Que diabos é água?
Cansado de falar sobre o óbvio golpe político no Brasil, o cronista dialoga com o gênio suicida David Foster Wallace
Fui ali com Irene, dia das crianças, Lari e amigos, num almoço congolês, estou com refugiados em qualquer canto desse e de qualquer outra ideia de país, no que chega o Fralda, baixista do Ratos de Porão, e me oferece uma cachaça mineira, “aí, Fralda, você é foda etc”, os velhos cumprimentos de sempre, falamos rapidamente de política e da ideia de ser punk em um mundo tão vendido. Fralda é punk, eu me vendo, mas não em tempo integral, frilo na ideia da Grécia antiga, os trabalhos e os dias, diz ai, velho Hesíodo, simbora.
Estamos na Fatiado Discos, interior, solzão, 35 graus, no que surge outro cara absurdo, Ian Uviedo, cujo zine “Os rastros da máquina na areia” , vai te phoder, menino, aponta ao futuro da grande literatura do Sumaré, SP, e arredores. Como escreve bem essa criatura degradada filha de Eva. Um brinde, a vida é água, amigo David Foster Wallace: “Há dois peixes jovens nadando ao longo de um rio, e eles por acaso encontram um peixe mais velho ...”
Se você não leu o discurso de David Foster Wallace sobre a água você não é nada, amigo, amiga, você boia na rasa camada da existência, você não passa de um peixinho idiota que pergunta, do nada: “Que diabos é água?”.
Donde tal precioso líquido... Amo David Foster Wallace, eis o grande cara do universo mais sábio, rapaz, sonho com esse cabeludo.
Vai saber o que é isso. Fui alí com Irene, 8 meses, o primeiro dia das crianças, dela. O pai envelhecido em barris de carvalho, vida, Fralda lembrou dum mocó punk em Nova York donde se discutia se um ano ou mais lascaria a ideia de velhice para quem já gastou as oiças com Stooges, MC5, New York Dollls...
Sei lá, Fralda, se estamos fodidos não é pela pancada poética, mas como entendo a tua. Comemos um prato genial do Congo, o kuku, pedi pimenta como nunca, nenhum homem do planeta me bate nesse sentido, soyel pimenteiro mor da existência.
Um mundo tão vendido, me lembra o panfleto punk do Fralda. Nada vendido. Toda gente se entrega às teses de direita. Dá clique, dá merda. No que esquecemos o assunto e falamos do método de tirar piolho nos filhos da escola. Com vinagre de maçã de boteco na cabeça. Fralda faz cara de horror etc. Esquece, foi só nosso papo. Como dizia David Foster Wallace antes do suicídio.
Porra, no que lembramos dos meninos que veem os corpos dos crimes, na Rocinha ou no Capão Redondo, como se fossem do normal do jogo. Jamais nos museus. Esquece.
O mais infeliz dos mundos, leio no noticiário: nunca se matou tanto adolescente no Brasil em toda história de extermínio de jovens negros e pobres. E pensar que tem gente estúpida a pedir armas e matança. E pensar que só pensam nisso, velho Fralda, que merda.
“Há dois peixes jovens nadando ao longo de um rio, e eles por acaso encontram um peixe mais velho ...”
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “A pátria em sandálias da humildade” ( editora Realejo, 2017), entre outros livros. Comentarista do “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.
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