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Segunda vítima de tubarão no Recife em dois meses: por que o cuidado deve ser redobrado agora

Jovem de 18 anos morreu nesta segunda. Especialista explica que advertências devem ser seguidas à risca e que estação chuvosa torna áreas vetadas ainda mais perigosas

Marina Rossi
Praia de Piedade, no Recife.
Praia de Piedade, no Recife.Secretaria do Meio Ambiente
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“Minha gente, eu peço a vocês, não entrem na água. Agora é a vez deles [dos tubarões]. Deixem eles lá, o lugar deles é na água. A gente sobrevive na areia”. O apelo foi feito por Elisângela dos Anjos, 42, na porta do hospital da Restauração (HR), região central do Recife. Aos prantos, ela falava com jornalistas na manhã desta segunda-feira, poucas horas após receber a notícia que seu filho, José Ernesto Ferreira da Silva, 18, não havia resistido aos ferimentos após ser mordido por um tubarão no domingo, e havia morrido.

O rapaz foi a segunda vítima em menos de dois meses na região, e o 65º registrado pelo Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit) de Pernambuco desde 1992. Em abril, Pablo Diego Inácio de Melo teve parte dos membros do lado direito amputados após um incidente. Assim como José Ernesto, ele nadava na Praia de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. A área é sinalizada com placas, alertando os frequentadores sobre o risco da presença dos tubarões.

Pernambuco entrou no roteiro mundial das ocorrências com tubarões há 26 anos, quando começou a registrar os casos. O primeiro foi o de um padre, que entrou no mar exatamente no mesmo local que Pablo Diego e José Ernesto, em frente à igreja da Praia de Piedade. De lá pra cá, das 65 ocorrências na região do Grande Recife, 25 foram fatais.

Dos 17 Estados brasileiros banhados pela costa marítima, 11 já registraram algum incidente com tubarões. Mas Pernambuco responde por mais de 60% dos casos. O pesquisador da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Jonas Rodrigues, explica que o impacto ambiental na região é um dos principais fatores para explicar a liderança do Estado nessa estatística. “A construção de grandes obras na região costeira, de grandes portos [como o de Suape], o adensamento populacional na região do Recife e o aterro dos mangues são alguns fatores mais importantes”, diz. “Mais de 90% de todos os organismos que habitam a região marinha usam o mangue ao menos uma vez na vida para se alimentar ou se produzir”, explica. Com as mudanças no meio ambiente, os animais acabam tendo que se deslocar do seu habitat natural, e viver nas praias hoje utilizadas pelos banhistas e surfistas.

Além da intervenção humana, um fator importante nessa equação é natural: a região é formada pelas chamadas correntes de retorno, popularmente conhecidas como canais. “Entre o arrecife e a praia tem uma falha, uma espécie de quebra”, explica o especialista. “Essa área forma um canal de retorno da água que chega com as ondas”, diz. É um pedaço do mar que acaba sendo mais profundo, e de difícil identificação olhando da areia. Por isso, muitos acabam caindo nele. Rodrigues explica que essas áreas também podem ser móveis, formadas por bancos de areia, que são mais facilmente identificados olhando de fora da água.

Medidas de segurança

Os incidentes ocorrem justamente porque o tubarão não consegue diferenciar a pessoa de uma presa, e não porque ele se alimenta de carne humana. Por isso, os especialistas preferem o termo incidentes e não ataques

Só no ano de 1994 foram registrados dez ocorrências com tubarões na região do Grande Recife. O número de casos forçou o poder público a tomar medidas. A mais enérgica foi proibir a prática de esportes náuticos, como natação, surfe e mergulho, ao longo de 32 quilômetros da orla do Recife. Outra, foi a implantação de placas com regras e avisos ao longo da praia.

Jonas Rodrigues diz que em todos os casos de incidentes, as vítimas descumpriram ao menos três, das 10 medidas dispostas nas placas. Não entrar no mar após o consumo de bebida alcoólica – porque é mais fácil exceder os limites estando alcoolizado -, nem com sangramentos ou objetos que possam refletir debaixo d’água são algumas delas. Evitar o mar no período de lua cheia e lua nova, por causa da variação maior da maré, é outra. Além disso, esta época do ano, do outono e inverno, é a mais chuvosa no Nordeste, o que deixa a água mais turva, e atrapalha o animal a distinguir a presa do humano.

Os incidentes ocorrem justamente porque o tubarão não consegue diferenciar a pessoa de uma presa, e não porque ele se alimente de carne humana. Por isso, prefere-se o termo incidentes e não ataques. “Existe uma confusão do animal. Ele acredita [que o humano] é uma presa do hábito alimentar dele”, explica Rodrigues. “A falta de sincronia nos movimentos e tomar banho nas arrebentações, onde a visibilidade é ruim, contribuem para essa confusão".

Os pesquisadores da região passaram a entender melhor dos hábitos dos tubarões e das possíveis razões para as ocorrências a partir de 2004, quando foi criado o Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit). “Nesse período, alguns projetos de pesquisa começaram a ser desenvolvidos para auxiliar no entendimento do problema”, diz Rodrigues. Por isso, embora os incidentes ainda ocorram, Rodrigues explica que eles estão diminuindo. "De 1992 para cá [data do primeiro registro], a taxa reduziu em torno de 94%. Passamos três anos sem ter nenhum registro no Recife, de 2015 até abril deste ano”.

Mas o efeito da ausência de casos pode ser inverso, alerta o especialista. Se não há registros, não há notícias sobre o assunto, e muitos banhistas acabam relaxando as regras. Não entrar na água, como suplicou a mãe de José Ernesto, é a única medida 100% segura. “Mas isso é em qualquer lugar do mundo”, diz Rodrigues. “Qualquer lugar que nunca registrou um incidente pode passar a registrar. Fernando de Noronha, por exemplo, nunca havia tido nenhum. Mas desde 2015 já foram três”.

Na mira do Ministério Público

Após os dois casos mais recentes, o Ministério Público de Pernambuco decidiu entrar com uma ação cobrando do Estado o reforço da segurança nos locais de risco e a volta dos estudos nessa região. Entre as exigências estão o trabalho de conscientização ambiental nas escolas e com a comunidade, auxílio dos municípios na segurança dos banhistas, contratação de mais bombeiros militares, colocação de redes de proteção nas áreas de risco e a utilização de recursos de compensação ambiental para recuperar o meio ambiente.

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