a construção do socialismo. O próprio Raúl Castro disse que se deve mudar a mentalidade, que devemos nos despojar de falsos temores”, disse Rodrigo Malmierca, ministro de Comércio Exterior e Investimento Estrangeiro. “Nossos empresários estão muito acostumados a esperar por orientações, a consultar, a não tomar decisões; e tudo isso realmente faz com esses processos fiquem mais lentos.”

Zona de desenvolvimento especial

Em um novo contexto, a Espanha luta para defender seu papel como parceiro natural, veterano, diante de recém-chegados como o Vietnã. Na última edição da Feira Internacional de Havana, em outubro, destacou-se a presença pela primeira vez de corporações vietnamitas, mas também das 112 empresas espanholas, quase todas pequenas e médias, que ocuparam seis pavilhões. Veteranos e debutantes já estão na zona de desenvolvimento especial (ZED) de Mariel, um porto e parque empresarial a 45 quilômetros a oeste de Havana.

Mariel é o principal projeto do Governo cubano; uma iniciativa para a qual o Estado destinou 300 milhões de dólares anuais desde 2013: 475 quilômetros quadrados de terras conquistadas à natureza virgem e um porto de águas profundas já operacional. Com um sistema de janela única para agilizar os trâmites, “na ZED já existem 42 empresas de 19 países, incluindo 10 multinacionais. O país com mais presença é a Espanha, com nove empresas”, explica Wendy Miranda, diretora de Coordenação do Sistema de Janela Única; entre elas, uma fábrica de queijos, outra de estruturas de alumínio e um grande centro logístico da Iberostar, em regime de empresa mista. Algumas multinacionais em Mariel são Unilever, Odebrecht e Nestlé, em conjunto com a corporação vietnamita Viglacera, que desenvolverá um parque industrial de 160 hectares, e a mencionada empresa de biotecnologia cubano-norte-americana.

“Na ZED Mariel, 36 das 42 empresas já investiram 1,6 bilhão de dólares. Entre 2014 e 2018, 5,5 bilhões de dólares de investimento estrangeiro chegaram à ilha”, explica Rivas, que destaca o protagonismo da Espanha nesse cenário internacional. “Em número de empresas, não em volume de investimentos, a Espanha é o principal investidor, também presente em todos os setores [só são fechados ao capital estrangeiro a saúde, a educação e o setor militar]: turismo, indústria, agroalimentar, embalagem, logística... Esperamos que a visita de Sánchez seja um passo mais nessa relação.”

A APOSTA DA ESPANHA NO TURISMO, UM SETOR ESTRATÉGICO

O turismo é um setor estratégico para Cuba, razão pela qual a primeira mesa do fórum empresarial hispano-cubano que acontece nesta sexta-feira em Havana será dedicada ao setor. E é também um exemplo do sucesso das empresas espanholas na ilha, embora nos últimos quatro anos a concorrência de outros países tenha aumentado. “71% dos quartos de hotel [de quatro e cinco estrelas] em Cuba são administrados por empresas espanholas”, lembra Xulio Fontecha. Dez redes espanholas operam na ilha, com o grupo Meliá Hotels International como carro-chefe: seus 34 hotéis oferecem mais de 14.600 quartos e empregam 13.000 pessoas (o número total de quartos é de 70.000, cerca de 48.000 em mãos estrangeiras).

“Abrimos o nosso primeiro hotel em 1990, o Sol Palmeras, em Varadero, que também foi a primeira empresa mista constituída no país”, explica Francisco Camps, subdiretor-geral do Meliá na ilha, onde está presente em todos os polos turísticas de sol e praia e nas principais cidades que são Patrimônio da Humanidade. “Este é um destino 100% seguro para os viajantes e para os investidores, existe segurança jurídica. Todos os acordos são respeitados e o pessoal é muito qualificado: nos anos noventa, 70% do pessoal tinha diploma universitário”.

A trajetória do grupo Meliá ilustra o movimento das empresas espanholas no último quarto de século, depois do que aspiram não só a permanecer, mas a continuar crescendo. O economista Juan Triana situa o significado dessa presença: “A Espanha foi o primeiro investidor estrangeiro no final dos anos oitenta, o que abriu as portas. Uma operação administrada do início ao fim por Fidel Castro, que permitiu compensar a perda de investimento estrangeiro [URSS]. E essas empresas não apenas continuam vivas, como também são bem-sucedidas”.

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