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Jovens contra as armas nos EUA: “Ninguém precisa de um AR-15 para se defender”

Sobreviventes da matança de Parkland encabeçam iniciativa por regulação da venda de armamento Eles convocam uma grande manifestação para março em Washington

Pablo de Llano Neira
A estudante Emma González (de frente), no sábado em Fort Lauderdale.
A estudante Emma González (de frente), no sábado em Fort Lauderdale.AFP

Uma matança depois da outra. Os Estados Unidos — ou pelo menos a metade da população que reivindica mais controle das armas — esperam que, por fim, um desses banhos de sangue sirvam de catalisador para a mudança.

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Hoje essa esperança, que até agora sempre se dissipou dias depois do terror, se alimenta da vigorosa reação dos estudantes da escola de Parkland, onde, na quarta-feira passada, Valentine's Day (o dia dos namorados no país), foram assassinados 14 adolescentes e três adultos por um ex-aluno armado com um fuzil de assalto. Em meio à dor dos funerais, estudantes sobreviventes e seus pais se organizaram com o propósito de não deixar passar a oportunidade de pressionar a classe política para domar o potro selvagem do mercado das armas. Convocaram uma manifestação para 24 de março em Washington com o lema Marcha pelas Nossas Vidas, à qual querem que se unam jovens de todo o país. Nas redes sociais se multiplicam as mensagens com as hashtags #NeverAgain [Nunca mais] ou #MeNext [Eu sou o próximo?] e perguntas que apontam para os enredos mais absurdos da alma dos EUA: como um jovem de 19 anos pode comprar um fuzil, mas não uma cerveja?

O movimento já tem uma cara, a de Emma González, uma estudante de 18 anos do colégio Stoneman Douglas, lugar do massacre, que no sábado capturou a atenção dos EUA com um emotivo discurso que viralizou, no qual pediu que Parkland se transforme no ponto final da sangria das armas. “Vamos ser os garotos sobre os quais vocês vão ler nos livros escolares”, disse, “porque o nosso vai ser o último tiroteio em massa”.

A iniciativa dos estudantes de Parkland enfrentará a mecânica inércia com a qual os EUA viram a página depois dos acontecimentos mais selvagens, como as matanças da escola de ensino fundamental Sandy Hook (2012, 20 crianças e seis adultos mortos) ou a recente no show de Las Vegas (outubro de 2017, 58 mortos, cifra recorde). A comunidade de Parkland aposta em tentar mudar o roteiro e sustentar a chama da indignação. “Acredito neste movimento”, dizia nesta segunda-feira a EL PAÍS por telefone Daniel Journey, 17 anos, sobrevivente do tiroteio. “Se há uma comunidade que você não quer ter contra si é a nossa, cheia de advogados e contatos políticos. O mundo inteiro está olhando para nós e o Governo está contra a parede. Morreram 17 pessoas porque um garoto louco pôde comprar um fuzil AR-15. Isto é aterrorizante. Ninguém precisa de um AR-15 para se defender. Basta uma pistola e um spray de pimenta, não é verdade?”

“É urgente mudar as regras de acesso às armas”, comentou outra estudante do colégio, Carly Gehris, de 18 anos. “Não podemos continuar atados à Segunda Emenda constitucional [que garante o direito de se proteger com armas]. Já não tem o sentido que teve quando foi escrita há mais de dois séculos. Nem as armas são as da época nem tampouco a necessidade de usá-las.” Os jovens põem o foco na necessidade de restringir o acesso às armas mais potentes.

“Não pedimos que tirem as armas das pessoas, o que pedimos é que se garanta segurança em torno das armas”, disse Emma González.

A comoção provocada pela matança e o incipiente ativismo estudantil motivaram os primeiros movimentos políticos. A mídia local da Flórida informa que congressistas republicanos e democratas preparam algo inédito nesse Estado: promover uma mudança na legislação que ponha barreiras ao acesso a fuzis semiautomáticos. “Devemos isso às vítimas”, afirmou o senador estadual republicano Bill Gavano, que encabeça a iniciativa. O assassino de Parkland, Nikolas Cruz, de 19 anos, usou um fuzil AR-15 de alto poder. Em apenas seis minutos conseguiu matar 17 pessoas.

Nikolas Cruz nesta segunda-feira no tribunal.
Nikolas Cruz nesta segunda-feira no tribunal.AP

Mas a mensagem do movimento de Parkland supera o âmbito estadual e se volta para o Congresso e a Casa Branca, onde em última instância é travada a batalha pelo controle das armas. O presidente Donald Trump recebeu críticas entre os alunos e os pais da escola por tratar a matança como um problema de saúde mental, e não de acesso desregulado a armas pesadas, bem como por instrumentalizar o erro do FBI de não investigar Cruz para assim atacar a agência por causa da trama russa. No domingo, no funeral, de Jaime Guttenberg, que morreu aos 14 anos por um balaço do AR-15 de Cruz nas costas, seu pai, Fred, explodiu e gritou diante dos presentes: “Ninguém vai vir me dizer que não existe a violência pelas armas!”.

"Se alguém vai conseguir uma mudança, acredito que vai ser Parkland”, disse a este jornal Nicole Suárez, de 15 anos e sobrevivente da matança. “Temos a força suficiente para criar um movimento nacional. Somos uma comunidade muito unida com muitos estudantes e pais de família. Temos que fazer Trump ver que suas condolências não são suficientes. As condolências não evitam que se vendam fuzis.”

No dia do assassinato, Nicole, filha de colombianos, estava no prédio onde Cruz desencadeou o pesadelo. Ela se fechou com cinquenta colegas em uma sala de aula. “Ele [Cruz] estava do lado de fora gritando e disparando. Escutamos que batiam na nossa porta. Não sabemos se era ele ou se eram garotos que tentavam entrar”, contou a aluna, que afirma ser necessário contar o que viveram para convencer a opinião pública da gravidade do problema. “Nem os que são a favor das armas nem os da Associação Nacional do Rifle viveram esta experiência. Não imaginam o que é passar por algo assim.”

O ativismo contra as armas ferve e, enquanto isso, a história do último assassino em massa norte-americano continua seu curso judicial. Nesta segunda-feira Nikolas Cruz voltou a comparecer diante da juíza. Vestido com um uniforme vermelho de prisioneiro, esteve vários minutos sentado sem dizer nada. Não ergueu os olhos. Em seu rosto abaixado era difícil perceber outra emoção além do mutismo. No final, ele se levantou, encurvado, encolhido, e os guardas o levaram. Sobre ele pesam 17 homicídios em um Estado, Flórida, que aplica a pena de morte.

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