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“Fake news’ tornam o jornalismo de qualidade mais necessário do que nunca”, diz diretor do EL PAÍS

Antonio Caño reafirma a vocação do jornal para contar a realidade brasileira “de forma honesta” e sem compromissos políticos

Antonio Caño, na direita, junto ao secretário de redação da 'Folha', Roberto Dias.
Antonio Caño, na direita, junto ao secretário de redação da 'Folha', Roberto Dias.Maurício Pisani
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As operações de intoxicação informativa por meio das redes sociais, conhecidas como fake news, são uma ameaça “não só para a imprensa livre, mas para a própria democracia”. Diante da epidemia que se espalhou por todo o mundo, o diretor do EL PAÍS, Antonio Caño, defende “como mais necessário e exigido do que nunca” o jornalismo “de qualidade, honesto, rigoroso e respeitoso das regras profissionais”. Segundo Caño, embora a proliferação de boatos na Internet tenha trazido “o caos para o mundo das notícias”, ao mesmo tempo “revalorizou o papel da imprensa” como referência confiável para se informar e “fiscalizar os abusos do poder”.

Com uma palestra sobre o fenômeno das fake news, o jornalista espanhol abriu na quarta-feira o segundo dia do Encontro Folha de Jornalismo, promovido pela Folha de S.Paulo, o maior jornal brasileiro, que nestes dias comemora seu 97º aniversário. O diretor do EL PAÍS lembrou que esse novo tipo de manipulação de informações “expressamente preparado para confundir os cidadãos” já desempenhou, em graus variados, um papel importante nas recentes eleições dos EUA e da França, no referendo sobre o Brexit no Reino Unido e até mesmo no conflito catalão na Espanha. Caño advertiu que, no ritmo atual, estima-se que dentro de dois anos 50% das notícias que circularem nas redes sociais serão falsas. E ressaltou a magnitude do problema citando algumas palavras do historiador norte-americano Timothy Snyder: “Quando nada é verdade, tudo é espetáculo. A pós-verdade é o fascismo”. Na sequência dessa reflexão, Caño, que lembrou que uma imprensa livre e independente é indispensável para a sobrevivência da democracia, enfatizou: “Se deixarmos que forças obscuras imponham suas mentiras aos cidadãos indefesos, abriremos um caminho seguro para o autoritarismo”.

Em sua conferência, Caño explicou que as informações falsas muitas vezes são capazes de abrir caminho porque uma parte do público “quer acreditar nelas, as consome mesmo que suspeite delas, pois quer ver sua ideologia e seus preconceitos confirmados”. Mas, ao mesmo tempo, outra parte dos cidadãos teve “uma sensação de falta de proteção” e isso “os empurrou para buscar novamente o jornalismo de qualidade”, afirmou. O diretor do jornal acredita que o melhor antídoto para essa nova praga de manipulação da informação está nos meios de comunicação e não na criação de organismos reguladores vinculados aos governos com poder de decidir o que é verdadeiro. “Nesse caso, corremos o risco de, para combater um mal, criarmos outro pior, a censura”, advertiu.

O diretor do EL PAÍS não escondeu os graves problemas experimentados pelos principais jornais do mundo, sobretudo pelas contínuas transformações digitais, que os enfraqueceram financeiramente e “proletarizaram o jornalismo”. “Hoje somos mais frágeis e temos menos poder para vigiar o poder”, disse Caño, que também não se esquivou da autocrítica ao admitir “a prepotência e a indiferença” em relação aos interesses de seus leitores que, em sua opinião, incorreram no passado alguns meios de comunicação tradicionais.

Mas Caño também deu uma mensagem otimista ao destacar as ambivalências do momento atual no mundo da comunicação. Juntamente com os problemas descritos, afirmou, o jornalismo “de certa forma também vive uma era de ouro”. “O EL PAÍS, a Folha, a grande mídia nunca teve tantos leitores”. “Devemos confiar que o jornalismo de qualidade irá sobreviver, eu acredito nisso. Diante do jornalismo de má qualidade está o jornalismo de boa qualidade. É por isso que nossa responsabilidade é enorme”. Nada indica que o público, nem mesmo os mais jovens que já não leem jornais impressos, tenha deixado de se interessar pelas notícias, e enquanto essa demanda existir “o jornalismo continuará a existir, se não o destruirmos antes pela preguiça ou pela falta de ideias”. O básico, de acordo com o diretor do jornal, é que os jornalistas “combatam o sectarismo que favorece leitores dispostos a acreditar em todas as notícias” e, no lugar disso, busquem um público crítico, disposto a discutir inclusive as próprias informações e os editoriais dos meios de comunicação que consomem.

A circulação de informações falsas deve servir para que os gigantes tecnológicos, especialmente o Facebook e o Google, se convençam da necessidade de trabalhar mais próximos dos meios de comunicação, de acordo com o diagnóstico de Caño. Para o diretor do EL PAÍS, essas grandes plataformas, especialmente depois das eleições nos EUA, “começam a ser conscientes dos danos que estão sofrendo” e, portanto, que devem “mudar seu relacionamento com os meios de comunicação”.

O diretor do EL PAIS, na palestra do Encontro Folha de Jornalismo.
O diretor do EL PAIS, na palestra do Encontro Folha de Jornalismo.Maurício Pisani

Depois da palestra, várias perguntas do público trataram da experiência da edição brasileira do EL PAÍS, criada em novembro de 2013. Caño explicou que o jornal viu no Brasil “um dos maiores e mais entusiasmados países do mundo, não só em tamanho ou população, mas em intensidade de debate”. “E, portanto, é um terreno formidável para um jornal como o nosso que está interessado no debate”, ressaltou. O EL PAÍS tentou se estabelecer no Brasil, de acordo com Caño, “de forma humilde, sem agressividade, para contar o país a partir da nossa perspectiva”.

O diretor expressou sua satisfação com a resposta do público brasileiro a essa nova oferta de informação. Disse que o jornal foi estabelecido no país “sem fazer nenhuma campanha de marketing” e que, mesmo assim, os leitores têm aumentado ao longo destes quatro anos “simplesmente pelo boca a boca”, mostrando que existe “um espaço informativo quando você se dirige aos cidadãos com honestidade”. Um dos participantes perguntou se a linha do EL PAÍS no Brasil está inclinada à esquerda. “Se alguém interpreta dessa forma, eu respeito, mas é muito complicado julgar qualquer atitude ou linha editorial como sendo de esquerda ou de direita”, respondeu. “Isso é simplista e me parece antiquado. Além disso, o que é ser de esquerda hoje no Brasil? Quantas esquerdas existem?”. E em seguida deixou claro: “O EL PAÍS não segue a linha de nenhum partido político no Brasil, nem de nenhuma figura política, os acertos e os erros que temos são interpretações livres feitas a partir da honestidade intelectual”.

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