Quando Che Guevara usou salto
Longa ‘Che, memórias de um ano secreto’ conta com detalhes a operação que mudou a identidade do guerrilheiro durante passagem pela República Tcheca
O guerrilheiro Ernesto Che Guevara mudou as feições. Perdeu a barba e parte do cabelo, ganhou uma prótese dentária, óculos, chapéu, um sapato com um salto para aumentar a estatura e um enchimento no paletó que o deixou corcunda. Assim, no auge da sua popularidade após a revolução cubana, o guerrilheiro pôde circular pela República Tcheca sob o disfarce e portando um passaporte falso sem que ninguém o notasse. Essa é a trama central do longa Che, memórias de um ano secreto, de Margarita Hernández e com produção de Wolney Oliveira.
Passada a destituição do ditador Fulgêncio Batista, em 1959 e já ocupando papel importante no Governo de Fidel Castro, Guevara decidiu que devia levar os ideiais revolucionários para outros países. O primeiro destino foi a África. No auge da Crise do Congo (1960-1966), Che Guevara embarca para aquele país com o intuito de repetir ali o sucesso da revolução cubana. Mas não somente a operação é fracassada, como ele fica impedido de voltar a Cuba. A Fidel Castro não havia agradado o fato de seu braço direito ter abandonado o Ministério da Indústria para ir à África.
O guerrilheiro então parte para Praga, em 1966, antes de seguir para a Bolívia, onde tentaria novamente levar a revolução e acabaria morto no ano seguinte. Mas para não ser encontrado pela CIA, recorre aos serviços do dentista e proteico Físin, apelido de Luiz Carlos García Gutiérrez, que, junto ao Serviço Secreto do Partido Comunista, fora escalado para deixá-lo o mais diferente possível. O guerrilheiro transforma-se então em Adolfo Mena González, como mostra seu passaporte falso, e passa a circular livremente pelos arredores de Praga ao longo de quatro meses.
Che, memórias de um ano secreto faz um resgate histórico desse período, por meio de entrevistas com os protagonistas da operação e pesquisas a documentos daquela época. Mas, embora a diretora tenha vivido em Cuba até os 32 anos, o trabalho de pesquisa e o acesso a esses protagonistas não foi fácil. “Para conseguir as entrevistas tive que pedir ao Itamaraty”, conta Maragrita Hernández. “Foi quase um ano de negociações até que eu conseguisse. E ainda assim, Raúl Castro enviou uma pessoa que ficava ao meu lado o tempo todo durante as entrevistas”, lembra.
Para não ficar apenas no tom documental, o filme ganhou um clima de investigação e suspense. “Fiz isso para que as pessoas não dormissem”, diz a diretora. Ela revela que o foco do longa, em um primeiro momento, era o dentista Físin, figura quase inexplorada em filmes e biografias daquele período. Mas ao longo do processo, acabou mudando para Che Guevara.
Além do clima documental-policial, algumas passagens imprimem tons de ternura, sentimento que remete à célebre frase do guerrilheiro. Uma delas é quando um conhecido leva um vinil dos Beatles para Guevara ouvir e ele desaprova a música, dizendo que não conhecia o quarteto. Depois, pede para tocar novamente “o disco daqueles imperialistas”. “Ele não sabia quem era James Bond ou mesmo os Beatles”, conta Margarita. “Era um homem de 30 e poucos anos que vivia dentro do seu próprio mundo”.
O filme, que estreou no Festival É Tudo Verdade deste ano em São Paulo, foi exibido durante a programação do 28º Cine Ceará, em Fortaleza. Ainda não tem data de estreia no circuito, mas a previsão da diretora é que seja exibido pelo Canal Brasil no próximo ano.
A repórter viajou à convite do Cine Ceará.
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