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Cristóvão Colombo foi um genocida?

Historiadores espanhóis e americanos negam que o navegante tenha sido um exterminador de indígenas, como se argumentou em Los Angeles para retirar sua estátua, ainda que divirjam sobre sua atuação

Óleo 'Primeira homenagem a Colombo (12 de outubro de 1492)', de José Garnelo y Alda, de 1892. No vídeo, a retirada da estátua de Colombo em Los Angeles.Vídeo: EUROPEANA
Manuel Morales
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A cidade de Los Angeles tem sua origem e nome em um passado espanhol. Foi fundada em 4 de setembro de 1781 por um governador andaluz, Felipe de Neve. Nessa data, o marinheiro genovês Cristóvão Colombo estava morto há exatos 275 anos. O vereador de Los Angeles Mitch O’Farrell lidera a iniciativa de que o homem que chegou à América acreditando que eram as Índias foi um genocida. No sábado foi o responsável pela retirada de uma estátua em tamanho natural do conquistador de um parque do centro da cidade instalada em 1973, à época um presente de uma associação de italianos do sul da Califórnia e hoje uma “mancha da história”. O navegante foi o culpado do maior genocídio da história?, como disse O’Farrell após o ato, ao qual compareceu mais de uma centena de pessoas, entre elas descendentes de índios que davam gritos de alegria e tocavam seus tambores.

O conquistador

A maioria dos historiadores consultados nega taxativamente que Cristóvão Colombo possa ser chamado de genocida. “É uma figura que até agora não havia sido contestada graças às suas conquistas na navegação, por colonizar um novo espaço e porque significou uma globalização”, diz Carlos Martínez Shaw, professor emérito de História Moderna da Real Academia de História. “Há também, entretanto, um lado obscuro, porque as motivações principais daquele processo tinham mais a ver com a ânsia de se encontrar ouro e especiarias. Os conquistadores encontraram populações às que, por vezes, destroçaram sua vida e cultura e ocorreram confrontos com os que tinham o direito de se defender de intrusos”. Mas não se pode falar de genocídio porque “não existiu o desejo de exterminar uma raça, entre outras razões porque eles eram necessários como mão de obra”, uma questão também colocada por Emilio Pérez-Mallaína, professor de História da América na Universidade de Sevilha e especialista na colonização americana.

Justamente, do lado americano, Steve Hackel, professor de História da Universidade da Califórnia, apoia as reivindicações indígenas, mas tem “dúvidas importantes” sobre a retirada da estátua, “porque foi feita quase em segredo, sem debate”. Para Hackel, Colombo foi “uma pessoa muito controversa. Não propôs e não praticou o genocídio de nativos, mas pode ser condenado por escravizar centenas de índios. De qualquer forma, não podemos culpá-lo pelas práticas dos que seguiram seus passos”. Para o colombiano Mario Jursich, editor e escritor, “está bem documentado que Colombo não liderou nenhum genocídio. Os que cometeram desmandos e atrocidades contra os indígenas americanos foram os que vieram depois dele, os colonizadores”.

Borja de Riquer, professor da Universidade Autônoma de Barcelona, considera que chamar Colombo de genocida é “excessivo”. O almirante “foi um viajante, mais do que um gestor”, e o que ocorreu na América foi “uma conquista com todas as suas características, em que os conquistadores se apropriam de tudo, territórios e pessoas. Essas histórias sempre são violentas”. De Riquer coloca uma questão terminológica. “Não se pode falar tanto de descobrimento e sim de conquista e submissão de uma população por uma potência estrangeira”. O professor Santiago Muñoz Machado, membro da Real Academia Espanhola, premiado na semana passada com o Nacional de História por Falamos a Mesma Língua, um livro sobre a expansão do espanhol a partir da conquista até a independência das colônias, é mais contundente contra as autoridades de Los Angeles. “Não há nada do que se arrepender e nenhum motivo de condenação. É uma agressão cultural retirar os monumentos que lembram Colombo”.

Momento da retirada da estátua de Cristóvão Colombo em Los Angeles no sábado.
Momento da retirada da estátua de Cristóvão Colombo em Los Angeles no sábado.TWITTER

No lado oposto está o historiador britânico Roger Crowley, autor de O Mar Sem fim, Portugal e a Forja do Primeiro Império Global. Ele considera que quando Colombo pisou em solo americano em 12 de outubro de 1492, “abriu uma era de assassinato maciço por parte dos conquistadores europeus”, de modo que “é o pai fundador do genocídio no Novo Mundo”, mas nega que tivesse intenção de extermínio. O historiador da Universidade Autônoma de Barcelona Antonio Espino López, autor do livro A Conquista da América: Uma revisão crítica, segue a mesma linha. “Não se pode falar de genocídio planejado, mas sim do começo de grandes hecatombes no continente americano”. Enquanto José Luis de Rojas, professor de Antropologia da América na Universidade Complutense de Madri, especialista na conquista do México, coloca uma razão ligada à própria vida do almirante. “Ele esteve lá por pouco tempo, passou meia vida embarcado”. Além disso, “os números de mortos são muito exagerados. As epidemias como a varíola mataram mais do que os espanhóis”.

Julgar a história hoje

Visto o personagem, é preciso se perguntar se é possível revisar o passado com os olhos de hoje. Carmen Sanz Ayán, da Academia de História, professora de História Moderna da Complutense, afirma que esse revisionismo histórico sobre Colombo era “esperado”. “É uma corrente que há tempos vem de alguns departamentos de universidades americanas, mas é curioso que venha de descendentes de comunidades que quase foram exterminadas por outras civilizações”. De acordo com Sanz, nesses contextos universitários “estão ganhando peso os que querem impor interpretações unívocas a partir do presente e em clara descontextualização. Isso é algo contrário à nossa ciência e os historiadores não podem permitir”. Em sua opinião, esse movimento pode desembocar em “um perigo maior, a construção do nacional a partir do etnoculturalismo, e na Europa já sabemos o que isso significa”.

Para Espino López, por outro lado, “é preciso revisar todos os imperialismos a fundo, não é somente uma questão da monarquia hispânica do século XVI. Todo foram igualmente negativos e tentaram se justificar dizendo que as populações foram beneficiadas. Esse tipo de argumentação já não se sustenta”. Pelo contrário, Pérez-Mallaína defende que não se pode “qualificar o que aconteceu no século XV com a moral e as leis do século XXI. Todos os povos foram dominadores e dominados. Os astecas escravizavam seus inimigos, os sacrificavam e comiam seu coração”. Borja de Riquer concorda que se os personagens históricos do passado fossem julgados com os critérios morais de hoje “poucos se salvariam”.

Martínez Shaw diz que a história “permite diferentes interpretações até de um fato verificado e comprovado”. Colombo deve ser avaliado “a partir da história universal, mais do que pela submissão que ocorreu. Eu prefiro não tocar nessas questões por seu grande significado, ainda que entenda que exista quem queira fazê-lo”. O professor De Rojas enfatiza que “é preciso reconhecer o que aconteceu para que não volte a acontecer, como está ocorrendo na África Central. A única coisa que podemos fazer é assumir nosso passado, mesmo que não sejamos os responsáveis”.

Os impérios

No debate recorrente entre os que foram os piores, “a conquista da América não foi muito diferente das realizadas pelos britânicos, os holandeses e os próprios romanos”, diz De Riquer. “O colonizador nunca é bom, mas se comparamos a marca dos espanhóis na América hispânica com a dos ingleses nos Estados Unidos e os portugueses no Brasil...”, diz Consuelo Varela, doutora em História da América e pesquisadora da Escola de Estudos Hispano-Americanos do CSIC, que também dá esse exemplo: “A Espanha fundou a universidade no Peru no século XVI [Lima, 1551]; enquanto os ingleses fundaram Harvard em 1636 e no Brasil só no começo do século XX, quando já era independente”. Pérez-Mallaína defende que “a colonização espanhola não foi das piores, porque esteve muito ligada à religião católica e os conquistadores tinham uma certa consciência; algo que não aconteceu entre os ingleses”.

O britânico Roger Crowley defende seu país, reconhecendo que toda colonização significa “violência, saque e opressão”, mas que “o domínio dos belgas no Congo foi pior do que o do Império Britânico na Índia”. Para concluir, o professor De Rojas assinala o motivo real pelo qual Colombo acabou no sábado jogado em um caminhão: “Ele foi retirado pelo que representa, mais do que pelo que realmente fez”. Enquanto Jursich lamenta que “ninguém ganha ocultando os fatos problemáticos do passando eliminando-os da vista pública”.

Com informação de Jacinto Antón, Francesco Manetto, Margot Molina, Pablo Ximénez de Sandoval, Pablo Ferri e Peio H. Riaño.

Do 'Columbus Day' ao Dia dos Indígenas

Foram políticos de ascendência italiana os que, no final do século XIX, "implantaram o Columbus Day" em numerosas cidades dos Estados Unidos, diz Consuelo Varela, historiadora que escreveu mais de trinta livros relacionados ao descobrimento e sobre o almirante, como Cristóvão Colombo. Textos e Documentos completos (Editora Alianza, 1982). Os movimentos indigenistas há anos protestam contra essa efeméride que, desde 1937, é comemorada na segunda-feira da segunda semana de outubro. Em Los Angeles, esses grupos, liderados pelo vereador Mitch O'Farrell, descendente de uma tribo de Oklahoma, forçaram a mudança da festa no ano passado para Dia dos Povos Indígenas, Aborígenes e Nativos. Sua última conquista foi a retirada da estátua de Colombo de um parque do centro de Los Angeles.

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