Nisman, o grande mistério argentino se complica dois anos depois
Novo juiz fortalece a teoria do assassinato, mas ainda não existe certeza sequer da hora da morte
As dimensões do desastre do caso Nisman surpreendem até mesmo os argentinos, acostumados a todo o tipo de escândalos. Dois anos após a morte do promotor que chocou o país não se sabe com certeza sequer a hora em que faleceu. Falta até esse dado essencial para averiguar se foi assassinado — por denunciar a ex-presidenta Cristina Kirchner por encobrir o caso AMIA, o maior atentado do país — ou se suicidou. Eduardo Taiano, o novo promotor do caso, que passou por vários tribunais nesses dois anos, admite seu desânimo: “Não estamos certos sobre a hora. Tudo é muito inédito nesse caso, a investigação foi extremamente malfeita. E acredito que foi intencional, por isso denunciei à promotora Fein [a primeira encarregada do caso] e ao ex-secretário de segurança Berni [que foi um dos primeiros a chegar à casa de Nisman na noite de 18 de fevereiro de 2015]. Espero que algumas provas ajudem”, explica ao EL PAÍS.
A mudança na investigação desde que Taiano e o juiz federal Julián Ercolini passaram a se encarregar dela foi completa. Agora todos os trabalhos apontam à teoria do assassinato. Antes sempre se trabalhou sobre a hipótese de suicídio porque não apareceu nenhum elemento que demonstrasse a presença de uma terceira pessoa no apartamento no qual o cadáver de Nisman apareceu com um tiro na cabeça. “Recentemente o caso foi descontaminado e mudou-se o juiz”, explica Patricia Bullrich, hoje ministra de Segurança e à época deputada de oposição que foi uma das últimas pessoas a falar com Nisman. Estavam preparando um depoimento no Congresso, que o ex-promotor nunca chegou a realizar, para explicar a denúncia contra a ex-presidenta.
Outro dos inúmeros mistérios desse caso é que as ligações de Bullrich e muitas outras foram apagadas do telefone de Nisman. Quem o fez? “O objetivo era esconder tudo porque Nisman queria demonstrar as relações carnais do kirchnerismo com o Irã. Quiseram tirá-lo do caminho” diz a ministra, que parece ter claro que não foi um suicídio. “Ligações e registros desapareceram do computador de Nisman. É evidente que sua morte está relacionada com as investigações que estava realizando”, explica o promotor Taiano, que ainda não crê totalmente no homicídio.
Poucas coisas movimentam mais paixões na Argentina do que os serviços secretos. E quase tudo nesse caso gira em torno deles. Não é a primeira vez. A morte do filho de Carlos Menem também foi atribuída a eles. E era justamente Nisman quem investigava a participação da parte mais obscura do Estado na ocultação do pior atentado da história da Argentina, o caso AMIA, com 84 mortos em 1994. Como o próprio caso Nisman, ficou sem resolução.
Mas o mistério, na Argentina, costuma se misturar com traços de tragicomédia muito característicos. Em outros países os espiões se escondem. Na Argentina Antonio Stiuso, o mais conhecido deles, a quem Nisman tentou ligar várias vezes antes de morrer, chegou a ligar ao vivo para uma televisão para ameaçar o promotor Luis Moreno Ocampo, que o criticava. Os argentinos também puderam ver na televisão como os investigadores do caso Nisman, nos primeiros minutos, os mais importantes para a obtenção de provas, pisoteavam o banheiro do promotor, manchavam tudo de sangue com suas pegadas, e limpavam a pistola com papel higiênico. Tudo ficou gravado para escárnio da polícia.
“60 pessoas estiveram dentro do apartamento. Não faz sentido. O lugar deveria ter sido isolado. Foi uma enorme negligência. Tudo foi feito da pior maneira e agora preciso trabalhar com isso. A imagem que a justiça argentina deixa com esse caso é espantosa, estamos tentando resolvê-lo”, queixa-se o promotor Taiano, que pediu a um novo grupo de especialistas um relatório conclusivo para saber se foi assassinato ou suicídio. O que dará mais trabalho será a análise do cruzamento das 56.000 ligações que pediu à polícia. Ele mesmo admite que tudo demorará muito tempo, no qual as teorias conspiratórias continuarão crescendo.
Como se os componentes do caso já não fossem o bastante, o próprio promotor recebeu ameaças a sua família. Seu filho agora anda com escolta. Ele vê os serviços secretos por trás. “As ameaças vieram quando foi publicado que eu estava realizando o cruzamento das ligações. Sim, temos proteção, mas na Argentina tudo é relativo, especialmente se os serviços de inteligência estão envolvidos”, ironiza. Tudo é possível ao redor do caso Nisman, o último dos grandes mistérios argentinos, umas das especialidades do país.
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