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Arábia Saudita estaria disposta a admitir que jornalista morreu durante o interrogatório, diz imprensa dos EUA

As autoridades pretendem culpar os membros dos serviços de inteligência por agirem sozinhos e, assim, salvaguardar o príncipe Mohamed Bin Salmán

Andrés Mourenza
A polícia turca entra no consulado saudita em Istambul
A polícia turca entra no consulado saudita em IstambulPetros Giannakouris (AP)

A Arábia Saudita está disposta a admitir que o jornalista Jamal Khashoggi morreu em um interrogatório depois de entrar no consulado de seu país em Istambul, na Turquia, de acordo com veículos de comunicação dos Estados Unidos, como CNN, The New York Times e The Wall Street Journal. O canal de televisão fala de "duas fontes" que asseguram que "os sauditas estão preparando um relatório reconhecendo que a morte de Jamal Khashoggi foi resultado de um interrogatório que deu errado". Segundo uma das fontes da CNN, os sauditas supostamente informarão que a operação foi realizada "sem autorização e transparência" e que os envolvidos "serão acusados".

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Questionado durante uma visita ao Estado da Geórgia sobre um desses relatos da mídia, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse que "ninguém sabe" se isso é oficial, segundo a agência Reuters. Horas antes, Trump especulou que os assassinos do jornalista poderiam ter agido livremente. Segundo o Times e o Journal, a confissão de culpa "abre uma janela" à monarquia saudita para defender que a morte não teria nada a ver com os líderes do reino, "uma teoria defendida por uma pessoa familiarizada com os planos sauditas de colocar a culpa em um funcionário dos serviços de inteligência e, assim, proteger o príncipe herdeiro Mohamed Bin Salman".

O rastro do jornalista, crítico do atual governo de seu país e especialmente do príncipe herdeiro, foi perdido no último dia 2 de outubro, quando ele entrou no consulado saudita em Istambul para realizar um procedimento para seu casamento. Khashoggi, de 59 anos, fugiu no ano passado para os Estados Unidos, temendo pela sua segurança no país árabe.

Buscas

Policiais e legistas turcos entraram nesta segunda-feira, 15, no consulado da Arábia Saudita em Istambul em busca de pistas sobre o desaparecimento de Khashoggi. A operação ocorre quase duas semanas após o desaparecimento do jornalista e uma semana depois de Ancara solicitar às autoridades de Riad que concedessem uma permissão especial para a entrada de seus agentes na legação, protegida pela Convenção de Viena para as Relações Diplomáticas.

Finalmente, chegou-se a um acordo depois de uma conversa telefônica na noite de domingo entre o rei Salman bin Abdulaziz, pai de MBS, e o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. Uma fonte presidencial turca citada pela agência oficial Anadolu relatou que eles salientaram a importância da equipe de trabalho conjunta estabelecida para investigar o caso Khashoggi. Nesta segunda-feira, esse grupo manteve sua primeira reunião, de duas horas, na sede da Direção Geral de Segurança de Istambul.

O rei Salman determinou ao Ministério Público saudita que abra uma “investigação interna” sobre o desaparecimento de Khashoggi, com base na informação a ser obtida pela equipe enviada a Istambul, disse uma fonte do Governo saudita à agência Reuters. “Falei com o rei da Arábia Saudita, que nega qualquer conhecimento do ocorrido com o ‘nosso cidadão saudita’. Diz que está trabalhando estreitamente com a Turquia para achar respostas”, disse o presidente dos EUA, Donald Trump, pelo Twitter.

A aparente mudança de postura saudita – anteriormente dizia que Khashoggi saiu por conta própria do consulado após fazer um trâmite no dia 2 – contrasta com o fato de que na manhã desta segunda-feira faxineiras foram vistas entrando no edifício consular, bem como uma equipe de investigadores sauditas à tarde, poucas horas antes da chegada dos investigadores turcos.

De acordo com o jornal turco Sabah, um dos motivos que causaram a demora na operação de buscas no consulado foi o empenho dos sauditas em que se tratasse apenas de uma inspeção ocular, enquanto a polícia científica turca insistia em poder colher amostras e utilizar produtos químicos em busca de traços de DNA e sangue de Khashoggi, além de fazer testes para o uso de ácidos. Uma das novas hipóteses da investigação é que Kashoggi não só foi torturado e assassinado – algo que algumas fontes turcas dizem estar provado com gravações de áudio – como também que seu corpo foi dissolvido em ácido.

Turan Kislakçi, amigo da vítima e presidente da Associação da Imprensa Turco-Árabe, antecipou essa versão dos fatos, e o jornal Habertürk afirma em sua edição desta segunda-feira que tanto a polícia como o serviço secreto turco estão “investigando seriamente” tal possibilidade. Uma fonte de segurança confirmou ao EL PAÍS que desde os primeiros dias da investigação os agentes turcos examinam as tubulações e redes de esgoto nos arredores do consulado em busca de rastros de ácido e material humano.

Pressão diplomática e empresarial

Soner Çagaptay, diretor do programa de estudos turcos no think tank The Washington Institute for Near East Policy, opinou no Twitter que Erdogan procura oferecer uma saída honrosa para o rei Salman, permitindo-o atribuir o assassinato a “elementos radicais” dentro do regime saudita, para “evitar uma ruptura das relações” entre Ancara e Riad num momento em que a economia turca passa por dificuldades. “Mas se o plano a não funcionar, o plano B de Erdogan é pressionar os sauditas. É aqui que necessita do apoio de Trump”, concluiu.

A pressão sobre a Arábia Saudita está dando certos resultados, porque atingiu o Reino do Deserto onde mais lhe dói: sua imagem de paraíso para os negócios. Empresas importantes, como Uber, Viacom, Ford e Virgin, se retiraram de um fórum econômico marcado para o final do mês em Riad ou cancelaram seus negócios com a monarquia árabe. A este protesto se somaram nas últimas horas gigantes financeiros como JP Morgan, BlackRock e Blackstone, o que colocou em dúvida a viabilidade do chamado Davos do deserto.

Também as chancelarias ocidentais intensificaram a pressão. Em nota conjunta enviada às autoridades sauditas, os ministros de Relações Exteriores do Reino Unido, França e Alemanha exigiram “uma investigação confiável” e que “os responsáveis pelo desaparecimento de Jamal Khashoggi sejam identificados e responsabilizados”. Também a Espanha, através da porta-voz do Governo, Isabel Celaá, manifestou nesta segunda-feira sua “preocupação” e exigiu uma “investigação urgente e transparente”.

Mas o maior golpe veio do próprio Trump, que durante o fim de semana mudou de postura – anteriormente considerava que os negócios armamentistas com a Arábia Saudita eram muito importantes para impor sanções – e prometeu “um severo castigo” se ficar provado que os sauditas assassinaram Khashoggi, colaborador do jornal norte-americano The Washington Post e exilado nos EUA desde 2017. Nesta segunda-feira, entretanto, sugeriu que um grupo de capangas poderia tê-lo assassinado. O secretário de Estado Mike Pompeo foi enviado a Riad para discutir o assunto diretamente com o rei saudita.

As palavras iniciais de Trump levaram a um desabamento da Bolsa saudita, que chegou a cair até 8,4% durante sua jornada de domingo (dia útil no país), embora tenha se recuperado nesta segunda. “O reino rejeita completamente qualquer tipo de ameaça ou tentativa de miná-lo mediante a ameaça de sanções econômicas ou pelo uso de pressão política”, afirmou uma fonte do Governo do Riad citada pela agência de notícias estatal SPA. A mesma fonte alertou que a Arábia Saudita “desempenha um importante papel na economia mundial” graças ao seu petróleo e responderia a qualquer ação contra si “com outra maior”. A emissora local Al Arabiya informou sobre “mais de 30 medidas” que a monarquia árabe poderia tomar, entre elas convidar os russos a estabelecerem uma base militar ou provocar uma considerável alta do preço do petróleo.

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