A polêmica de ‘Roseanne’: tudo o que você precisa saber
Ícone da América profunda, atriz compara uma assessora de Obama com 'Planeta dos Macacos' e destrói uma das séries do ano nos Estados Unidos


Roseanne foi uma das séries mais importantes dos anos noventa, seu remake neste ano foi um dos momentos mais bem-sucedidos da televisão em 2018, mas nesta semana ela foi cancelada, numa das polêmicas mais comentadas dos últimos tempos. Sua produtora e protagonista, Roseanne Barr, ícone da América profunda, publicou um tuíte tão abertamente racista que em pouco tempo Channing Dungey, presidente da rede ABC (Disney), o seu canal, divulgou um comunicado dizendo que “a afirmação de Roseanne no Twitter é abominável, repugnante e incompatível com nossos valores, e decidimos cancelar a série”.
Desde que voltou à televisão, Barr fez muito sucesso com o revival da sua série, na mesma medida em que provocou polêmicas com o seu apoio público ao presidente Donald Trump, algo pouco comum no mundo do espetáculo. Nesta terça-feira, sua personagem política terminou por destruir a sua personagem televisiva, que no começo dos anos 1990 ficou famosa por representar um tipo que até então não se via na televisão: o indivíduo de classe média baixa, com problemas de dinheiro sem solução e escassas chances de futuro, apesar de seu bom coração.
Mas, no tuíte que publicou na madrugada desta terça-feira no mundo real, Barr ecoava uma das tantas acusações do universo da ultradireita contra o presidente Barack Obama, neste caso centrada na ex-assessora presidencial Valerie Jarrett. Barr escreveu: “Se a Irmandade Muçulmana e o Planeta dos Macacos tivessem um filho: VJ”. Jarrett é de origem iraniana e de pele escura.
Pouco antes de a polêmica lhe custar o emprego, a atriz tinha apagado o tuíte inicial e publicado outros dois. Em um dizia: “Peço desculpas. Vou deixar o Twitter”. E no seguinte se estendia mais: “Peço desculpas a Valerie Jarrett e a todos os norte-americanos. Sinto seriamente ter feito uma má piada sobre sua política e seu aspecto. Eu deveria saber que isso não se faz. Perdoem-me, minha brincadeira foi de mau gosto”.
A essa altura, Roseanne Barr era trending topic nos Estados Unidos, e as reações à sua postagem, considerada racista, inundavam a rede e as televisões. Entre as respostas, destaca-se a da atriz Sara Gilbert, coprotagonista e produtora-executiva da série, que escreveu: “Os recentes comentários de Roseanne sobre Valerie Jarrett, e sobre muito mais, são abomináveis e não refletem as opiniões de nossos atores ou nossa equipe ou qualquer pessoa relacionada com a série. Estou decepcionada com ela, no mínimo”.
O presidente executivo da Disney, Bob Iger, também tuitou inequivocamente: “Aqui só se podia fazer uma coisa, o correto”. A onda de reações à suposta piada de Roseanne Barr incluiu atores, jornalistas e o mundinho político, criticando seu racismo e exigindo responsabilidades.
À tarde, Roseanne voltou ao Twitter. Durante um tempo se dedicou a retransmitir mensagens de apoio enviadas por fãs, além de uma montagem fotográfica que justificava a pertinência da piada sobre Jarrett. Às 20h (hora de Los Angeles, 0h desta quarta em Brasília) tuitou para seus admiradores: “Não lamentem por mim, crianças! Só quero pedir perdão às centenas de pessoas, e aos roteiristas maravilhosos (todos de esquerda) e atores talentosos que perderam seus trabalhos em meu programa por causa do meu estúpido tuíte”.
Uma hora depois, Barr mudou o tom e começou a pedir a seus seguidores, que propuseram um boicote à ABC, que não a defendessem. “Crianças, fiz algo imperdoável, então não me defendam”. Disse que havia tuitado a brincadeira de madrugada, depois de tomar Ambien (um sonífero). “Fui muito longe e não quero defender o que eu fiz, é atrozmente indefensável. Cometi um engano, quem dera não o tivesse cometido... Mas não o defendam, por favor”.
De noite, a Viacom tinha retirado os episódios da Roseanne clássica, a que formou várias gerações, de todos os seus canais. A série nova tampouco estava disponível no Hulu. A atriz tuitou também a notícia, e reproduziu algumas das críticas contra ela.
Até esta terça-feira, Roseanne tinha sido a série de TV aberta mais bem-sucedida deste ano. Tratava-se da décima temporada de uma das atrações mais conhecidos dos anos noventa, exibida originalmente entre 1988 e 1997. A temporada segue a vida do casal Conner (Roseanne Barr e John Goodman) 20 anos depois da série original. Suas dificuldades econômicas se estendem agora aos seus filhos. A série foi elogiada por reunir todo o elenco original e oferecer o mesmo humor ácido daquela época.
A personagem de Roseanne além disso fornecia algo que não se havia visto na era Trump. É uma mulher da classe média empobrecida dos subúrbios do Meio Oeste que votou no republicano. Na vida real, Roseanne Barr mostrou seu apoio ao presidente dos Estados Unidos, e em sua conta do Twitter dá trela inclusive ao que há de mais marginal no trumpismo.
A décima temporada de Roseanne foi um enorme sucesso para a ABC. Seus capítulos de meia hora tiveram entre 18 e 22 milhões de espectadores, acima de qualquer outra série da TV aberta. Havia sido renovada para uma 11ª. temporada, e fez disparar o interesse de Hollywood por remakes de formatos antigos dos anos oitenta e noventa. O presidente Trump telefonou para Barr para cumprimentá-la depois do sucesso do primeiro episódio. Depois, em um comício, felicitou-se publicamente pelo sucesso da série e disse a seus seguidores: “Ela fala de nós”.