Um oásis em meio ao deserto do jazz no Rio de Janeiro
Cidade recebe uma franquia do Blue Note, uma mítica casa de shows de Nova York, que receberá nomes como Maceo Parker e Chick Corea
Algumas pessoas definem a cidade do Rio de Janeiro como uma “partitura aberta”: tudo que o amante da música estiver procurando, vai encontrar aqui. Tudo, menos jazz. O enorme vazio de locais dedicados ao gênero em uma megalópole de seis milhões e meio de moradores surpreende o visitante. “A Cidade Maravilhosa”, podia ser lido em uma publicação conhecida do gênero, “é um deserto para o jazz”. Já não por muito tempo.
A abertura nesta quinta-feira, 31 de agosto, do primeiro clube Blue Note em solo brasileiro – uma referência mítica na história deste estilo musical –, e o primeiro no Hemisfério Sul, promete transformar o deserto em um pomar, ou pouco menos que isso. Para seu impulsionador, o conhecido empresário da noite carioca Luiz André Calainho, trata-se de um sonho transformado em realidade: “Queremos construir uma ponte entre os músicos brasileiros e os ícones do jazz”.
As negociações entre os dois lados começaram no final do ano passado. Calainho teve que vencer muitos obstáculos por parte dos donos da franquia. Nisso contou com a inestimável ajuda do pianista e astuto homem de negócios Sérgio Mendes, com décadas de experiência no difícil mercado norte-americano de música.
O acordo entre o Blue Note Entertainment Group – dono do clube homônimo em Nova York, e outros sete nos Estados Unidos, Ásia e Europa, além de uma companhia discográfica e uma agência de viagens – e a L21 Participações, propriedade de Calainho, foi fechado no início deste ano. “Será o primeiro Blue Note na América Latina, mas não o último”, diz o empresário. A L21 irá investir aproximadamente 4,2 milhões de reais, incluindo a reforma do local eleito como sede do clube e o direito de uso da marca.
Momento para as declarações de intenções. Para Calainho, o Blue Note Rio (marca registrada) será um ponto de encontro entre o Brasil e o resto do mundo, algo como reunir “o swing de Nova York com a ginga do Brasil”. Mais pragmático, Steven Bensusan, 44 anos, filho do presidente e fundador do Blue Note Entertainment Group, fala em cobrir um “mercado natural em expansão”.
O primeiro Blue Note do Hemisfério Sul, construído à imagem e semelhança de seu homônimo em Nova York, está localizado no segundo andar do Complexo Lagoon, nas margens da lagoa Rodrigo de Freitas, paisagem privilegiada com tendência ao congestionamento em horários com trânsito pesado. Seguindo o padrão estabelecido pela casa matriz, os shows vão acontecer de quarta a sábado, duas apresentações por noite, exceto na quarta-feira, com ingressos separados, que é a política normal dos clubes em Nova York, não no resto do mundo. Acostumar o carioca à “cultura do show”, reconhece Daniel Stain, sócio de Calainho, “vai ser uma dificuldade”.
Quanto aos critérios aplicados na contratação dos artistas, basta dar uma olhada na programação dos primeiros três meses. São destaque os nomes de Maceo Parker, Chris Botti, Chick Corea, Spyro Gyra e a cantora de fado Teresa Salgueiro. São artistas que oferecem a imagem de um amplo espectro do jazz feito à medida de seu público. Manda a lógica do mercado, o jazz-espetáculo... Europa, as vanguardas; o jazz que marca tendência e abre caminhos, ficam de fora. “O termo ‘jazz’ tem a ver com a experiência do consumidor mais que com um estilo musical em particular”, explica Bensusan, como uma forma de prevenir antes de remediar.
Do lado brasileiro, os jazzistas, as estrelas da MPB, e os que não são nem uma coisa nem outra, nos quais estão incluídas as várias formações do Brasil Jazz Stars (com João Donato, Marcos Valle, Guinga...), além do inevitável Sérgio Mendes, Baby do Brasil, Hermeto Pascoal em duo, ou a altamente recomendada Banda Mantiqueira. A participação de cada um, dizem os responsáveis pela sala, terá uma proporção de três para um: três atrações nacionais por uma internacional. Pode-se acrescentar os almoços e brunches com jazz, as jam sessions (marca da casa), as produções próprias, como a que vai protagonizar Marcelo D2, ex-membro do grupo de rapcore Planet Hemp, chamado para quebrar o tabu segundo o qual a população negra no Brasil não quer ver jazz nem pintado.
Os preços dos shows variam de 40 reais nas localidades com visibilidade limitada a 1.900 (Sérgio Mendes, área VIP). Os ingressos postos à venda para o show inaugural a cargo do Brasil Jazz Stars, primeira edição, estão esgotados há semanas.
O sucesso do “modelo Blue Note”, explicam os responsáveis, está sustentado em alguns elementos-chave: shows de primeiro nível, ambiente confortável, comida de qualidade (a cargo de Pedro de Artagão, no caso do Blue Note Rio), excelente produção e, para os artistas, camarins minimamente decentes. Com isso o objetivo é atrair ao local um público heterogêneo e diversificado, incluindo aqueles que, em momentos como os atuais, visitam a cidade desafiando furtos e arrastões. A empresa garante a todos uma dose razoável de jazz com glamour, o que seus responsáveis definem como “atmosfera intimista” a um preço que, porém, nem sempre está ajustado à oferta. Nada que não possa ser corrigido com uma dose adequada do tradicional jeitinho brasileiro. É o que asseguram os responsáveis: “Com permissão dos norte-americanos, não haverá no mundo um Blue Note como o do Rio”. Palavra de Luiz André Calainho.
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