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Quebra de confiança entre EUA e Rússia põe em cheque redução de arsenais atômicos

Desenvolvimento de torpedos nucleares russos leva Pentágono a fomentar fabricação de novos mísseis

O chefe do Pentágono, Jim Mattis, nesta sexta-feira na Alemanha
O chefe do Pentágono, Jim Mattis, nesta sexta-feira na AlemanhaSebastian Widmann (Getty Images)
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A confiança entre os Estados Unidos e a Rússia que permitiu a crescente desnuclearização das duas potências se quebrou. Washington acusou Moscou no ano passado, como já havia feito em 2014, de violar um tratado de 1987 ao desenvolver em segredo um novo sistema de mísseis. Esse pacto, firmado pelo presidente norte-americano Ronald Reagan com seu homólogo soviético, Mikhail Gorbachov, proíbe o desenvolvimento de mísseis balísticos ou de cruzeiro de alcance intermediário (capazes de voar entre 500 e 5.500 quilômetros). Foi um marco no crepúsculo da Guerra Fria. Na época teve início um processo de desnuclearização que parece estar chegando ao fim.

“Temos de reconhecer que o ambiente atual torna extremamente difíceis avanços na redução de armas nucleares em curto prazo”, argumenta o secretário da Defesa, Jim Mattis, na nova Revisão da Postura Nuclear, a doutrina atômica do Pentágono para os próximos anos, que representa uma brusca guinada em relação à estratégia anterior, publicada em 2010 pela Administração de Barack Obama.

A desconfiança entre as duas potências nucleares está hoje no máximo. O relatório do Pentágono adverte que o desenvolvimento por parte da Rússia de novos torpedos nucleares – que, embora aparentemente respeitem o tratado de redução nuclear START, de 1991 – representa um claro desafio: podem cruzar o Pacífico sem serem detectados e atingir boa parte dos EUA.

Essa crescente ameaça é o que alega o Governo de Donald Trump para expandir seu arsenal de ataque atômico, acelerando a modernização que Obama já iniciou. A nova estratégia do Pentágono aposta no desenvolvimento, dentro dos termos dos acordos internacionais, de um míssil de cruzeiro que seria disparado de submarinos. E também novas ogivas nucleares, que descreve como de baixa intensidade, as que são equiparáveis às bombas atômicas despejadas sobre o Japão em 1945.

O START, que Gorbachov selou com George H. W. Bush (sucessor de Reagan), reduziu drasticamente o arsenal nuclear das duas superpotências. “Representa um grande passo para a segurança mútua e uma causa pela paz mundial”, proclamou Bush. Em 2010, ao subscrever a segunda versão do acordo, o Novo START, que reduziu em 85% a capacidade atômica norte-americana desde seu máximo na Guerra Fria, o presidente Barack Obama confiou em um desenlace semelhante. Esse convênio limitou o arsenal dos velhos rivais em até 1.550 ogivas nucleares. Mas o pacto só entrou plenamente em vigor duas semanas atrás e caduca em 2021

A maior incógnita da recém-publicada estratégia nuclear é o preço das novas armas. O Departamento de Defesa afirma que representaria 6,4% de seu orçamento, mas numerosos especialistas duvidam disso e alertam que implicaria cortes em outras áreas. O setor de orçamento do Congresso estimou em outubro que os planos do Governo Obama de modernização do arsenal iriam custar 1,2 bilhão de dólares (cerca de 4 bilhões de reais) entre 2017 e 2046.

Trump e Mattis apostam em uma delicada dualidade: oficialmente manter os EUA nos tratados de não-proliferação e reiterar seu “compromisso” com eles, enquanto dão impulso a uma nova corrida nuclear mediante a modernização do arsenal sob o argumento de se contrapor a uma crescente ameaça, sobretudo da Rússia. “Garantir que nossa dissuasão nuclear continue sendo forte será a melhor oportunidade para convencer outras potências nucleares a abordarem iniciativas significativas de controle de armas”, argumenta o secretário da Defesa.

Volta o dogma da paz por meio da força que era um lema do republicano Reagan. A ele se une o isolacionismo de Trump e seu receio do multilateralismo. Tudo sob a percepção da atual Administração de que Obama – vencedor em 2009 do Prêmio Nobel da Paz por sua aposta no desmantelamento nuclear– foi ingênuo e de que a Rússia há tempos não acredita nos acordos de redução do arsenal porque o vem aumentado.

Jim Miller, um alto funcionário do Pentágono na época de Obama, defende que seja levado em conta que a estratégia de 2010 estava permeada pelo discurso que o presidente democrata pronunciara um ano antes em Praga (República Tcheca), no qual proclamou que os EUA, como o único país do mundo que usou bombas atômicas contra uma população, têm a responsabilidade moral de acabar com elas. A filosofia Trump, porém, corresponde mais à sua ameaça de “fogo e fúria” contra o regime norte-coreano.

“Estou de acordo em que a situação mundial mudou desde 2010. A Coreia do Norte avançou em sua capacidade nuclear e a Rússia continuou investindo”, disse Miller, na segunda-feira, em um debate na Brookings Institution, um laboratório de ideais em Washington. “O que me preocupa é a sutil expansão do uso de armas nucleares em ataques”, acrescentou sobre a nova estratégia.

“Obama estava tentando catalisar a não proliferação e estava disposto a continuar as reduções com a Rússia, mas eles não tinham nenhum interesse”, enfatizou, no mesmo evento, James Acton, expert nuclear do Carnegie Endowment for International Peace. “A China tampouco tinha interesse em entrar no debate.’

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