Força do dólar coloca em xeque as principais moedas da América Latina
Divisas do Brasil, México, Colômbia e Chile sofrem com a alta dos juros nos EUA, mas escapam ao cataclismo do peso argentino
O mundo emergente se acostumou nos últimos tempos a uma estranha sensação de calma. Os enormes volumes de liquidez acumulados após anos de políticas monetárias expansivas nas economias avançadas haviam entupido as Bolsas e os mercados de bônus, chegando também aos ativos dos países em desenvolvimento. Mas a volatilidade é inerente à sua própria natureza emergente e, cedo ou tarde, ela volta a bater à porta. Desta vez, a causa foi uma combinação de fatores que vão do fortalecimento do dólar norte-americano por causa da elevação das taxas de juros na maior economia mundial até o efeito por contágio das dificuldades argentinas, passando pelas expectativas de maior inflação e a crescente percepção de proximidade do fim de um ciclo econômico. Um coquetel que ameaça virar uma dor de cabeça na América Latina.
Maio trouxe consigo turbulências no mercado cambial. A primeira semana do mês foi a pior para as moedas emergentes em mais de um ano, e esta avança pelo mesmo roteiro. O nervosismo se instalou na terceira maior economia da América Latina, a Argentina, um país que leva o pânico financeiro em seu DNA e que já precisou pedir um resgate ao Fundo Monetário Internacional. E se estendeu ao resto dos grandes países da região. À sangria do peso argentino se somaram as fortes quedas do peso mexicano, colombiano e chileno. Também do real brasileiro, que perdeu 14% nos três últimos meses. Nesta quarta-feira, o dólar chegou a ser cotado a 3,611 reais, maior nível desde 31 de maio de 2016 (3,6123 reais). Na terça-feira, as divisas reduziram parcialmente as perdas dos dias anteriores. “Por estarem incluídas na mesma categoria de ativos [emergentes e latino-americanos], há um certo contágio do que está acontecendo na Argentina”, observa Jonathan Heath, ex-economista-chefe do HSBC para a América Latina e hoje analista independente.
Salvo uma inesperada mudança de rumo, os juros de referência nos Estados Unidos chegarão em junho a 2% pela primeira vez desde meados de 2008. Eram outros tempos: o Lehman Brothers ainda vivia, e a Grande Recessão só começava a se formar. E embora o aumento no preço do dinheiro tenha sido telegrafado desde o primeiro dia da crise, as consequências se fazem sentir nos mercados: o endurecimento da política monetária e a expectativa de maior inflação nos próximos trimestres levou o ágio sobre os bônus norte-americanos com vencimento em 10 anos para quase 3%, seu nível mais alto desde 2014, introduzindo uma variável nova na balança de muitos investidores. “Vale mais a pena depositar o dinheiro em ativos de risco quando o papel norte-americano – teoricamente isento de incerteza sobre seu futuro pagamento – começa a oferecer rentabilidades atrativas?”, começam a se perguntar os analistas nos quartéis-generais das grandes firmas de investimento. E o mero questionamento agita a América Latina e os demais emergentes.
“A combinação de juros mais altos nos EUA e de perspectivas de inflação mais elevadas é muito negativa para as moedas latino-americanas”, afirma Armando Armenta, estrategista do banco de investimentos suíço UBS para mercados emergentes. “As pessoas começam a ver fundamentos menos sólidos, e alguns entram em pânico, golpeando os países com fundamentos mais frágeis, como a Argentina”, acrescenta um segundo analista, de uma grande firma de investimentos, que prefere não revelar seu nome. “É um ano mais volátil em geral: vimos isso na Bolsa e no mercado de renda fixa, e começamos a ver no mercado cambial.” Paradoxalmente, o baque das moedas emergentes chega num momento doce para o petróleo – uma variável que costuma estar positivamente correlacionada com a evolução das moedas da região, onde quase todos os países são produtores –, que atinge sua maior cotação em três anos e meio, impulsionado pela instabilidade geopolítica.
Em pouco mais de 20 dias, os grandes investidores retiraram 5,5 bilhões de dólares dos mercados emergentes de dívida, segundo dados do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês) citados pela Reuters. No caso da América Latina, essa cifra chega a 1,2 bilhão de dólares somente na última semana, quando se aceleraram as saídas, segundo a Bloomberg. Esse movimento tem, inevitavelmente, um efeito direto sobre a cotação das respectivas moedas regionais: vender dívida de um país significa, também, se desfazer de moeda nacional. Tudo sem que, ainda, a maior área econômica do mundo depois dos EUA, a zona do euro, tenha se movimentado no sentido de elevar os juros.
Nesse ambiente, a Argentina é, de longe, o país em pior situação. Suas reservas internacionais são inferiores às dos demais de grandes países latino-americanos, e isso se soma à grande proporção de dívida pública emitida em dólares, já que Buenos Aires recorreu em maior medida a emissões em moeda norte-americana para cobrir suas necessidades de financiamento. Mas não é o único caso. O México é a economia latino-americana mais exposta ao mercado norte-americano, e a fragilidade do seu peso frente ao dólar – que já apagou todos os lucros colhidos desde 1º. de janeiro – tem efeitos relevantes para sua economia. Negativos, como o encarecimento dos produtos importados, com o consequente repique inflacionário e a perda de valor internacional das economias de seus cidadãos. Mas também positivos, como a maior competitividade, um fator nada desprezível numa economia tão aberta como a mexicana: os produtos industriais desse país estão hoje 8% mais baratos do que há três semanas, graças a um único fator, alheio à cadeia produtiva: a depreciação do peso.
“Em linhas gerais, os países da região estão mais bem preparados que no passado para confrontar uma situação assim”, afirma Martín Castellano, economista-chefe do IIF para a América Latina. “Entretanto, a posição fiscal é pior, com dívidas mais altas e maiores déficits em todos os países da região.” O maior risco passa, na sua opinião, por um giro radical da política macroeconômica, depois das eleições que acontecerão neste ano em três países cruciais da região: Brasil, Colômbia e, sobretudo, o México. Neste último caso, embora o candidato esquerdista Andrés Manuel López Obrador esteja há meses tentando tranquilizar os mercados, os financistas não chegam a se convencer totalmente. Não, ao menos, até verem com seus próprios olhos que a retórica dele se cristalize em uma política fiscal prudente e na total independência do banco central.
“No México há fatores próprios que levaram à depreciação do peso: a incerteza em torno da renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLC) e a proximidade das eleições”, acrescenta Alberto Ramos, do Goldman Sachs. “A disputa entre o setor privado e o candidato que lidera as pesquisas [López Obrador] criou um ambiente de volatilidade que não foi contido, com a consequente fuga de capitais e a perda de força do peso”, conclui José Luis de la Cruz, diretor do Instituto para o Desenvolvimento Industrial e o Crescimento Econômico do México.
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