Contra Sérvia, Paulinho joga para afirmar sua retomada (e da seleção)
Aos 17, sofreu racismo e pensou em parar, mas acabou ídolo. Hoje se reencontrou depois do 7 a 1
Ele é conhecido simplesmente por Paulinho, mas bem poderia ser chamado de “Paulinho Retomada”. É que na carreira do camisa 8, meio-campista da seleção brasileira, retomar é verbo fundamental. Da primeira vez, precisou retomar aos 20 anos, em 2008, quando tinha desistido do futebol. Conseguiu. Foi parar no Corinthians, virou ídolo, ganhou tudo. Da segunda, sete anos depois, viu-se em outro beco. Duas feridas – o 7 a 1 e duas temporadas frustradas no futebol inglês – fizeram com que ele precisasse, mais uma vez, retomar.
Na história recente do Brasil, aliás, Paulinho também acabou virando sinônimo de, adivinhe, retomada. Se na época de sua primeira ascensão, depois de temporadas impecáveis usando a camiseta corintiana, foi fundamental para a estruturação da seleção que foi para a Copa de 2014; em 2016 foi imprescindível para, ao lado de seu ex-treinador Tite, reerguer a moral da seleção depois do massacre alemão no Mineirão. Agora, com a equipe oscilando no início desta Copa do Mundo, vê seu lugar na equipe também em xeque. Nos últimos anos tem sido assim: se Paulinho vai bem, a seleção vai bem. Como não tem sido o caso, ele jogará tudo contra a Sérvia nesta quarta-feira, às 15h. Por sua permanência no time, mas principalmente pelo Brasil, que encontra as maiores dificuldades no meio-campo, onde ele atua.
Aos 17 anos, José Paulo Bezerra arrumou as malas, deixou para trás o Pão de Açúcar Esporte Clube – atual Grêmio Osasco Audax –, onde tinha iniciado sua carreira em São Paulo, e partiu para a Lituânia. No leste europeu, além do clima gélido, encontrou algo bem pior. Racismo. As ofensas começaram em campo e, de repente, ganharam as ruas. Sempre reticente quando fala do assunto em entrevistas, o jogador conta que já não podia mais sair de casa, pois era vítima de agressões em qualquer lugar. A torcida do próprio Vilnius, time da capital onde jogava, imitava macaco, arremessava cascas de banana e xingava Paulinho e outros jogadores brasileiros que atuavam no clube.
Deprimido, acertou sua transferência para o Lodz, da Polônia, apenas um ano depois de chegar à Lituânia. Só que lá também não teve vida fácil. Logo de cara, amargou um lugar no banco de reservas, quase não jogou e, pior, mal recebeu, pois o time passava por um período de dificuldades financeiras. Assim, depois de dois anos de sua primeira incursão europeia, voltou ao Brasil desiludido, sem dinheiro e decidido a abandonar o futebol. Aí começou sua primeira retomada. Em 2009, jogou a quarta divisão do campeonato Paulista pelo Pão de Açúcar, chamou a atenção do Bragantino e acabou emprestado para jogar a série B do Brasileirão pelo clube. No começo de 2010, o jogador já estava no Corinthians sob o comando de Tite.
A trajetória no time paulistano pode ser resumida em uma imagem. 23 de maio de 2012, Paulinho, pendurado no alto do alambrado do estádio do Pacaembu, abraça um torcedor logo depois de ter marcado, aos 42 minutos do segundo tempo, o gol que deixou o Vasco para trás e classificou o Corinthians para a semifinal da Copa Libertadores da América. Foi um dos jogos mais difíceis daquela competição que o time conquistou pela primeira vez. No começo do ano seguinte, o Corinthians ainda levou o título de melhor clube do mundo ao bater o inglês Chelsea, no Japão. Paulinho, conhecido como Índinho quando começou nas peladas do Parque Novo Mundo, em São Paulo, onde nasceu, virou um ídolo indiscutível da torcida alvinegra.
Além do título mundial no Corinthians, 2013 marca a época em que a sina de Paulinho começou a se confundir com a da seleção. Em junho, no maior momento de sua carreira até então, o jogador foi um dos protagonistas do troféu da Copa das Confederações. E o placar de 3 a 0 contra a Espanha, na final do torneio, colocou o Brasil como um dos preferidos para a Copa do Mundo de 2014, depois de um longo período de desconfiança. A história, contudo, foi bem diferente do previsto. Para Paulinho e para a seleção. O jogador, apesar de um bom começo no time inglês Tottenham, para onde se transferiu em junho de 2013, logo foi colocado no banco de reservas. Perdeu ritmo entre 2013 e 2014 e chegou a ser considerado pela torcida do clube londrino como a pior contratação da história. E o Brasil, bom… 7 a 1 contra a Alemanha na semifinal da Copa.
Apenas dois anos depois do desastre do Mineirão, Paulinho voltou a vestir a camisa da seleção brasileira. Sob o comando de Tite, o time engrenou e o jogador virou símbolo da retomada do grupo que, em pouco tempo, inverteu um cenário dramático em que até a classificação para a atual Copa do Mundo foi colocada em xeque. De todos os times nacionais, a seleção foi a primeira a se classificar. Paulinho roubou bola, marcou gol e deixou para trás a imagem do 7 a 1. Se 2016 foi o ano da retomada para o Brasil, para Paulinho, contudo, ela começou um pouco antes. O que se viu nos jogos classificatórios foi o resultado de um trabalho que começou na China, país visto hoje como uma espécie de desterro para craques em decadência e craques em ascendência seduzidos por dinheiro, muito dinheiro.
“Não fosse o Felipão, não sei se eu poderia estar no Barcelona hoje”, disse Paulinho em uma entrevista recente ao Uol Esporte para surpresa de todos. Sua retomada até ser contratado por nada menos que 40 milhões de euros pelo time espanhol sempre foi creditada à segunda chance que Tite ofereceu na seleção. Mas é no Guangzhou Evergrande, o time chinês onde foi jogar depois de sair do Tottenham em 2015, que Paulinho diz ter começado a segunda grande retomada de sua vida. Em todas as entrevistas que dá, o meio-campista sempre faz questão de falar do apreço que tem pelo torcedor chinês e pela oportunidade que o time lhe deu de reconquistar sua confiança depois de temporadas ruins na Inglaterra.
O jogador chegou ao Barcelona em agosto de 2017 sob olhares de desconfiança. Torcida e imprensa não entendiam porque o time catalão tinha desembolsado uma fortuna para trazer um meio-campista que estava “encostado” na China. Em pouco tempo, ele reverteu a situação. Fez uma ótima temporada e logo de início esteve até à frente de Cristiano Ronaldo na artilharia do Campeonato Espanhol. Agora, depois de um começo abaixo do esperado do Brasil, Paulinho, ao lado de Casemiro no meio campo, vai ao gramado para tentar consolidar sua retomada – talvez a última e mais importante de sua vida.
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