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Trump recua e prepara ordem para evitar que filhos de imigrantes clandestinos sejam separados dos pais

“Queremos manter as famílias juntas. É muito importante. Vou em breve assinar algo sobre imigração que vai fazer isso”, diz o presidente depois da onda de protestos e da pressão dos próprios republicanos

Donald Trump nesta terça-feira em Washington.
Donald Trump nesta terça-feira em Washington.Chris Kleponis (EFE)
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A onda de protestos dentro e fora dos Estados Unidos contra a prática de separar imigrantes clandestinos de seus filhos forçou Donald Trump a recuar nessa política. A Casa Branca está preparando uma ordem executiva que ponha fim a uma situação que causou estupor até mesmo entre os republicanos, foi condenada pelo Papa e pela ONU e motivou o rechaço de outros Governos, como o do Reino Unido. Trump explorou eleitoralmente com sucesso o discurso anti-imigração e até agora o colocava em prática sem contemplações, mas o golpe contra a infância foi a gota d´água.

“Queremos manter as famílias juntas. É muito importante. Vou em breve assinar algo sobre imigração que vai fazer isso”, confirmou Trump na manhã desta quarta-feira. Se confirmado, será um recuo completo do presidente dos EUA, que sempre se gaba da sua dureza negociadora e vinha usando o drama das crianças indocumentadas como moeda de troca para obter uma legislação migratória mais dura.

Desde abril os EUA vêm dividindo de forma generalizada as famílias que tentam entrar ilegalmente no país, refletindo uma mudança de critérios do Departamento de Justiça. Sob uma nova doutrina de “tolerância zero”, todo imigrante indocumentado é considerado um delinquente e processado judicialmente como tal, mesmo que não tenha antecedentes penais, por isso as crianças não podem continuar com eles e acabam separadas. A crise eclodiu na opinião pública nos últimos dias, quando veio a público que em apenas seis semanas, entre 19 de abril e 6 de junho, a Administração separou 2.000 crianças, às vezes bebês, de seus pais ou outros familiares adultos.

A repulsa a esta situação foi crescendo e se generalizando até obter algo tão improvável como uma promessa de recuo de Donald Trump, o punho de ferro da migração, o magnata que se jacta de negociar com dureza e ganhar qualquer disputa. Para isso foram necessárias imagens de fileiras de criança entre barracas de camping e gravações de seu choro dando a volta ao mundo. “O dilema é que se você for fraco seu país ficará sobrecarregado de tanta gente, e se for duro não tem coração. Talvez eu prefira ser duro”, refletiu ele diante dos jornalistas.

A nova ordem executiva da qual ele fala, na verdade, busca manter essa dureza e pode desencadear uma batalha jurídica. Uma sentença judicial de 1997 conhecida como o acordo de Flores – depois ratificada por outras decisões – estabeleceu que nenhuma criança pode permanecer em um centro de detenção por mais de 20 dias, mesmo que esteja com seus pais. Com a nova política de separação dos menores, esse limite já não afetava seus familiares. Se Trump quiser manter a doutrina de “tolerância zero”, como ele mesmo deixou claro, terá que alterar esses prazos. Fontes do Executivo destacaram que a intenção é manter as famílias unidas e acelerar seus processos judiciais.

O ex-presidente democrata Barack Obama também aplicou a doutrina da tolerância zero na fronteira quando enfrentou uma onda de imigração irregular, mas abria exceções a adultos que estivessem acompanhados de crianças, e também para aqueles que cometiam sua primeira infração. E seu antecessor, o republicano George W. Bush, também acelerou os julgamentos e generalizou as ações penais contra os sem-papéis, mas em geral manteve as famílias juntas.

Nos últimos dias, Trump vinha alegando que a medida refletia estritamente a aplicação da lei e que era responsabilidade dos legisladores alterá-la com uma nova normativa. Mas essa prática não responde a nenhuma legislação, e o fato de nesta quarta-feira ele ter anunciado uma ordem executiva para reverter essa prática demonstra isso. O presidente fala de uma medida “preventiva” para evitar as separações, que em última instância se transformaria em legislação, sem mais detalhes, embora o debate sobre imigração esteja há meses bloqueado no Congresso sem sinal de consenso sobre a reforma.

Trump vem pressionando os legisladores para que aprovem uma reforma migratória que endureça os controles, freie as entradas também de imigrantes legais e libere uma verba de 25 bilhões de dólares (93,4 bilhões de reais) para a construção de um muro na fronteira com o México. Não há acordo com os democratas nem com muitos dos próprios republicanos para uma legislação, e o presidente tratou de forçar um acordo, primeiro ameaçando a permanência dos dreamers (“sonhadores”, os jovens que entraram sem papéis quando crianças e cresceram nos EUA), algo que um tribunal paralisou, e agora culpando o Congresso pela separação das famílias.

Na terça-feira, o líder republicano no Senado, Mitch McConnell, anunciou que todos os 51 senadores republicanos apoiam um projeto de lei para “manter unidas” as famílias de imigrantes indocumentados que sejam detidas após cruzarem ilegalmente a fronteira. Na véspera, o alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad al-Hussein, qualificou a separação como “abuso infantil”.

Trump chegou à Casa Branca impulsionado, entre outras mensagens, por um forte discurso contrário à imigração, seja ela irregular ou legal, às vezes carregado de linguagem xenófoba. Sua política coincide com uma onda de nacionalismo que também sacode a Europa e que já se cristalizou em Governos como os da Hungria e Itália.

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