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Cristina Kirchner: “Querem-me calada, mas não vão me assustar”

Ex-presidenta argentina acusa adversários de usar pedido de prisão para tentar sufocar sua voz no Senado

Federico Rivas Molina
A ex-presidenta Cristina Kirchner durante coletiva de imprensa no Senado argentino.
A ex-presidenta Cristina Kirchner durante coletiva de imprensa no Senado argentino.Telam
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Cristina Kirchner não tem dúvidas: o juiz Claudio Bonadio é parte de uma operação para calar sua voz no Senado. A ex-presidenta colocou o seu sucessor, Mauricio Macri, à frente dessa suposta conspiração política, acusando-o de “manipular a Justiça”. “Há instrumentos de uma perseguição política sem precedentes na democracia, em que Mauricio Macri é o diretor da orquestra, e o juiz Bonadio executa a partitura”, disse ela durante uma entrevista coletiva convocada às pressas, horas depois de Bonadio pedir ao Congresso que casse sua imunidade parlamentar e autorize sua detenção por “traição à pátria”. Ela é acusada especificamente de participar de uma trama com outros funcionários públicos para proteger cinco iranianos suspeitos de serem os mentores do atentado à entidade judaica AMIA, que deixou 85 mortos em 1994 em Buenos Aires.

Kirchner se cercou de legisladores aliados num salão do Congresso. Nesse mesmo edifício, iniciará no próximo domingo seu trabalho como senadora, cargo para o qual foi eleita em outubro. Parecia evidentemente cansada. E apelou mais de uma vez à leitura para deixar bem clara a ideia que desejava transmitir aos jornalistas que a ouviam, enquanto todos os canais de notícias da Argentina transmitiam suas palavras ao vivo. “Querem-me calada, mas não me vão assustar”, disse Kirchner. Depois, disparou contra os fundamentos jurídicos de seu pedido de prisão preventiva. “É um processo inventado, sobre fatos que não aconteceram, não há fatos, não há delito, isto é um despropósito que viola o Estado de direito e busca causar danos pessoais e políticos aos opositores. Não tem nada a ver com a justiça nem com a democracia. Bonadio sabe disso, e Macri sabe também.”

O juiz Bonadio acatou a denúncia contra Cristina e outros 13 kirchneristas, entre eles o ex-chanceler Héctor Timerman, pela suspeita de que tenham criado um “plano criminal orquestrado e posto em funcionamento” para “dotar de impunidade” os supostos autores intelectuais do atentado contra a AMIA. A decisão de Bonadio se baseia nas investigações do promotor Alberto Nisman, que foi encontrado morto em sua casa com um tiro na cabeça, em 2015, logo depois de apresentar no Congresso as suas conclusões contra o Governo da época. Os suspeitos do atentado à AMIA eram alvo de um pedido internacional de captura quando o Governo de Cristina Kichhner assinou com Teerã um memorando que permitia às autoridades iranianas interrogar esses suspeitos em seu país. O Governo alegou que essa era a única possibilidade de avançar nas investigações do ataque, mas o promotor entendeu que se tratou na verdade de "um impedimento ou empecilho de um ato funcional e de descumprimento dos deveres de funcionário público".

O processo pelo suposto acobertamento ficou dormindo no gabinete de Bonadio até a chegada de Macri à Casa Rosada, em dezembro de 2015. O juiz então deu um passo além e imputou a Kirchner a acusação de traição à pátria, uma figura jurídica que se aplica a altos funcionários que ajudam inimigos em tempos de guerra, contrariando os interesses nacionais. “Bonadio diz que os dois atentados terroristas, o da embaixada [de Israel em Buenos Aires, em 1992] e o da AMIA, são atos de guerra. Essa foi a única maneira que encontrou em seu mundo jurídico para puxar pelos cabelos a figura da traição à pátria”, disse Kirchner.

Para a ex-presidenta, a ação é uma grande invenção para que ela não possa elevar sua voz no Senado, uma ideia na qual insistiu várias vezes. “Não sou a única pessoa que sofre essas extorsões, o que quero lhes dizer é que não vão ter resultados e que vou continuar fazendo o que sempre fiz, que é defender os interesses das grandes maiorias nacionais. Querem-me calada e com a espada de Dâmocles sobre meu pescoço", disse. O Senado tem agora 180 dias para decidir o destino da ex-presidenta.

Apoio na Praça de Maio

Vários grupos de partidos políticos e pessoas independentes atenderam na tarde de quinta-feira à convocação de protestos na praça de Maio, epicentro político da Argentina. Os manifestantes, que como de costume avançaram pelas avenidas próximas até se concentrarem em frente à Casa Rosada, acabaram se misturando à tradicional manifestação de quinta-feira das Mães da Praça de Maio. Nora Cortiñas, da linha fundadora desse movimento, disse ao EL PAÍS que “há uma caça de bruxas e uma total falta de direitos. Este retrocesso que temos e esta perseguição política diária são uma vergonha para a imagem do país e para o povo”.

Nesse mesmo sentido se expressou o coletivo de organizações de direitos humanos que convocou a manifestação. Em nota, os ativistas disseram que “teve início uma caçada política sem precedentes na democracia, uma perseguição política e o recrudescimento da violência institucional sobre a população mais vulnerável. Bonadio e outros juízes se veem habilitados a agir com parcialidade, vulnerando o Estado de direito”.

Jorge Taiana, que foi chanceler no Governo de Cristina Kirchner, opinou que “isto faz mal à democracia argentina, à administração da Justiça do nosso país e à imagem internacional da Argentina”. “Isto ocorre”, prosseguiu, “porque Cristina está para assumir [uma vaga no Senado], e é uma forma de tentar ofuscar um fato importante: a volta de uma pessoa que foi presidenta por oito anos. Isto não vai prosperar, mas não importa, procuram sujar o campo de jogo”, manifestou o ex-ministro kirchnerista.

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