Poder, sexo e milhares de grampos ilegais: Mato Grosso mergulha na paranoia política
Esquema atinge governador Pedro Taques, ex-procurador conhecido por prender barões do crime. Agora, ele é alvo de investigação para saber se grampeou inúmeros adversários
Nos últimos meses, Mato Grosso vive uma espécie de paranoia política. Basta um avião da Polícia Federal pousar em Cuiabá para dezenas de autoridades, jornalistas e blogueiros locais começarem a discutir quem será o próximo preso. Afundado em uma série de escândalos criminosos, o mais recente deles atinge em cheio a gestão do governador Pedro Taques (PSDB) e trata de milhares de interceptações telefônicas clandestinas. Ex-procurador conhecido por prender barões do crime, hoje Taques é alvo de investigações para saber se ele mesmo não seria autor de um esquema que grampeou a cúpula de poder do Mato Grosso. A preocupação no Estado é tamanha, que o vice-governador Carlos Fávaro (PP) temia ser um dos alvos do esquema batizado de “grampolândia”. Fávaro contratou um hacker para monitorar possíveis invasões aos computadores de seu gabinete. Meses depois, descobriu que esse profissional de contra-inteligência havia sido interceptado ilegalmente por policiais militares. Agora, suspeita-se que o próprio vice também tenha sido grampeado. Pelos cálculos de fontes do Judiciário, o esquema de escutas clandestinas coloca sob suspeita cerca de 70.000 interceptações telefônicas ocorridas entre janeiro de 2014 a setembro de 2017.
Quando foi informado, em 2015, pelo então secretário de Segurança, o promotor de Justiça Mauro Zaque, sobre a existência da “grampolândia”, o governador Taques decretou: “meu Governo acabou”! A constatação foi feita durante um encontro com Zaque em outubro daquele ano. Munido de uma série de documentos, o secretário afirmou que adversários políticos do tucano, advogados e um jornalista eram gravados irregularmente. “Avisei o governador sobre os grampos em duas oportunidades. Em fevereiro e em outubro de 2015, quando apresentei as provas. Nessa segunda vez eu disse a ele: e agora ‘nhonhô’, você queria provas? Estão aí! O que você vai fazer? Nada foi feito e eu pedi exoneração do cargo”, explicou Zaque ao EL PAÍS. Apesar do alerta deste promotor, as apurações só começaram de fato neste ano, depois que a seccional de Mato Grosso da Ordem dos Advogados do Brasil apresentou ao Tribunal de Justiça quatro notícias-crime que levantavam suspeitas sobre as irregularidades cometidas pelo governo estadual, pelo Ministério Público e pelo Judiciário.
A narrativa em torno dos grampos clandestinos investigados nos últimos seis meses é típica de uma trama cinematográfica. Envolve dinheiro, poder e sexo. Até agora, o principal suspeito de ser o mandante das interceptações é Paulo Taques, primo do governador Pedro Taques e que foi seu secretário da Casa Civil. Hoje, Paulo está preso juntamente com outras nove pessoas sob a suspeita de tentar obstruir as investigações.
Antes de ocupar um dos principais cargos na administração estadual, o primo do governador foi o coordenador jurídico da campanha de Taques. Em Cuiabá, os rumores são de que Paulo sempre se utilizou de esquemas de arapongagem, que ele levou essa prática para a campanha do tucano e, posteriormente, para o seu Governo. Algo que nega.
As apurações mostram que Paulo pagou 50.000 reais a um policial para que ele comprasse um equipamento de gravação de ligações telefônicas. O advogado também seria o responsável por alugar a central da “grampolândia”, um escritório em um prédio comercial Cuiabá de onde parte dos policiais militares faziam as interceptações ilegais, batizadas de “barriga de aluguel”. Seus alvos eram políticos, advogados e um jornalista. “Barriga de aluguel” é quando são inseridos em uma investigação os nomes de suspeitos que não têm nada a ver com o fato investigado. Um exemplo: uma pessoa é investigada por corrupção. Ao invés de se pedir a interceptação das linhas telefônicas vinculadas apenas a essa investigada, inclui-se no requerimento uma série de outros números que não sejam diretamente do alvo.
Uma das pessoas grampeadas no esquema de barriga de aluguel foi Tatiane Sangali, uma ex-amante do primo do governador. Ela foi grampeada em duas ocasiões. Uma ilegal. A outra legal. Para grampeá-la legalmente, Paulo Taques entregou um documento a delegados informando que Sangali teria o intuito de constrangê-lo e que ela poderia dopar a ele ou o governador para fotografá-los nus com outros homens. Ele ainda alegou aos investigadores que Sangali estava planejando se casar com João Arcanjo Ribeiro, um famoso bicheiro mato-grossense que está preso na Penitenciária Federal de Mossoró condenado a 82 anos de prisão por crimes como homicídio, lavagem de dinheiro e contrabando. O casamento seria uma maneira de forçar com que Arcanjo fosse para uma penitenciária de Cuiabá e, em seu Estado de atuação, começasse a arquitetar o assassinato do hoje governador.
Um dos responsáveis pela prisão de Arcanjo foi justamente Pedro Taques. Na época, em 2003, ele era procurador da República em Cuiabá e conhecido por atuar firmemente contra os barões do crime no Mato Grosso. Só entrou para a política sete anos depois, quando se elegeu senador. Foi um dos precursores do movimento que prega maior participação de juízes, promotores e procuradores na vida política do país.
Apesar do grampo contra Sangali, não se comprovou que ela tinha pretensões de matar o governador. “Como havia a questão da ameaça contra o governador, durante 45 dias a Tatiane foi grampeada legalmente. Mas nada se comprovou. O que sabemos é que, antes dessa história da ameaça, ela também foi grampeada de maneira irregular”, afirmou o delegado Flávio Stingueta, um dos policiais que coordenaram as apurações.
Temos de perguntar: ‘a quem interessa grampear tantos adversários políticos do governador?'
Até o momento, o governador aparece lateralmente na investigação. O delegado Stringueta, contudo, diz que tudo leva a crer que Pedro Taques seria o mandante do esquema. “Temos de perguntar: ‘a quem interessa grampear tantos adversários políticos do governador? Fazendo uma construção ideológica chega-se à conclusão que ele é o maior beneficiado. Mas ainda não encontramos as provas”, disse o policial.
Até agora, o escândalo, que só foi noticiado em maio deste ano e gerou as primeiras prisões em junho, não derrubou Taques do cargo. Mas o enfraquece ao ponto de colocar em dúvida se ele conseguirá concluir o seu mandato, previsto para terminar em dezembro de 2018.
Ramificações
Como parte das gravações clandestinas eram feitas por policiais que atuavam em conjunto com o Ministério Público, surgiu a suspeita de que promotores e até juízes poderiam estar vinculados a essas fraudes. Até agora, não se comprovou a participação de nenhum deles.
Além de Paulo Taques, outras nove pessoas foram presas, incluindo a cúpula da segurança pública do Estado. Nesse grupo estão o ex-secretário da Segurança e delegado da Polícia Civil Rogers Jarbas, e quatro coronéis da PM: seu ex-comandante-geral Zaqueu Barbosa, o ex-chefe da Casa Militar Evandro Lesco, o adjunto dele Ronelson Barros e o ex-secretário de Justiça e coronel Airton Siqueira Júnior. Também foram detidos o major Michel Ferronato, o sargento João Ricardo Soler, o cabo Gerson Corrêa Júnior, o cabo Euclides Torezan e a mulher de Lesco, a personal trainner Helen Christy Carvalho. No caso dela, a suspeita é de que ela ajudou o marido a se encontrar com os demais investigados mesmo no período em que ele estava cumprindo prisão domiciliar.
A detenção desse grupo criminoso só foi possível por conta de uma traição. O tenente coronel José Henrique Soares havia sido cooptado para preparar uma armadilha para o desembargador Orlando Perri, o magistrado que julgava os casos vinculados à “grampolândia”. Foi-lhe prometido uma promoção, caso filmasse diálogos com Perri que pudessem comprometer o desembargador em um eventual julgamento. Uma câmera chegou a ser instalada em sua farda. Mas Soares decidiu contar o que sabia ao magistrado e deu embasamento jurídico para as prisões.
Agora, depois de seis meses tramitando no Judiciário estadual, o caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça. No último dia 16, o ministro Mauro Campbell, avocou as seis investigações e ainda não se decidiu sobre qual andamento dará a cada um dos casos. Há três possibilidades. Uma, de devolver todas as investigações para o Tribunal de Justiça. Outra, de dividir os processos entre o TJ e o STJ, separando as condutas entre quem tem foro privilegiado (como o governador) e quem não tem. E a última, é de coordenar sozinho as apurações, possivelmente determinando que a Polícia Federal assuma a responsabilidade.
O populista
Enquanto assiste ao desenrolar da maior crise de sua gestão negando qualquer envolvimento, Pedro Taques segue uma rotina de governador populista. Criou a Caravana da Transformação, um programa que segue por todas as regiões do Mato Grosso levando principalmente atendimentos gratuitos na área de saúde. A estratégia é evitar que o clima negativo notado principalmente em Cuiabá, se espalhe para o interior. É nessa hora que Taques tira a gravata e a camisa comprida, coloca uma camiseta polo com símbolos oficiais do Estado e tira fotos com alunos da rede pública, índios, casais recém-casados nos mutirões populares e, principalmente, com alguns dos pacientes beneficiados pelo projeto. Em dez edições, cerca de 300.000 pessoas já foram atendidas. Sendo que 35.000 passaram por cirurgias de cataratas, conforme os dados oficiais.
Procurado na semana passada, o governador não atendeu a reportagem justamente porque estava participando de uma dessas caravanas, na cidade de Tangará da Serra. Seu secretário de Comunicação, Kléber Lima, negou que Taques tenha participação no esquema da “grampolândia” e que o próprio governador determinou que as investigações fossem encaminhadas ao Ministério Público e pela própria PM, por meio de um inquérito policial militar. “O governador Pedro Taques reafirma que não mandou fazer, não tinha conhecimento da existência e, assim que tomou conhecimento, tomou os procedimentos que lhe competia”.
O secretário ainda disse que o tema “grampolândia” não é a única pauta da gestão tucana e acaba sendo retroalimentado pela oposição ao Governo – formada por representantes do PT e outras legendas de esquerda, além de aliados de políticos que já estiveram no poder e hoje são investigados por crimes, como o ex-governador Silval Barbosa (PMDB) e o ex-presidente da Assembleia Legislativa José Riva (PP). “Taques assume o Governo sucedendo um dos governos mais corruptos do Brasil, que era do Silval Barbosa”, afirmou. E concluiu: “Ele não veio para o Governo do Estado para cometer crimes. Ele só veio para combater crimes e os criminosos. Essa marca ninguém vai tirar do Pedro Taques”.
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