Alvaro Dias, o ‘candidato Lava Jato’, fala para os convertidos da ‘República do Curitiba’
Ex-governador do Paraná surfa na popularidade da operação para alavancar sua campanha, mas se enrola quando precisa falar sobre algo que não seja corrupção
A pergunta ao candidato foi direta: "quais serão as suas principais propostas acerca de manutenção e ampliação de ações afirmativas para a superação definitiva do racismo estrutural [no Brasil], e em especial ao instrumento transitório de cotas raciais?" Alvaro Fernandes Dias (Quatá, 1944) caminhou até o púlpito posicionado à esquerda do palco do teatro Santander, em São Paulo, e iniciou um confuso discurso que deixou evidente os problemas que ele enfrenta quando é empurrado para longe dos temas que formam a (quase exclusiva) pauta da sua campanha: o combate à corrupção, a institucionalização da operação Lava Jato e a "refundação da República".
"As desigualdades sociais e raciais são consequências de um sistema de governo corrupto e incompetente que se instalou no País. Se nós queremos mudanças, devemos mudar o sistema. É o sistema do balcão de negócios, a matriz de governos corruptos e incompetentes; do aparelhamento do Estado, do loteamento dos cargos", disse Dias na ocasião, na última quinta-feira, durante um encontro de candidatos com o grupo Mulheres do Brasil. Ele continuou, sem citar propostas concretas para o tema ou mesmo fazer qualquer referência a cotas raciais: "É um sistema de balcão de negócios, fábrica de escândalos de corrupção. Certamente nós eliminaremos as desigualdades raciais e sociais no dia em que refundarmos a República, quando todos possamos ser iguais perante a lei. Num país de tantas crenças e religiosidades, não se admite a desigualdade racial". No debate realizado nesta sexta pela RedeTV!, o candidato do pequeno Podemos fez novamente do combate à corrupção a sua principal bandeira, até quando mencionou sua pretensão de gerar milhões de empregos.
Senador pelo quarto mandato, Alvaro Dias quer se apresentar ao eleitor do País como o candidato dos entusiastas da investigação anticorrupção de maior projeção no País, a Lava Jato. A estratégia encontra apelo no eleitorado brasileiro, que é bombardeado de forma recorrente com denúncias de malfeitos à esquerda e à direita — da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva às gravações da JBS que abateram Aécio Neves. Mas vem acompanhada de um efeito colateral que já começa a ser sentido nas aparições públicas do senador, como no evento do Mulheres do Brasil, uma organização coordenada por Luiza Trajano, presidenta do Magazine Luiza, ou nos dois primeiros debates presidenciais: a impressão de que, além de citações genéricas como a necessidade de se "refundar a República" e os reiterados convites para que Sergio Moro, o juiz símbolo da Lava Jato, seja o seu ministro da Justiça, ele não tem muito mais o que dizer. Assim, acaba por falar apenas com um público que já é fã da que foi apelidada por Lula de “República de Curitiba”.
"A sensação que passa é que o Alvaro Dias quer surfar na onda do Moro", avalia Humberto Dantas, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV). No primeiro debate presidencial, em 9 de agosto na rede Bandeirantes, Dias afirmou em três ocasiões que, se eleito, chamará o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba para a sua equipe ministerial. Não há qualquer indicativo de que Moro tenha autorizado ser usado como cabo eleitoral — o juiz soltou uma nota no dia seguinte dizendo que não se manifestaria sobre o caso. No encontro seguinte, da RedeTV!, Dias abandonou os convites a Moro. "Há um eleitorado órfão que tem apelado muito à questão da corrupção", afirma Humberto Dantas.
Passagens e dinheiro vivo
Apesar de ser um dos parlamentares que mais capitaliza com o discurso anticorrupção no Congresso, Dias não passou ileso durante seus quatro mandatos como senador. Em 2009, foi noticiado que ele usou recursos do seu gabinete para custear bilhetes aéreos a Montevidéu e Buenos Aires que foram utilizados por seus parentes, uma prática que ficou conhecida como Farra das Passagens e que envolveu também outros parlamentares. Ele negou irregularidades e disse que a emissão das passagens com dinheiro público ocorreu por um erro do seu gabinete.
Cerca de três anos depois, outra polêmica. O cineasta Fernando Meirelles relatou à revista Piauí sua experiência de ter trabalhado em 1986 para a campanha de Dias (então no PMDB) ao governo do Paraná. “Ficamos chocados com o nível de baixaria, a começar pelos pagamentos, que eram feitos em dinheiro vivo, sem nota fiscal. […] Uma vez, o coordenador da campanha simulou a invasão de seu próprio escritório e pediu que gravássemos, denunciando, como se fosse uma invasão feita pelo candidato concorrente. Foi a gota d’água. Nossa equipe se recusou a fazê-lo e criou um impasse”, contou Meirelles à publicação. Confrontado com a história numa recente entrevista à Globo News, nova negativa de Dias. Ele disse que todos os gastos, mesmo se feitos em dinheiro vivo, foram declarados à Justiça Eleitoral.
Barreiras
A atuação parlamentar de Dias faz com que ele se encaixe bem no papel de paladino da ética e, apesar dos seus quatro mandatos, de outsider. Em 2002, ele chegou a ser expulso do PSDB por ter apoiado a criação da CPI da Corrupção no Governo Fernando Henrique Cardoso (Dias retornou às filas tucanas pouco tempo depois). Além do mais, o senador é autor da proposta de acabar com o foro privilegiado e de um projeto para reduzir o número de deputados. Foi ainda um dos principais defensores de investigações no BNDES, afirmando que era preciso "abrir a caixa-preta" do banco de fomento.
Só que o caminho não será fácil. O pesquisador da FGV Humberto Dantas prevê que Alvaro Dias, apesar do discurso que reverbera no eleitorado, principalmente o de classe média, deve se chocar contra um muro no final deste mês: o início do horário eleitoral gratuito. Isso porque a aliança costurada pelo senador com o PSC, PRP e PTC lhe garante apenas 40 segundos do tempo de rádio e televisão. “Ninguém vai encontrar o Alvaro Dias no programa eleitoral, então eu acho que ele é um candidato que tende a ter uma votação baixa”, argumenta o cientista político.
Mas se há dificuldades inegáveis a nível nacional, Dias ao menos está colhendo frutos no seu reduto eleitoral, pontua o professor Administração Pública e Ciências Políticas da Universidade Federal do Paraná, Rodrigo Rossi Horochovski. "Eu vejo que os votos dele estão concentrados no Paraná. Acho que ele está reforçando a sua posição com o seu eleitorado", diz. Os dados de uma recente pesquisa Ibope mostram que os apoiadores do senador, que foi eleito governador do Paraná em 1986, se concentram nos três estados sulistas. Nacionalmente, ele aparece com 3% das intenções de voto, número que sobe para 12% na região Sul.
Se a etiqueta de "candidato Lava Jato" tem potencial de agradar o eleitor, no Paraná, diz Horochovski, o apelo é ainda maior. "Curitiba concentra os processos [da Lava Jato]. Isso mexeu com os brios dos curitibanos, que têm orgulho da projeção que a cidade acabou adotando com operação", explica.
‘Seleção contra a impunidade’
Sergio Moro não foi o único nome lançado por Álvaro Dias para reforçar o seu rótulo de candidato contra a corrupção. Desde que anunciou sua intenção de concorrer ao Palácio do Planalto, ele tem dito que pretende convocar "uma seleção para derrotar a impunidade", citando os juristas Modesto Carvalhosa e Miguel Reale Júnior.
Ao EL PAÍS, Reale, coautor do pedido de impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, disse que apoia a candidatura de Dias e que os dois se reuniram no final de maio deste ano em São Paulo. "Ele foi um governador de grande destaque e que realizou obras importantes no Paraná", justificou.
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