Morre o senador John McCain, herói de guerra e referência da velha guarda republicana
Ex-candidato presidencial, ele faleceu vítima de um agressivo câncer cerebral aos 81 anos. Tinha se convertido no grande algoz de Donald Trump.
A velha guarda republicana perdeu neste sábado o senador John McCain, uma referência do conservadorismo clássico norte-americano cuja figura crescia nos últimos tempos como açoite de Donald Trump. O veterano político do Arizona, herói de guerra e ex-candidato presidencial, faleceu aos 81 anos vítima de um agressivo câncer cerebral diagnosticado faz pouco mais de um ano. Apesar da doença, seguiu no Congresso, em Washington, até dezembro e permaneceu ativo até o último momento, já ausente da dissidência com o presidente ou como voz da consciência de seu partido. Na sexta-feira, a família comunicou que o político pedia a interrupção do tratamento. O soldado já via chegar sua hora.
As palavras de respeito e admiração por McCain multiplicaram-se tanto desde as filas conservadoras como das progressistas desde esse dia. A explicação dessa onda de adoração pode ser feita por meio de três momentos. Em março de 1973, quando regressou aos Estados Unidos após mais de cinco anos de cativeiro e torturas no Vietnã; o seguinte, em outubro de 2008, pouco antes de perder as eleições à presidência contra Barack Obama, quando durante conversa com apoiadores uma mulher do público começou a disparar contra o candidato democrata, dizendo que tinha medo dele porque achava que era árabe. McCain pegou o microfone e lhe calou: “Não, senhora, é um decente homem de família, um cidadão com o qual tenho discordâncias em assuntos fundamentais, e nisso consiste esta campanha”. E para o terceiro momento vamos a julho de 2017, quando, recém-operado do tumor cerebral que acabavam de encontrar, voou do Arizona e se apresentou no Senado para votar sobre a reforma de saúde de Trump. Ainda com a cicatriz e o olho coberto, fez um apelo ao consenso que gerou uma ovação. Depois, com a oposição democrata em bloco e muitas discrepâncias sobre a proposta republicana, votou na contramão. Assim era o velho senador McCain.
Nasceu em 29 de agosto de 1936 na base naval de Coco Solo, na zona do Canal do Panamá, então sob controle norte-americano. Filho e neto de almirantes quatro estrelas, John Sidney McCain III se tornou aviador e entrou em combate na guerra do Vietnã. Em outubro de 1967, seu avião foi derrubado quando sobrevoava Hanói. Foi aí que começou seu cativeiro. Tinha esposa e três filhos. Ao regressar, aquele primeiro casal naufragou. O que começou foi uma frutífera carreira política cujos detratores consideraram no início demasiado apoiada na imagem do herói militar. Em 2008 tentou sorte na corrida pela Casa Branca e escolheu como número dois, candidata à vice-presidência, a Sarah Palin, a então estrela do movimento ultraconservador Tea Party, cujo ideário nacionalista é um dos germens do atual trumpismo que tanto detestou.
Conservador no plano fiscal, falcão no militar e defensor irredutível do direito às armas, McCain pertence ao republicanismo da velha escola. Nenhum senador recebeu tantas doações da Associação Nacional do Rifle como ele, depois de seis legislaturas em Washington.
Seu ideário sempre ficou submetido a sua própria autonomia: diferente da maioria de colegas de partido, suas críticas a Trump não se evaporaram assim que o nova-iorquino ganhou as eleições, como demonstrou com sua defesa dos imigrantes ou depois da cúpula com Vladímir Putin em Helsinque, quando Trump equiparou a credibilidade do Kremlin sobre a interferência russa nas eleições de 2016 à dos serviços de inteligência norte-americanas. A atuação de Trump, disse, era “das mais vergonhosas na história por parte de um presidente dos EUA”, e “o dano infligido pelo egoísmo e ingenuidade dos autocratas de Trump é difícil de calcular”.
Os embates com o presidente começaram já na campanha eleitoral, quando o então candidato debochou de McCain. “Não é um herói de guerra; só é porque foi capturado: prefiro os que não foram capturados”, disse o magnata e showman em 2015. Em maio passado, já retirado em seu rancho do Vale Escondido (Arizona) fez saber através do jornal The New York Times que tinha instruído que Trump não fosse a seu enterro.
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