Adolfo Montejo apresenta “Poemática” no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica do Rio de Janeiro
Mostra coincide com a macroexposição dedicada ao septuagenário Victor Arruda no Museu de Arte Moderna do Rio, de curadoria do próprio poeta e artista plástico
Poeta, artista plástico, e ambas as coisas juntas. Editor, curador, crítico, “aforista”, torcedor apaixonado do Atlético de Madrid... O EL PAÍS conversou com Adolfo Montejo Navas (Madrid, 1954) momentos depois do angustiante 1x0 da Espanha no Irã. “Coloquei minha jaqueta da seleção e o cachecol do Atleli, mas vi que aquilo não funcionava, por isso, pensei: ‘Vou pôr as obras completas de Valle Inclán ao lado do televisor’. Resultado: gol de Diego Costa. Valle Inclán nunca falha.”
O futebol: uma constante na vida de Adolfo. Ironicamente, o colchonero [torcedor do Atlético] confesso militou entre os 14 e 17 anos nas categorias inferiores do eterno rival, o Real Madrid. Ele se justifica: “É que não sabia que era possível fazer testes no Atleti.” Não obstante, sua carreira ludopédica não vingou. “Chegou um momento em que já estava melancólico com o futebol, e o deixei.” O fulgurante ponta direita temido pelos adversários pendurou as chuteiras para abraçar a causa da música do jazz, como crítico especializado. Até que, um dia, o Brasil cruzou seu caminho. “Não sei por quê, o Brasil fazia parte do meu imaginário, mas nem me passava pela cabeça viajar para cá...”
Adolfo começará sua aproximação com o “País do futuro que nunca chega” através de Portugal, “que ficava mais perto”, esclarece. E quem diz Portugal, diz Fernando Pessoa. O autor de “O Banqueiro Anarquista” vai ser a porta de entrada para o ex-jogador de futebol e crítico musical na poesia de língua portuguesa. “Era como se os poemas de Pessoa fossem capazes de expressar as coisas que eu sentia dentro de mim...".
Começando pelo princípio, Adolfo dará a conhecer na Espanha os “novíssimos” e, na época, “desconhecidíssimos” Al Berto, Mario de Cesariny, Herberto Helder, Ruy Belo... Em 1998, publicará a primeira tradução dos poemas completos de Pessoa – “Álvaro de Campos”– em língua castelhana. “Era uma forma de saldar uma dívida com quem me ajudou a descobrir uma poesia que me atraía, não sei se por sua melancolia ou por essa bruma que envolve as palavras, essa espécie de suspensão dos tempos...”
Submetido à ditadura do imprevisível, Adolfo vai iniciar uma segunda carreira em paralelo como poeta objetual, como se diz de quem “pensa mediante imagens e escreve com objetos”. Que sua primeira exposição individual tenha ocorrido no Rio de Janeiro, no ano de 1998, não é um acaso. “Tive de vir ao Brasil para me dar conta de que era capaz de configurar um mundo visual por minha conta. Como dizia Rudolf Steiner: ‘A pátria é onde a gente trabalha’. Tem a ver com o fato de que, no Brasil, me sinto livre... a gente chega aqui e vai se convencendo de que é um primitivo, que é possível escrever poesia com objetos que são arte em si mesmos... e a gente se dá conta de que sempre foi assim, só que era incapaz de ver isso.”
A sombra de Adolfo em seu país de adoção é extensa: entre 1992 e 2018, o madrilenho realizou pelo menos 12 exposições individuais de sua obra, além de outras 30 coletivas e cerca de 35 em que atuou como curador. Somem-se a isso os cerca de 20 livros do artista publicados pela Linear, Ediciones Extraordinarias, iniciativa editorial que compartilha com sua companheira, Celina Neves, e sua própria produção literária, na qual se inclui um Breviário del Hopocondríaco, manifestamente autobiográfico, prestes a ser lançado. “Há quem me diga que me disperso porque faço muitas coisas ao mesmo tempo, no entanto, isso não é senão uma resposta à dispersão da própria vida. No final, tudo depende da cor do vidro com que você olha as coisas: o única que muda são os óculos.”
Depois de 26 anos residindo no Brasil, primeiro no Rio de Janeiro e atualmente em Foz do Iguaçu, Adolfo lança um olhar para trás de si que sirva de precedente com Poemática (Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, até 4 de agosto): uma “quase-antologia” com algo de fim de ciclo. “É, digamos, uma retrospectiva disfarçada, já que, no final, pus coisas novas”. O visitante viaja entre as obras em pequeno formato que definem o artista em seus primeiros anos, e a invasão do espaço arquitetônico por códigos de barra levemente ameaçadores, que seu autor considera uma “obra da maturidade”, e se desculpa. “Eu ajudo os códigos a se libertarem da imposição de seu significado, eu “desconstruo” para, depois, reconstruí-los à minha maneira. No meio, as imagens ocupando uma das paredes de algo que se parece com uma animada conversa entre duas velas. “Aqui contei com o patrocínio inesperado da companhia de eletricidade. Se não tivessem me cortado a luz, não teria tido aquela epifania.” Um pouco mais à frente, a Antologia Poética abarca uma robusta coleção de notas de dinheiro de diferentes países reunidas pelo autor com a efígie de ilustres poetas. Para Adolfo, sem dúvida alguma, sua obra mais importante: “É um ajuste de contas, porque o dinheiro e a poesia são, certamente, o que existe de mais oposto. O dinheiro é criado para medir e a poesia é o imensurável. Então, colocar um poeta como Juan Ramón Jiménez ou Gustavo Adolfo Bécquer em um palco dentro de uma nota é a representação do absurdo total. O bom é que, quando descobri isso, o trabalho já estava feito. Tudo o que tive de fazer foi correr atrás das notas que, por outro lado, é o que os poetas sempre fizeram.”
E a mostra aberta no centro Hélio Oiticica ainda coincide com a macroexposição dedicada ao septuagenário Victor Arruda no Museu de Arte Moderna do Rio, de curadoria do próprio Adolfo Montejo. “Dei atenção a muitos artistas ignorados no Brasil, talvez porque sou estrangeiro e isso me permite ver sua obra de uma perspectiva mais elevada. Victor viveu recluso por 50 anos em um certo apartheid, já é hora de que seja reconhecido também no Brasil”.
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