Economia da América Latina perde força num contexto de “incerteza e volatilidade” global
Cepal estima que a região crescerá 1,5% neste ano, sete décimos a menos que a projeção de abril. Problemas na Venezuela, Argentina e Brasil puxam para baixo a expansão na América do Sul
A América Latina e o Caribe continuarão crescendo em 2018, mas a um ritmo notavelmente inferior ao previsto antes. A economia da região se expandirá 1,5%, sete décimos a menos do que era esperado até agora pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), mas três décimos a mais que em 2017, segundo o relatório anual apresentado nesta quinta-feira, 23, na Cidade do México. “Como o resto dos organismos internacionais, fomos muito otimistas”, reconhece a chefe do órgão das Nações Unidas para o desenvolvimento econômico do subcontinente latino-americano, Alicia Bárcena. O ano, porém, acabou marcado pela “alta incerteza e volatilidade” sobre a economia global e, muito especialmente, sobre o bloco emergente.
Em uma região jovem, que parte de baixos níveis de renda per capita, o aumento do consumo interno conseguirá evitar em 2018 boa parte do dano que já foi infligindo pela falta de certeza no terreno comercial, por causa dos atuais rumos protecionistas dos EUA, da valorização do dólar em relação às principais moedas latino-americanas e da firme decisão do Federal Reserve (banco central dos EUA) de continuar com as altas das taxas de juros, independentemente do que diga o presidente Donald Trump. O desemprego, por sua vez, continuará ligeiramente em baixa durante o atual ano, embora a taxa urbana deva permanecer acima de 9%, um nível elevado para economias emergentes.
Como em anos anteriores, o crescimento continua descompassado entre as diferentes sub-regiões da América Latina. A área composta por América Central e México continuará liderando amplamente a tabela, com uma expansão média de 2,5% prevista para 2018 e com 3 dos 10 países mais dinâmicos da região. As ilhas do Caribe, por outro lado, crescerão a uma taxa média de 1,7%, e a América do Sul ficará aquém da média regional, com um incremento de apenas 1,2% no seu PIB, atrapalhado fundamentalmente pelos problemas da Venezuela, Argentina e Brasil.
Em entrevista ao EL PAÍS, a secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena, admite sua “preocupação” por uma divergência inter-regional que ameaça se tornar crônica. “Isso tem a ver com os preços das matérias-primas: se subirem, como agora, a América do Sul deveria ir melhor, e a América Central, pior. Mas o que muda tudo são os problemas de Argentina e Brasil. O primeiro é de visão de país e de consenso da Argentina, e o segundo está numa situação muito complexa, à qual se soma a incerteza política pelas eleições de outubro”.
Os três lastros da América do Sul
As diferenças de rumo não só são apenas regionais, mas também sub-regionais. A América do Sul é a melhor prova disso: embora a maior parte dos países que a integram avancem num bom ritmo, a média se vê afetada pelo mau desempenho de três grandes economias. O principal lastro é, como nos cinco últimos exercícios, a Venezuela, um país mergulhado numa grave crise econômica e institucional, onde a recessão se tornou regra. A Cepal prevê que seu PIB encolherá mais 12% neste ano, apesar da alta do preço do petróleo, o grande ativo do país. Desde 2013, a economia venezuelana retrocedeu 43%.
“Além da hiperinflação, o problema da Venezuela é que sua dívida é cada vez menos sustentável: mais escassa e mais cara. E a produção de petróleo, que se destina ao pagamento da dívida, está em baixa. É um panorama lúgubre”, salienta Bárcena. “Algumas das medidas anunciadas nos últimos dias, como a normalização do preço da gasolina, vão na direção correta. Mas são tímidas e tardias”, acrescenta Daniel Titelman, chefe da divisão de Desenvolvimento Econômico do organismo, com sede em Santiago.
O segundo maior lastro sul-americano é a Argentina, que não conseguiu superar a tormenta cambial iniciada no fim de abril, a qual provocou uma rápida desvalorização do peso (de 65%) frente ao dólar. Pela primeira vez, um organismo internacional estima que o país austral fechará 2018 no vermelho, com uma queda de 0,3%. A tendência de alta dos juros nos Estados Unidos, que acelerou a retirada de recursos dos países emergentes, castigou com especial virulência a Argentina, muito necessitada de crédito para ajudar seu déficit público. O Governo de Mauricio Macri selou em junho um acordo para receber um resgate de 50 bilhões de dólares do FMI, o que garantiria recursos até o fim do seu mandato, em 2019. Mas o respaldo financeiro não foi suficiente para frear a sangria.
O Brasil, por sua vez, foi sacudido pela greve de caminhoneiros que paralisou o país em maio. “Afetou muitíssimo, mais do que poderíamos prever”, destaca um técnico da Cepal. Entretanto, o gigante sul-americano se afasta da recessão: segundo suas projeções, crescerá 1,6%. No extremo oposto, com um crescimento previsto de 4,4%, o Paraguai se mantém como a economia mais dinâmica da América do Sul, seguido pela Bolívia (4,3%) e Chile (3,9%). Este último recupera velocidade neste ano e cresce ao ritmo mais rápido da última meia década, respaldado pelo aumento das exportações de cobre e também pelo consumo interno.
Na América Central e Caribe, a tendência é notavelmente melhor que no sul. O México, o grande expoente da área, fechará 2018 com uma expansão de 2,2%. Como vem sendo habitual nos últimos tempos, essa taxa fica bastante abaixo do que caberia esperar para um país com estrutura para crescer muito mais, porém é a quarta mais alta entre as principais nações latino-americanas. Só a superam o Chile (3,9%), Peru (3,6%) e Colômbia (2,7%), todas elas impulsionadas pelo encarecimento das matérias-primas, das quais dependem boa parte de seu crescimento. Além disso, um país caribenho – a República Dominicana – e outro do istmo centro-americano –o Panamá – liderarão em 2018 o crescimento latino-americano, com expansões de respectivamente 5,4% e 5,2%. Algumas economias menores, como Costa Rica, Honduras, Antígua e Barbuda e Granada, também despontam entre as 10 mais dinâmicas. A América Latina cresce, sim, mas pouco e a muitas velocidades distintas.
"O modelo de crescimento baseado em exportações se esgotou"
Após vários anos de níveis historicamente baixos de volatilidade financeira, com a liquidez no máximo, o recrudescimento das dúvidas afeta especialmente os emergentes, com a América Latina à frente. Paralelamente, os fluxos de capitais para mercados emergentes, depois de aumentar de forma sustentada no ano passado, caem neste 2018. “A combinação de um dólar forte, taxas de juros altas e menos liquidez é o que fez os níveis de incerteza dispararem.” Consequentemente, o risco soberano das principais economias da região voltou a subir a partir de fevereiro, sobretudo na Venezuela, apontada como “o caso mais dramático”, na Argentina, depois do resgate do Fundo Monetário Internacional, e no Equador, uma economia plenamente dolarizada.
A América Latina e o Caribe tampouco estão alheios aos movimentos protecionistas de Washington. “A grande incerteza passa pelas tensões comerciais. O conflito tarifário entre os EUA e a China está criando uma tensão muito forte em todas as economias, também nas latino-americanas e caribenhas”, observa Bárcena. “É uma mudança de época: a globalização está em questão no sentido produtivo e não somente social do fenômeno; há uma desaceleração estrutural e não só conjuntural do comércio no mundo. E o modelo baseado nas exportações, em que se baseiam quase todas as economias da região, está esgotado. Não se pode exportar até o infinito”, sentencia.
Perante essa mudança de era na economia mundial, a recomendação da Cepal para a região passa por focar os esforços no investimento e no consumo interno, com um aumento sustentável dos salários. “Nem tudo é comércio. Há países, como o Uruguai, que estão percebendo que estamos em uma mudança de época. Que a próxima fronteira é a da tecnologia e da inovação. Mas nem todos estão fazendo o mesmo”, reflete Bárcena. “É muito importante que a região tenha um olhar estratégico sobre o investimento público e que reverta sua queda.”
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