Juventus, a inabalável paixão da Mooca que dispensa Cristiano Ronaldo
Time da rua Javari, na zona leste de São Paulo, não frequenta a elite do estado há 10 anos, mas ainda enche seu estádio com torcedores e simpatizantes
A exatamente um quilômetro da estação de metrô Bresser-Mooca, na zona leste da cidade de São Paulo, fica a rua Javari, endereço do estádio Conde Rodolfo Crespi, a casa do Clube Atlético Juventus. No caminho do metrô ao campo aparecem as ruas de um bairro de origem operária e o envolvimento da população com o time de futebol. Paredes pintadas na cor grená, bares temáticos e bandeiras do Juventus nas casas mostram a devoção digna de um grande clube –não importa o que a realidade diga. O bairro da Mooca mantém-se fiel à Juventus, que não frequenta a elite do futebol paulista desde 2008: joga a série A-2, segunda divisão do Estado, e a Copa Paulista, competição para clubes que não disputam torneios profissionais no segundo semestre.
“Cadê o Cristiano Ronaldo? Paguei 50 reais para ver o Cristiano Ronaldo!”, grita um senhor nas cadeiras do estádio. A brincadeira é com a Juventus italiana, que comprou o craque português em julho, e não é à toa: o nome do clube paulistano é uma homenagem ao de Turim, enquanto as cores, grená e branco, são baseadas no outro clube da cidade na Itália, o Torino.
Não há Cristiano, mas isso não impede as boas marcas do clube. A média de público do Juventus em casa, durante a série A-2 de 2018, foi de mais de 2 mil torcedores (cerca de 50% da capacidade da Javari) – maior que a média anual de Oeste (1.106), Londrina (1.464) e Boa Esporte (388), clubes que disputam a segunda divisão nacional –, ainda que o número de sócios-torcedores, teoricamente mais envolvidos, não chegue a uma centena.
Nas arquibancadas, onde ficam as duas torcidas organizadas – a Ju Jovem e a Setor 2 –, a inteira é 20 reais. O ingresso, ao contrário das arenas da capital, pode ser comprado sem transtornos minutos antes da partida começar, na bilheteria ao lado do portão onde poucos policiais militares fazem a revista. Antes de adquirir a entrada, ainda é possível passar no bar em que a torcida confraterniza no pré e pós-jogo, entre cervejas e espetinhos de carne.
Cleverson Horta, o Kekeu, é líder da torcida Ju Jovem, que existe desde 1981, e liga seu carinho pelo time à região em que mora. “Eu sou da Mooca e comecei a acompanhar o Juventus por isso. O bairro se agrega a esse time”, diz. Com 44 anos de idade, ele acompanha o clube desde 2006 e sempre marca presença atrás de um dos gols, comandando a organizada. Do outro lado do estádio, a faixa “Juventus Origine Operare”, acima da Setor 2, a outra torcida, evidencia a ligação com imigrantes italianos que marca bairro e time. No uniforme oficial, outra frase italiana: “Il primo di molti, il secondo di tutti”, que significa “O primeiro de muitos, o segundo de todos”. Com ela, o próprio clube abraça, sem preconceito, a ideia de que é a segunda opção entre sua torcida: uma parcela divide o carinho pelo Juventus com outras equipes maiores do Estado.
“Eu tenho outro amor”, confessa Kekeu. “O Juventus é minha paixão, mas meu amor é o Palmeiras. Um clube pequeno, que não tem tantos torcedores, acaba acrescentando torcedores de outros clubes. Quem fala que não gosta, não sabe o que é o Juventus”. O torcedor-símbolo não vê problemas na preferência dividida, argumentando que não existe uma “raça pura” de juventinos. Luiz Carlos Balthazar, outro frequentador do clube, vai além: ele afirma não se incomodar com a moda que se tornou entre admiradores do esporte ir até o estádio do seu time apenas para ver uma partida de futebol alternativo. “Assistir a um jogo na Javari faz parte do turismo da Mooca. Não é um problema o cara vir aqui só para passear".
As opiniões de Kekeu e Balthazar não são endossadas por todos. Na porta do estádio, uma placa, colocada por um torcedor, pede para que não sejam usados uniformes de outras equipes nas arquibancadas. A Setor 2, maior torcida organizada do clube, usa por vezes o lema “Juve ou nada” nas redes sociais; seus integrantes, entretanto, não deram entrevista ao EL PAÍS.
Balthazar tem 53 anos e diz acompanhar o Juventus desde jovem, já que nasceu na Mooca. “Antigamente tinha outro time, hoje eu só gosto do Juventus porque o futebol moderno está cansativo”, justifica. Ele defende a rua Javari como local de resistência contra o que julga ser um esporte cheio de “falcatruas” e pouco apaixonante. “A diferença é que aqui o Juventus é nosso orgulho. Já vi o time ser rebaixado e a torcida sair cantando”. Kekeu completa: “Não frequento arenas porque não gostei, não gosto e não vou gostar. É na Javari que me sinto realizado, pelas pessoas do bairro que conheço, pela arquibancada de cimento e pelo alambrado, que a gente pode encostar e subir”. O clima romântico do estádio antigo não diminui a rivalidade entre torcidas; na partida entre Juventus x Portuguesa, conhecida como “Clássico dos Imigrantes”, ocorrida no dia 12 de setembro, pela Copa Paulista, bombas de efeito moral e pequenos tumultos entre torcidas e policiais mostraram que o futebol é levado a sério mesmo nas divisões inferiores.
Dentro do estádio, quem acompanha o jogo pode comprar um cannoli, doce típico italiano, de Antônio, que tem o comércio na Javari há quase 50 anos. Nos arredores, estabelecimentos também se aproveitam da fama do Juventus para tornar a região um ponto forte do turismo da Mooca. A Esfiharia Juventus funciona desde 1967 ali e atrai os torcedores que procuram almoço após os jogos de domingo, que começam tradicionalmente às 10h. Na frente do restaurante, funciona a Camiseteria di Mooca, loja que há oito anos vende artigos esportivos relacionados ao clube grená do bairro. “Acompanho o time há 30 anos. As pessoas vêm de fora para passear, porque a Mooca é um bairro bastante tradicional, e curtem essa atmosfera do jogo antigo. Depois, comem pelo bairro e ainda passam aqui para levar uma lembrança”, diz Luis Roberto, um dos responsáveis pela loja. “É importante para o comércio que eles venham turistar.”
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