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América Latina perde investimento estrangeiro pelo terceiro ano consecutivo

Último relatório da Cepal adverte que o dinheiro que chega aos países da região caiu em média 3,6% em 2017, sobretudo pelo peso do Chile, Brasil e México

Uma confecção de roupas na Cidade do México.
Uma confecção de roupas na Cidade do México.Pedro Pardo (AFP)

A economia mundial cresce, mas esta fase de alta do ciclo não se traduz em maiores investimentos na América Latina e o Caribe. De pouco adiantou a elevada liquidez nos mercados internacionais —depois de frouxas políticas monetárias em todo o mundo desenvolvido— e os lucros das grandes empresas, claramente em ascensão. O investimento estrangeiro direto (IED) na região caiu em 2017 pelo terceiro ano consecutivo, para 161 bilhões de dólares (632 bilhões de reais), de acordo com dados divulgados quinta-feira pelo braço das Nações Unidas para o desenvolvimento econômico da região, a CEPAL. É 3,6% menor que em 2016 e o valor ficou 20% abaixo do de 2011, quando atingiu o pico. A queda média oculta, no entanto, que o fenômeno não foi generalizado nem homogêneo: embora 12 países tenham registrado aumentos no IED no ano passado, os dados negativos do Chile (-48%), Brasil (-9,7%) e México (-8,8%), três das maiores economias do subcontinente, pesaram no resultado final.

O ano verdadeiramente duro para a América Latina e o Caribe foi 2016. Em 2017, no entanto, a economia da região retomou o crescimento, com um aumento de 1,3% no PIB. Mas isso não foi suficiente para recuperar os números de IED negativos registrados nos dois anos anteriores. Ainda assim a queda no investimento na América Latina e no Caribe é consideravelmente menor do que a média mundial (3,6% versus 23%). Boa parte do declínio do investimento nos últimos cinco anos tem a ver com o barateamento das matérias-primas —ainda que parcialmente revertido em 2017—, o que diminuiu o investimento em indústrias extrativas em toda a região. "Não há mais nenhum apetite por este setor", ressaltou a secretária-executiva da CEPAL, Alicia Bárcena, durante a apresentação, na Cidade do México, do estudo O Investimento Estrangeiro Direto na América Latina e no Caribe.

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O Chile foi o mais atingido por essa queda no preço dos produtos básicos e, principalmente, do cobre: passou de receber investimentos de 30 bilhões de dólares (118 bilhões de reais) em 2012 para menos de 6,5 bilhões (25,5 bilhões de reais) em 2017. A outra face do problema foi o Brasil, imerso em uma recessão da qual mal consegue erguer a cabeça. Entre 2015 e 2016, o PIB do Brasil caiu de 7% e desde o pico de investimento alcançado em 2014, com 97 bilhões de dólares (381 bilhões de reais), o gigante sul-americano perdeu mais de 27 bilhões de dólares (106 bilhões de reais) em entrada de novo capital estrangeiro. Como na região e, no conjunto, o crescimento de 1% registrado no ano passado no gigante brasileiro ainda não serviu para reverter os efeitos negativos do colapso.

No México, a segunda maior economia da América Latina, o investimento estrangeiro diminuiu quase 9,9% em 2017, um ano especialmente complicado pela retórica protecionista de Donald Trump. No entanto, apesar das ameaças contínuas do presidente dos Estados Unidos, o sangue não atingiu o rio: o Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (TLC) —do qual dependem 80% das exportações e um terço do PIB mexicano— continua em vigor e os investidores não perderam sua confiança no país. Nem sequer as empresas do setor automotivo, as mais ameaçadas no cenário projetado por Trump, reduziram sua aposta no México: as perdas de investimentos estão concentradas em setores como o de químicos e o de bebidas, enquanto o IED no ramo manufatureiro, muito mais valioso e estável, continua dominante.

A exceção do Cone sul-americano foi a Argentina, que passou de receber investimentos de 3,26 bilhões de dólares (12,8 bilhões de reais) em 2016 para mais de 11,5 bilhões (45,2 bilhões de reais) em 2017, um aumento superior a 253%. O salto é explicado, fundamentalmente, pela nova abertura econômica estabelecida pelo Governo de Mauricio Macri no ano passado. "A Argentina volta ao normal", disse Bárcena. "O que acontece é que houve um período em que nada veio de IDE: não é que o fluxo seja muito alto, mas se recupera em relação ao ano anterior." O outro país que completa o quinteto dos principais da região, a Colômbia, registrou um nível de investimento estrangeiro direto praticamente estável em relação ao ano anterior. A executiva da Cepal valoriza a capacidade das autoridades colombianas de diversificar o investimento recebido, muito menos dependente do setor petrolífero do que no passado.

Contudo, a agência das Nações Unidas para o desenvolvimento econômico vê um horizonte de boas oportunidades na América Latina e no Caribe, e destaca que os investimentos em recursos naturais e serviços desde 2011 caíram 63% e 11%, respectivamente. "Mas no setor de manufaturas aumentaram ligeiramente. Essa recomposição dá oportunidades para concentrar os investimentos nos sectores com mais capacidade de promover mudanças estruturais e de desenvolvimento sustentável na região, um processo que deve ser acompanhado por políticas que apoiem o desenvolvimento de capacidades nos países receptores", diz a CEPAL.

Os principais responsáveis pelo IED na América Latina continuam sendo os EUA e, sobretudo, a Europa, que já representa mais de 40% dos novos investimentos na região. "Os investidores europeus se dirigiram para a indústria (produção), e não só compraram empresas na região", enfatiza Bárcena. "O mercado interno da América Latina está tornando-se mais dinâmico e isso é muito atraente para eles." Desta vez, a Cepal destaca a importância do Velho Continente para o subcontinente, em plena negociação de um acordo comercial com o Mercosul e alguns meses após a assinatura do novo tratado com o México. Por outro lado, o peso da China cai por dois fatores: as crescentes restrições em muitos países e, acima de tudo, a mudança nos planos estratégicos de Pequim, que em 2017 olhou com muito menos afinco para o exterior do que no ano anterior.

A Cepal observa que os investidores agora se voltam para os negócios com energias renováveis, telecomunicações e automóveis, mas não com o vigor suficiente para recuperar os níveis de capital externo recebidos em anos anteriores e produzir, a médio prazo, uma transformação no perfil produtivo da região. O dinheiro ainda estará concentrado nas economias domésticas dos países líderes. "Apesar da recuperação dos preços das matérias-primas e do interesse em novos produtos, como o lítio, não se repetirão os grandes fluxos de IED para os recursos naturais, como na última década", enfatiza o relatório. Para o futuro, Bárcena pede a concentração na qualidade e não tanto na quantidade dos novos investimentos: "Não precisamos de qualquer tipo de IED. É importante que sejam bons investimentos, que criem empregos, capacidades locais e inovação. E que incorporam as pequenas e médias empresas nas cadeias de valor". Ante a crescente incerteza em razão do protecionismo e do nacionalismo econômico, esta aposta na qualidade tem duplo retorno: não só aumenta a competitividade, mas torna os países mais resistentes contra os embates de uma guerra comercial em gestação.

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