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Cúpula das Américas marca o final da era bolivariana na região

Morales fica sozinho com Cuba em seu apoio a Maduro e seu repúdio ao “imperialismo” dos EUA

Chefes de Estado e representantes que participam da VIII Cúpula das Américas
Chefes de Estado e representantes que participam da VIII Cúpula das AméricasErnesto Arias (EFE)
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As cúpulas regionais são uma fotografia do momento político. A das Américas no sábado em Lima moldou definitivamente a mudança da região rumo à ortodoxia econômica, o final da chamada era bolivariana, em que os presidentes de esquerda extremamente críticos aos EUA protagonizavam essas reuniões. Com o venezuelano Nicolás Maduro vetado, a grande maioria dos líderes foi duríssima com ele e anunciou que as eleições de maio não serão reconhecidas. Evo Morales, o grande resistente, ficou sozinho com o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, no apoio fechado a Maduro e às críticas ao “imperialismo” dos EUA.

A ausência de última hora de Donald Trump e Raúl Castro eliminou a possibilidade de um embate direto em nível máximo entre os dois mundos antagônicos que convivem a poucos quilômetros na América. Mas esse combate ideológico, marcado pela aproximação ou repúdio total aos EUA, ficou muito patente na Cúpula das Américas, que contou com a participação de quase todos os demais presidentes. Um após o outro, os presidentes de países até pouco tempo próximos ao eixo bolivariano como a Argentina e o Brasil, e outros onde também ocorreu uma mudança política, ainda que não tão radical, como o Chile e o Equador, mostraram a mudança total que vive a região.

“Precisamos redobrar os esforços para que o Governo da Venezuela aceite ajuda internacional nessa crise humanitária. Estamos falando de corrupção e vimos na Venezuela qual é o resultado de um processo de corrupção descontrolado. Não há democracia, existem presos políticos. A Argentina não reconhecerá qualquer eleição que surja de um processo desse tipo, isso não é uma eleição democrática”, disse o argentino Mauricio Macri. “Demos abrigo a dezenas de milhares de venezuelanos, tentamos enviar remédios e alimentos e essa ajuda foi negada pelo Governo venezuelano. Não há espaço em nossa região para alternativas à democracia”, finalizou Michel Temer.

“Na Venezuela não há democracia, existem presos políticos, as eleições com partidos proscritos não são legítimas. Ajudemos o povo venezuelano a recuperar a liberdade”, pediu o chileno Sebastián Piñera. “Trabalhamos para devolver a democracia à Venezuela, é inaceitável. Quem é amigo da Venezuela deve pensar primeiro no povo venezuelano”, disse o canadense Justin Trudeau.

Os grandes países que já eram controlados pela centro-direita, como o México e a Colômbia, reafirmaram essa sensação de minoria em que ficou o boliviano Evo Morales. “Somos generosos com o povo venezuelano, mas seremos implacáveis com o regime que tanto dano causa. Não reconheceremos os resultados de eleições projetadas para dissimular uma ditadura. É incrível que Maduro continue negando tudo enquanto o mundo vê como o povo venezuelano morre de fome. 15% da população migrou, especialmente à Colômbia”, afirmou o colombiano Juan Manuel Santos. “O México apoia a decisão de não convidar a Venezuela a essa cúpula”, disse Enrique Peña Nieto.

Diante dessa onda de ataques à Venezuela e países que se alinham à posição dos EUA, cujo vice-presidente, Mike Pence, chegou a Lima com a intenção de reforçar o grupo que mantém a pressão internacional contra Maduro, na vez de Morales ele, apesar de sua solidão, se manteve firme em suas posições clássica que há poucos anos estavam próximas de ser maioria nessas reuniões. A cúpula esteve centrada na luta contra a corrupção e enquanto todos os presidentes, incluindo alguns como Temer que está cercado de escândalos que o afetam pessoalmente, prometeram lutar contra ela, Morales exigiu que combatam o sistema capitalista, que em sua opinião é a verdadeira origem dessa corrupção.

“Se não eliminarmos os paraísos fiscais, sem controles às empresas transnacionais, se o sistema financeiro, que promove a acumulação de riqueza, não for modificado, enquanto não suprimirmos o sigilo bancário, de nada servirá. O capitalismo é o pior inimigo da humanidade e do planeta. Antes utilizavam o pretexto da luta contra o comunismo, hoje pretendem usar a luta contra a corrupção para derrubar governo democráticos. Respeito o irmão Lula, não podem prender a consciência de um povo”, disse para depois atacar os EUA, presentes na sala.

“A principal ameaça contra a paz e o multilateralismo é o Governo dos EUA. Virando as costas ao acordo de Paris, constrói muros, gasta centenas de milhões de dólares para continuar construindo armas de destruição em massa. A Bolívia condena as ameaças dos EUA de invasão da Venezuela. Lamentamos que Maduro não esteja aqui por pressões dos EUA”, finalizou Morales. Só encontrou respaldo no chanceler cubano. Até o Equador, antes alinhado com Maduro, manteve uma posição intermediária ainda que tenha lamentado a ausência do venezuelano: “Pedimos ao Governo venezuelano que procure soluções integrais dentro da democracia. Incentivamos as duas partes a dialogar”, disse sua chanceler, María Fernanda Espinosa, que aproveitou a cúpula para atacar o presidente anterior, Rafael Correa: “Lamentavelmente com ele a corrupção grassava em todos os seus setores”. Mais uma amostra de que as coisas mudaram muito na América Latina em pouquíssimo tempo.

Para concluir esse ambiente de pressão máxima ao que foi o principal país do eixo bolivariano, 15 países, ou seja, todos da declaração de Lima mais os EUA, assinaram um comunicado em que apontaram que não reconhecerão as eleições venezuelanas de maio se não forem realizadas “com as garantias necessárias a um processo livre, justo, transparente e democrático”. Esses 15 estão longe dos 23 necessários para ativar a carta democrática na OEA, porque a cúpula também demonstrou que todos os pequenos países das Antilhas, muito dependentes da Venezuela, mantêm a lealdade a Maduro, mas nesses 15 estão todos os grandes da região e os mais influentes.

No final da cúpula ocorreu uma violenta discussão entre o vice-presidente dos EUA, Michael Pence, e o chanceler cubano. Pence foi taxativo em sua intervenção, que na teoria encerrava a cúpula. “A maior corrupção ocorre quando as pessoas perdem sua voz por ação dos ditadores. Enquanto falávamos, um regime comunista oprime sua população em Cuba com Castro. Continuaremos apoiando os cubanos que pedem por sua liberdade. Cuba exportou sua ideologia fracassada, ajudando a ditadura corrupta da Venezuela. Maduro prometeu prosperidade e os levou à pobreza. A Venezuela está no caos. 9 em cada 10 venezuelanos vivem na pobreza. É o maior êxodo de nossa história. É um Estado falido”.

O chanceler cubano pediu a palavra para responder de maneira ainda mais dura: “Não é nada democrático atacar a Venezuela quando ela não está aqui para responder. Os EUA não são uma referência moral à América Latina. Nos últimos 100 anos, todos os governos despóticos na região foram impostos ou apoiados pelos EUA, incluindo as mais cruéis ditaduras. A Operação Condor e o golpe no Chile pesam na consciência dos EUA. O país de Pence foi o único a usar uma arma nuclear contra civis inocentes. É responsável pelo massacre de civis, crianças, mulheres e idosos, que chama de danos colaterais. É o autor de violações maciças dos direitos humanos de sua própria população afro-americana. É uma vergonha à humanidade que nesse país de extrema riqueza existam milhões de pobres. Têm um padrão de diferenciação racial nas prisões. O sistema eleitoral que o elegeu é corrupto por natureza porque é sustentado pelas contribuições corporativas. Promove um protecionismo feroz. Impôs a ideia de que a mudança climática é uma invenção. Se ele se interessasse pela liberdade dos cubanos levantaria o bloqueio. Usou a mesma linguagem que causou a invasão da Baía dos Porcos”. Por um momento a cúpula pareceu voltar aos anos da Guerra Fria. E Trump e Castro sequer estavam lá.

Compromisso contra a corrupção

Os chefes de Estado e de Governo assinaram o Compromisso de Lima, uma declaração com 57 obrigações pensadas para lutar contra a corrupção que incluem promessas nos campos de governabilidade democrática; transparência, acesso à informação e proteção de denunciante, direitos humanos e liberdade de expressão; financiamento de partidos políticos e campanhas eleitorais; prevenção de corrupção em obras públicas; cooperação jurídica internacional e fortalecimento de mecanismos interamericanos anticorrupção.

Entre os compromissos, propõe que os signatários incluam cláusulas anticorrupção em todos os contratos do Estado e de associações público-privadas, e estabeleçam registros de pessoas naturais e jurídicas vinculadas com atos de corrupção e lavagem de ativos para evitar sua contratação.

Também promove a mais ampla cooperação entre as autoridades judiciais, policiais, promotorias, unidades de inteligência financeira e autoridades administrativas relacionadas com delitos de corrupção, lavado de ativos, suborno e suborno internacional.

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