De saída da Prefeitura, Doria tenta aprovar a reforma que Temer não conseguiu
Projeto que muda a Previdência de servidores de São Paulo avança na Câmara dos Vereadores. Categoria faz greve e pede para que proposta seja retirada por falta de negociação
Na mesma semana em que o prefeito de São Paulo João Doria (PSDB) anunciava que seria candidato a governador e participaria das prévias de seu partido – que aconteceram neste domingo e o confirmaram candidato – seu final de mandato frente à Prefeitura enfrentava uma nova crise. Os servidores municipais estão em greve há mais de uma semana para protestar contra o projeto de reforma da Previdência apresentado pelo governo tucano. Se não for aprovado até abril, quando Doria deixa oficialmente o cargo, o imbróglio vai cair no colo do atual vice, Bruno Covas, que vai governar a cidade até 2020.
Na quarta-feira, enquanto a Câmara dos Vereadores aprovava o texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), servidores protestavam do lado de fora do prédio situado no Viaduto Jacareí. Um tumulto foi repreendido pela Polícia Militar e Guarda Civil (GCM) com bombas e terminou com ao menos seis servidores feridos, com cenas incômodas, como a de uma professora sangrando no rosto.
Do Fórum Econômico Mundial, o prefeito afirmou que "houve uma invasão [dos servidores na Câmara], o que não justifica nenhum tipo de violência - nem da parte que invade, nem da parte que é invadida" e que "houve excesso das duas partes, de quem invadiu e da GCM também". No dia seguinte, uma audiência pública foi convocada para discutir a proposta e milhares de servidores se reuniram, novamente, em frente à Câmara para protestar.
"Essa audiência, de pública não tem nada", gritou um servidor, de dentro do plenário. "Lá fora estão mais de 80.000 pessoas que também querem ser ouvidas". Enquanto isso, o secretário da Fazenda do Município, Caio Megale, apresentava slides ilegíveis para explicar as mudanças: Para os atuais servidores, aumento na contribuição, dos 11% atuais, para até 19%, dependendo da faixa salarial, e aumento na contribuição do município, de 22% para 28%. Novos servidores entrarão contribuindo com 14% e o município contribui com mais 14%. Além disso, a proposta inclui a criação de um fundo privado complementar. A idade e o tempo de contribuição não mudam.
A Prefeitura argumenta que, com o modelo atual de contribuição, em vigor desde 2005, foram gastos no ano passado 8 bilhões de reais com a Previdência dos 80.000 aposentados e 27.000 pensionistas da cidade. O gasto gerou um déficit de 4,7 bilhões de reias e a previsão para este ano é de um rombo de 5,8 bilhões no orçamento. "Sabemos que a discussão é difícil, mas ela é fundamental", disse ao EL PAÍS o secretário de Gestão, Paulo Uebel.
Ele calcula que, se aprovada a proposta, o déficit pode ser resolvido entre 20 e 50 anos. "Dependendo do número de ações que ocorrerem neste período", diz. "Por exemplo, se a reforma da Previdência do Governo Federal for aprovada, o tempo de redução do déficit diminui".
Embora a Prefeitura diga que vem discutindo a proposta desde "abril do ano passado", os servidores afirmam que não houve discussão. "Dizer que o Governo negociou conosco é mentira", diz Margarida Genofre, vice-presidente do Sindicato dos Professores e Funcionários de São Paulo (Aprofem). "Por isso, não tem negociação, queremos que o projeto seja retirado". De acordo com ela, entre 90% e 95% dos professores aderiram à greve iniciada no último dia 8.
Medida impopular
"Quem vota [a favor do projeto], não volta [na próxima eleição]", gritavam os servidores, no Salão Nobre da Câmara, em plenário composto quase 70% por vereadores reeleitos, na última quinta-feira. A audiência pública foi marcada por tensão, depois do ocorrido no dia anterior, mas não houve repressão policial desta vez. Os secretários de Doria e alguns vereadores tiveram grande dificuldade em falar, como Fernando Holiday (DEM), que no dia anterior havia chamado os servidores de "vagabundos" em um post no Facebook.
A tensão em cima do tema não é particular a esta gestão e nem se restringe ao Brasil. Mudar as regras na Previdência é uma medida impopular em qualquer lugar. No final do ano passado, por exemplo, o Governo de Mauricio Macri, na Argentina, recuou da proposta após enfrentar protestos nas ruas. Aqui no Brasil, o presidente Michel Temer, ao assumir o cargo, colocou o assunto em pauta. Mas até o momento não conseguiu colocar em votação pelas dificuldades de consenso.
Em São Paulo mesmo já houve uma tentativa recente de mudanças previdenciária. Em 2015, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) chegou a apresentar um projeto de reforma, que estipulava um teto para o valor da aposentadoria dos servidores. Quem ultrapassasse o teto de 4.600 reais, teria a opção de aderir à previdência privada. O petista, porém, recuou no ano seguinte, após pressão da categoria. "Se a proposta do Haddad era ruim, essa [de Doria] é ainda pior", diz Margarida Genofre, do Aprofem.
Apesar da greve, a proposta paulistana, chamada de Sampaprev, caminha a passos largos. Passará por mais duas comissões na Câmara dos Vereadores antes de ir ao plenário. A expectativa da Prefeitura, segundo Uebel, é que a aprovação ocorra ainda neste semestre. "Quanto mais tempo demorar, pior", diz.
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