Com vitória de Bolsonaro, bancada da bala planeja ampliar posse de arma ainda neste ano
Deputados da frente da Segurança Pública querem inaugurar giro conservador no Congresso com proposta que facilita o acesso a armas de fogo
A vitória de Jair Messias Bolsonaro na eleição presidencial abriu o apetite da bancada BBB (Bíblia, boi e bala), que espera se impor como a força dominante no Congresso Nacional pelos próximos quatro anos. E, ao menos no que depender do 'B' que faz referência às balas, o pontapé inicial do giro conservador prometido pelo presidente eleito será dado com as mudanças no Estatuto do Desarmamento.
"Por que deixar [o Estatuto] para o ano que vem?", questiona o deputado Capitão Augusto (PR), um dos expoentes da Frente Parlamentar da Segurança Pública. "Se a gente tem uma bancada BBB suficientemente forte para aprovar, tem o presidente da Câmara [Rodrigo Maia] do mesmo partido do Onyx Lorenzoni [futuro ministro da Casa Civil], por que deixar para o ano que vem?"
Os anseios da bancada da bala em finalmente levar adiante uma das suas principais bandeiras —a flexibilização das regras para que os cidadãos possam comprar armas de fogo— só aumentaram com as declarações, nesta segunda-feira, de Bolsonaro. Em entrevista à rede Record, o capitão reformado do Exército disse que contava com ver as modificações no Estatuto aprovadas ainda neste ano, antes mesmo do início do seu mandato. Ao tratar do tema de forma bastante genérica, sugeriu que defende uma ampla revogação, com o fim de travas para o acesso a armamentos e munições e até mesmo para o porte.
A realidade que espera o projeto de revisão do Estatuto na Câmara dos Deputados, no entanto, é mais complexa. Para começar, nas eleições do dia 7 de outubro, menos da metade dos 513 deputados conseguiu se reeleger. Isso significa que a maior parte dos parlamentares atuais não estará em Brasília no próximo ano, e, com isso, os dois últimos meses de atividade da atual Legislatura devem ser de pouca atividade, acreditam alguns deputados.
Além do mais, há a resistência natural que partidos como o PT, PSOL, PSB e alas do PDT farão à proposta de flexibilizar a posse e porte de armas de fogo. Uma oposição que deve aumentar quanto mais permissivo for o texto que a bancada da bala tentar aprovar: um projeto que preveja um amplo desmonte do Estatuto do Desarmamento certamente encontrará rejeição entre um maior número de congressistas, especialmente preocupados também com a opinião pública. Segundo pesquisa Datafolha publicada no último dia 27, 55% dos entrevistados acreditam que a posse de armas deve ser proibida, pois representa uma ameaça à vida das pessoas.
Já antevendo isso, os apoiadores do projeto que mexe no Estatuto estão negociando uma versão mais light do texto, para tentar vencer resistências e conseguir uma vitória com grande valor simbólico para Bolsonaro ainda neste ano. O deputado Alberto Fraga (DEM), coordenador da Frente Parlamentar da Segurança Pública, afirma que a bancada da bala aceita recuar de um dos pontos do projeto, que é a redução de 25 para 21 anos da idade mínima para que um cidadão possa adquirir uma arma de fogo. Fraga diz que, nesse caso, seriam abertas exceções para determinadas categorias, como policiais e membros das Forcas Armadas, que poderiam comprar armas a partir dos 21 anos. Fraga chegou a ser cotado para ingressar na gestão Bolsonaro, mas o novo presidente afirmou que os nomes ainda não estão definidos.
O ponto central para a frente da segurança pública —continua Fraga— é a revogação do dispositivo que dá à Polícia Federal a palavra final na emissão de licenças para a aquisição de armamentos. Hoje, um membro da corporação precisa atestar que a pessoa solicitante tem real necessidade da posse de uma arma, o que deixaria de existir. "É essa subjetividade que nós queremos tirar do estatuto", pontua. Há ainda uma outra questão que está na mira dos apoiadores da proposta: a derrubada de entraves para que as pessoas que moram em áreas rurais comprem armas.
Não está claro até que ponto Fraga e a bancada da bala estão dispostos a ceder para facilitar a aprovação da revogação do Estatuto ainda neste ano. A proposta que foi aprovada numa comissão na Câmara, e que deve servir de base para a votação final em Plenário, prevê profundas mudanças nas regras atuais e facilita inclusive o porte de armas. Nesta terça, Fraga disse que não pretende mudar as regras atuais para o porte, mas ainda não divulgou a versão final da redação que ele quer apoiar.
"Deixa o porte do jeito que está. Eu defendo que o porte precisa ter mais rigor, para não alimentar o comentário da imprensa, de que as pessoas vão armadas no boteco ou no trânsito. Vamos mexer na posse, que é você ter uma arma dentro de casa", diz.
Previdência
Os entraves à aprovação nas mudanças ao Estatuto não são o único obstáculo que Bolsonaro enfrentará no Congresso se quiser tentar empurrar uma agenda antes mesmo de tomar posse. Na mesma entrevista desta segunda, o presidente eleito disse que apoiará uma reforma da Previdência ainda neste ano, durante mandato do presidente Michel Temer.
Não só essa ideia esbarra no grande número de parlamentares que não se reelegeram —que em tese não teriam por que apoiar um tema altamente incendiário como mudanças no sistema de pensões—, como possivelmente dependeria de alterações na Constituição Federal, o que requer o voto favorável de três quintos dos deputados. Um quórum difícil de ser alcançado em circunstâncias normais, quanto mais entre congressistas que estão a ponto de concluir o mandato e que não foram reeleitos.
O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deu o tom das dificuldades para levar a reforma da Previdência adiante e disse que o governo eleito precisa ter "paciência". "Precipitado é votar qualquer coisa sem voto. Com voto nada é precipitado. Votar qualquer matéria, Previdência ou não para o futuro governo sofrer uma derrota eu acho que é ruim para o governo que entra", disse.
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