Em face dos últimos acontecimentos
Que democracia é essa, na qual um juiz federal, egocêntrico e vaidoso, elege seus inimigos e os persegue sem trégua, fazendo justiça com as próprias mãos?
O profeta Jeremias, aquele do Antigo Testamento, escreveu no livro que leva seu nome: “Atentai para estas palavras, ó povo insensato e tolo! Sim, vós que tendes olhos, mas não querem enxergar; que tendes ouvidos e se negam a ouvir”:
Que democracia é essa, na qual militares, que deveriam entronizar o papel de guardiães da Constituição, vêm a público para ameaçar, sem meias palavras, os juízes da Suprema Corte a votarem não segundo a lei, mas segundo suas, deles, conveniências?;
Que democracia é essa, na qual um juiz federal, egocêntrico e vaidoso, enlouquecido pelo poder, se arvora no papel de deus exmachina, e, travestido de herói de filme B, elege os seus inimigos e os persegue sem trégua, fazendo justiça com as próprias mãos?;
Que democracia é essa, na qual pessoas instigam os condutores de um avião que leva um ex-presidente da República a jogá-lo pela janela – “joga esse lixo pela janela aí” -, evocando uma tática bárbara muito usada pelas ditaduras militares para eliminar adversários no chamado Cone Sul?;
Que democracia é essa, na qual um “empresário do sexo” comemora a prisão de um ex-presidente da República distribuindo nove mil latas de cerveja e instigando seu assassinato, com a promessa de que, “se matarem ele, na cadeia, o mês todo a cerveja é de graça”?;
Que democracia é essa, na qual um candidato à Presidência da República, homofóbico, racista e misógino, que admite a tortura e prega o armamento da população, celebra a condenação de seu adversário afirmando que seus seguidores devem ficar atentos, pois “o inimigo não está eliminado ainda”?;
Que democracia é essa, na qual a Justiça, protegida pela falácia da isonomia e da equidade, atropela prazos e ignora apelações, com o claro e único intuito de proibir que o principal candidato às eleições presidenciais possa concorrer?;
Que democracia é essa, na qual uma presidente da República é destituída do cargo, sob uma bizarra acusação – um problema contábil -, sem que uma única prova de seu envolvimento com algo que caracterize crime tenha sido levantada?;
Que democracia é essa, na qual o presidente em exercício, ocupando ilegitimamente o poder, sofre uma série de acusações de corrupção e mantêm-se governando o país por meio da compra da consciência de deputados e senadores?;
Que democracia é essa, na qual uma liderança política em ascensão é assassinada, e, passado um mês, nenhuma informação a respeito dos responsáveis é lançada?;
Que democracia é essa, na qual 10% da população concentra 43% do total da renda do país e na qual 1% da população mais rica ganha 37 vezes a média mensal de 50% da população mais pobre – R$ 27,9 mil contra R$ 754?;
Que democracia é essa, na qual 45% do total da população não conta com rede de esgoto, 10 milhões de residências não têm acesso à água tratada (o que equivale a cerca de 40 milhões de pessoas) e há um déficit de 6,2 milhões de moradias?;
Que democracia é essa, na qual foram registrados mais de 61 mil assassinatos em um ano (a maioria absoluta de pobres e afrodescendentes); 50 mil estupros (crime sempre subnotificado); um feminicídio a cada duas horas; um assassinato de LGBT a cada 25 horas?
Que democracia é essa, na qual acesso à educação é privilégio; acesso à saúde é privilégio; acesso ao lazer é privilégio; mobilidade é privilégio; segurança é privilégio?
A maior parte da população não tem tempo nem energia para discutir os problemas coletivos – seu tempo e sua energia são despendidos nos longos trajetos entre a casa e o trabalho para ganhar 85% de um salário mínimo por mês, renda com a qual sobrevive metade dos trabalhadores brasileiros. Assim vive a maior parte da população: em casas inadequadas, destituídas de água tratada e rede de esgoto, sem acesso à educação de qualidade, a um sistema de saúde digno, a lazer, utilizando um sistema de transporte precário, acossada pelo desemprego, e achacada por marginais – traficantes, milícia, policiais corruptos – e por lideranças religiosas fundamentalistas.
A quem interessa esse estado de coisas?
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