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EUA põem fim à neutralidade da rede impulsionada por Obama

A medida, impulsionada por grandes provedores, poderá impor um sistema de diferentes velocidades

Jan Martínez Ahrens

A era da neutralidade na rede chegou hoje ao seu fim nos Estados Unidos. A Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês), sob controle republicano, aprovou a revogação de medidas estabelecidas em 2015 para proteger a equidade na Internet. Revertendo o entendimento da rede como um “bem público”, no qual os provedores são obrigados a tratar todos os dados de maneira igual, sem importar sua origem, tipo e destino, será imposto um sistema que permite diferentes velocidades em função do pagamento e dos interesses dos operadores. Um triunfo do liberalismo, uma derrota das grandes empresas de tecnologia e, no mínimo, uma incógnita para o consumidor.

Protesto em Washington contra o fim da neutralidade na rede, na semana passada
Protesto em Washington contra o fim da neutralidade na rede, na semana passadaCHIP SOMODEVILLA (AFP)
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A mudança, apresentada como "uma vitória da liberdade", foi impulsionada pelos grandes provedores. Gigantes das telecomunicações, como Comcast, AT&T e Verizon, se aliaram ao Governo de Donald Trump para romper a barragem legal que servia justamente para impedir que essas empresas acabassem impondo suas vontades ao tráfego e aos conteúdos da rede. Sob o sistema aprovado no mandato de Barack Obama, o provedor era obrigado a sempre oferecer o mesmo tratamento. Não poderia, por exemplo, bloquear o acesso a determinados sites, tornar a conexão mais lenta ou acelerá-la sob pagamento. O critério era a equidade. Evitar a discriminação. Proteger a neutralidade do sistema nervoso do conhecimento mundial. Tudo isso veio abaixo.

As consequências dessa desregulação podem ser profundas. “A neutralidade na rede garantia a competitividade darwiniana entre todos os possíveis usos da Internet, de forma a que sobrevivessem os melhores”, escreveu Tim Wu, o professor da Universidade de Columbia que cunhou o conceito. Derrubada essa blindagem, começa o jogo da discriminação. O operador, que até agora não podia interferir no tráfego da rodovia, já pode criar caminhos rápidos, lentos ou negar a entrada.

Os provedores ainda não apresentaram seus planos, mas abre-se a porta para que negociem acordos com portais, para que passem a oferecer planos de acesso à Internet semelhantes aos pacotes de TV a cabo e, finalmente, que ofereçam uma maior velocidade aos seus clientes em detrimento dos não clientes. Podem chegar inclusive a bloquear quem competir com as suas ofertas.

Rompida a neutralidade, o caleidoscópio de cenários é quase inesgotável, mas se resume na possibilidade de escalas de serviço e, portanto, preços diferentes para o usuário e também para as grandes companhias. Este último ponto é especialmente delicado. Uma queixa antiga dos operadores é o gasto gerado pelos grandes portais e seu uso maciço de dados. Isso pode dar lugar a tarifas especiais, algo viável talvez para o Google, Amazon ou Facebook, mas oneroso para novas empresas ou aquelas em situação financeira precária.

O presidente da FCC, Ajit Pai, principal inimigo da neutralidade na rede, negou reiteradamente que as mudanças irão aumentar os custos para o usuário, reduzir a velocidade ou permitir bloqueios. Ele argumenta que nada disso ocorria antes de 2015 e que, pelo contrário, a reforma reduziu o investimento em banda larga, a ponto de colocar em risco a velocidade de navegação e poder gerar aumento de preços para o consumidor.

“O fim da neutralidade representará uma volta a uma Internet livre e aberta; o Governo deixará de regulamentar como os fornecedores devem ser geridos, e estes terão incentivos para encarar a próxima geração de redes e serviços”, declarou Pai.

O controle dos operadores e a perseguição às práticas injustas ou lesivas caberão à Comissão de Comércio Federal, com autoridade para questões de concorrência e consumo, ao passo que a FCC, que regula as telecomunicações, fiscalizará para que mantenham a transparência e informem sobre sua atividade com relação ao tráfego e aos dados. Os dois organismos são agências federais independentes. A maioria dos integrantes da FCC foi designada por Governos republicanos.

Uma vez aprovada a iniciativa, só há duas formas de impedir a aplicação: pelos tribunais ou com uma nova lei. Nenhuma delas parece fácil em curto prazo. Mas a frente de oposição não deixa de ser ampla e poderosa. Os democratas, assim como as s grandes companhias da Internet, consideram que a desregulação ataca o nervo central da rede.

“Só pode acreditar na medida quem acha que os provedores de Internet vão colocar o interesse do público à frente do interesse dos seus investidores”, chegou a declarar um dos membros democratas da FCC. “Para saber o que vai ocorrer, basta olhar como na última década os operadores tentaram esmagar os seus competidores”, disse na terça-feira o congressista democrata Mike Doyle, que anunciou a apresentação de um projeto de lei para impedir a desregulação – uma iniciativa fadada ao fracasso diante da quase monolítica oposição dos republicanos à reforma de Obama. Outro golpe de Trump contra o legado do antecessor.

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