Ciro critica “interesses mesquinhos” e quer liderar uma oposição sem PT
Com vitória de Bolsonaro, esquerda busca organizar seu espólio de votos, enquanto pedetistas dizem que não se aliarão mais com partido de Lula
"A esquerda brasileira passará por uma disputa de liderança", vaticina Vitor Marchetti, professor de Ciência Política da Universidade Federal do ABC. Com a saída do Partido dos Trabalhadores do Governo, agora por meio do voto popular, as forças que orbitam em torno de agendas mais progressistas devem se reorganizar. Só não se sabe, ainda, em torno de quem. Enquanto Fernando Haddad, o candidato que apesar de derrotado da disputa presidencial deste domingo obteve 47 milhões de votos, afirmou nesta segunda-feira que voltará a dar aulas, Ciro Gomes (PDT), o terceiro colocado na disputa e que se absteve de declarar apoio no segundo turno, afirmou no Twitter que Jair Bolsonaro enfrentará "a todos nós que lhe movemos oposição dentro do marco da decência e do espírito público", dando um passo a mais na cisão que ficou bem marcada entre o pedetista e o partido de Lula nestas eleições.
Nas últimas semanas, Haddad esperou que Ciro se envolvesse em sua campanha para tentar derrotar Bolsonaro, mas o pedetista não fez nada a não ser pedir um "voto contra a intolerância", dias após seu partido declarar um frio "apoio crítico" ao candidato do PT. Nesta segunda-feira, em sua mensagem nas redes sociais ele já se apresenta como postulante à liderança da oposição ao agora presidente eleito: "Essa oposição que nasce não se confunde com forças que só defendem a democracia ao sabor de seus interesses mesquinhos ou crescentemente inescrupulosos ou mesmo despudoradamente criminosos."
A vitória do ultraconservador Bolsonaro representou mais do que a derrota de Haddad. Marcou um erro de avaliação do PT. Na medida em que os dirigentes do partido digerem a decepção nas urnas, um diagnóstico parece consensual: eles subestimaram o sentimento antipetista na sociedade, que acabou sendo um dos principais trunfos que impulsou o sucesso do capitão reformado do Exército. Garantiram a maior bancada de deputados no Congresso e uma vitória expressiva em todos os Estados do Nordeste, mas não imaginavam que o ódio ao partido de Lula no resto do país seria suficiente para desequilibrar a balança para o outro lado.
Ciro, agora, tenta ocupar o espaço aberto pelo fracasso de Haddad e se colocar como referência para quem pretende fazer frente a Bolsonaro dentro e fora do Congresso. E, com isso, se fortalecer para a próxima disputa presidencial. Carlos Lupi, o presidente do PDT, afirma que o ex-ministro passará os próximos quatro anos percorrendo o país para consolidar sua candidatura à Presidência em 2022. "Com o PT nós não estaremos aliados. Escolheram o caminho deles no primeiro turno, de hostilidade a nós. Só somos úteis a eles quando declaramos apoio. A gente cansou de declarar apoio a quem não nos respeita", diz Lupi ao EL PAÍS. A fala se alinha com a própria fala de Ciro no domingo, que afirmou "que nunca mais fará campanha com o PT".
Disputa aberta
Não está claro se Ciro, um político que já trocou de partido mais de sete vezes e que hoje está numa sigla de tamanho médio, conseguirá cumprir esse papel e escantear o PT como protagonista da oposição. O que parece certo é que há espaço para a disputa: a legenda criada por Lula na década de 80 ainda é, sem dúvidas, a maior agremiação de esquerda do Brasil, mas não há qualquer expectativa que o ex-presidente, preso há mais de seis meses em Curitiba, seja solto em breve. Para além do vácuo deixado por Lula, Haddad nunca foi uma figura forte dentro do PT e tem pouca influência no partido. Também precisa lidar com a guerra interna dos que pretendem se firmar como o próximo sucessor de Lula. Por outro lado, a grande quantidade de votos e o apoio da militância na reta final do pleito pode cacifá-lo como nome influente na sigla, caso ele pretenda se aprofundar pela estrutura partidária.
Ao menos são esses os planos que parte do PT tem para ele. Antevendo os movimentos de Ciro, há uma ala no partido que quer que Haddad use o capital político obtido nestas eleições para ser a cara da legenda na oposição radical ao governo Bolsonaro. "Ele não é um quadro político mais para ficar dando aula. Ele é um quadro para rodar o país, debater as coisas e reorganizar o próprio partido, dar uma cara nova ao PT", diz o senador reeleito Humberto Costa. Qual cara? "Uma cara mais moderna, mais de diálogo", complementa o parlamentar pernambucano.
A reorganização do PT não depende só da vontade de Haddad. O resultado das eleições aumentou o peso na estrutura partidária dos políticos do Nordeste, o enclave mais pobre do País e onde o partido conseguiu seus melhores resultados eleitorais —além da vitória de Haddad, elegeu quatro Governadores da região. É de lá, por exemplo, que vem o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, que se apresenta como um dos petistas que mais poder terá nas futuras decisões internas do partido. "Não vejo dificuldades na reorganização do PT, elegemos 56 deputados federais", disse Wagner nesta semana. "De todos os partidos abalroados [pela onda antipolítica], e com a gente tomando tanta porrada na televisão durante cinco anos, o PT é o que mais consegue estar em pé."
Wagner foi eleito para o Senado e no passado manteve opiniões contrárias às de Lula. Ele foi, por exemplo, uma das poucas vozes que defenderam que o PT não deveria apresentar um candidato nas eleições presidenciais deste ano e apoiar Ciro. Diante da derrocada de Haddad, não são poucos no partido que agora concordam com ele.
Crescimento do PSOL também pressiona o PT
O cerco ao PT ocorre por outros lados. O PSOL, fundado por dissidentes petistas que defendem propostas abertamente progressistas, como o casamento igualitário, conseguiu eleger no pleito para o Legislativo 10 deputados federais, o dobro do que tem hoje. "Embora o PSOL seja bastante pequeno, esse resultado nos diz que há espaços do eleitorado que antes eram do PT e que estão sendo ocupados pelo PSOL", diz Marchetti.
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