_
_
_
_
_

Bachelet, uma estrela cadente que abre o caminho para a direita

Eleições no Chile se tornam plebiscito sobre o legado de uma ex-presidenta em declínio

Bachelet saúda a Ricardo Martínez, novo comandante em chefe do Exército de Chile.
Bachelet saúda a Ricardo Martínez, novo comandante em chefe do Exército de Chile.EFE
Mais informações
Votação de indígenas cria reserva marinha gigante na Ilha de Páscoa
Turista brasileiro morre no Chile durante protesto de taxistas contra Uber e Cabify
Direita chilena perde na Justiça e lei de aborto em caso de estupro entra em vigor
O abuso silenciado que há por trás das cesáreas

Tudo indica que Sebastián Piñera ganhará neste domingo, com folga, o primeiro turno das eleições presidenciais no Chile e avançará para uma vitória definitiva em 17 de dezembro. Mas será uma vitória de Piñera ou uma derrota de Michelle Bachelet? Pela segunda vez na vida – e esse é o seu grande drama – a ex-presidente passaria o poder para o líder da centro-direita e não para alguém do seu próprio campo político. Ela chegou ao poder em 2013 com 62% dos votos e uma aprovação muito alta, mas sai, agora, bastante abalada, com as eleições ganhando o caráter de um plebiscito sobre a sua gestão, em favor de Piñera. Apesar de algumas nuances, especialistas de ambos os lados confluem para um mesmo raciocínio: a tentativa de promover reformas de esquerda acabou por derrubá-la em um país de centro que não estava preparado para uma virada como essa, que poderia ser vista em outros países da região como bastante suave. O Chile se somaria, assim, à onda de centro-direita que vem tomando conta da América.

“Governos não tornam possível ganhar eleição, mas podem fazer perdê-la”, afirmou ao EL PAÍS Alejandro Guillier, jornalista dublê de político que procura romper a corrente de centro-direita que se espalha pelo continente. Guillier, um candidato acidental, com parca trajetória política e baixo carisma, levado para o alto pelas pesquisas no momento em que se buscava algo novo, acabou por se ver encurralado dentro de um plebiscito sobre a política de Bachelet, e procura se distanciar. Mas as pesquisas lhe dão menos da metade das intenções de voto do que para Piñera.

A ex-presidente procurou aproveitar a sua grande popularidade para desmantelar a herança neoliberal de Pinochet em áreas essenciais como educação, sistema eleitoral, Constituição. Promoveu uma reforma fiscal e uma trabalhista, e preparava mais uma na área da previdência. Além disso, conseguiu aprovar a descriminalização do aborto em três hipóteses, uma reivindicação histórica. Mas muitas dessas reformas não caíram bem em alguns setores, e isso, somado a um escândalo que atingiu sua nora e seu filho por suposto tráfico de influência, começou a corroer sua credibilidade. Sua popularidade chegou a cair a 20%. Agora, está em 29%. A economia não afundou, mas cresceu pouco em relação à média chilena: 1,8% em média, o pior índice desde 1990.

“O grande problema de Bachelet é que não havia acordo sobre suas reformas na coalizão que governava. Uma vez mais, como em 2009, não é que Piñera vá ganhar: é a centro-esquerda que vai perder por causa de sua incapacidade de organizar seu programa de governo e gerar uma liderança. A maioria da população do Chile reivindica esse tipo de reforma. Não é uma revolução, são questões relevantes, sentidas pelos cidadãos. O que se discute é como foram feitas”, afirma Gloria de la Fuente, diretora da Fundação Chile 21 e analista próxima ao governo. Ela crê que, apesar de tudo, Bachelet terá um grande lugar na história chilena. “A história vai acabar fazendo justiça a Bachelet. Seu legado, a longo prazo, vai se estender”, afirma.

Roberto Ampuero, escritor chileno que foi ministro da Cultura de Piñera em seu primeiro governo, acredita que o problema de Bachelet foi de diagnóstico. “Houve manifestações muito barulhentas e seu governo acreditou que o que se pedia era atirar ao mar o modelo chileno que ele próprio tinha impulsionado. O governo pensou que tinha que apagar tudo e começar do zero. Mas neste país há uma classe média muito poderosa que quer preservar o que conquistou com o trabalho”, explica. Ampuero acredita que se Piñera acertar e não se inclinar para a direita, ele pode iniciar um ciclo político longo de hegemonia. “A chave é a forma com que Piñera será capaz de se apoderar do centro através de uma aliança e representar os anseios e os temores da classe média. Um discurso muito de esquerda não consegue a maioria no Chile, como vimos, mas um de direita tampouco”.

Rafael Gumucio, também escritor, mais próximo da centro-esquerda, responsabiliza a ex-presidente por não gerar um sucessor, apesar de acreditar que sua imagem irá se recuperar. “Bachelet é uma personagem doente de poder, não cria sucessores. Mas tem um legado simbólico significativo. Algumas de suas reformas ficarão. Piñera não se atreverá a dar marcha a ré com tudo. Ela se salvará, mas destruiu a Nova Maioria”, afirma. “Os chilenos são quase todos de centro, mas votam na direita um ano e na esquerda em outro, e assim a direita corrige o que a esquerda fez mal, e vice-versa”, ironiza.

David Gallagher, analista político, economista e professor de literatura, representante da direita liberal, é muito duro com esta etapa final. “Um legado negativo grande do Governo é ter destruído a social-democracia no Chile”. Ele está convencido de que Piñera conseguirá obter uma versão moderada da centro-direita. “O que Piñera mais enfatizou em sua campanha foi a constituição de uma centro-direita moderna. Vai ser um Governo de centro. Será parecido com o de Macri ou com o da Democracia Cristã alemã. Deveria aglutinar esse centro moderado que ficou órfão e buscar uma maioria mais a longo prazo, que dure até que a esquerda volte à moderação, o que penso que será um processo muito longo”.

O Chile se prepara assim para arrematar a reviravolta iniciada na Argentina, mas que, apesar disso, está em xeque em outros países latino-americanos, especialmente no Brasil, onde Lula lidera as pesquisas. Mas tudo parece ocorrer à moda chilena, sem sobressaltos, com uma campanha discreta e uma previsível abstenção superior a 50%. O drama que se vive em cada eleição nos países à sua volta é alheio a um país que encara quase tudo com muita calma.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_