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Coluna
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O pior pedido dos brasileiros

O gênio da lâmpada de Brasília Teimosa não entende como alguém pode pedir de volta o regime militar

Militar em Brasília
Militar em BrasíliaReprodução

Poxa, brava gente brasileira, tanta coisa boa pra se pedir de volta, tanta coisa boa pra se sentir saudade, e a turma saca da cachola o que houve de pior no cardápio das trevas. É de frustrar qualquer gênio da lâmpada. Daqui a pouco, me sopra o gênio, alguém irá clamar pelo retorno da cerveja Malt 90 e da seleção de futebol do Sebastião Lazaroni.

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Tudo bem, a gente nunca sabe onde colocar o desejo sexual e a ideia de nostalgia histórica, mas pedir o regime militar de volta, brava gente, que pisada na bola. Até achava que era mais uma lorota política. Imagina. Coisa séria. Com milico falando alto e até uma moçadinha moderna batendo continência em 140 caracteres ou memes.

Foi uma bagunça só o tal regime, um caos da moléstia dos cachorros, uma pororoca social dos diabos, como diria o próprio general João Baptista Figueiredo. Haja corrupção, violência e escândalos: casos Luftala, Capemi, Coroa-Brastel, grupo Delfin, Camargo Corrêa, General Electric, vixe, gastaria uma bíblia de páginas para enumerá-los e não sairia do Gênesis da desgraceira toda. Imagina se os podres de fato pudessem ser publicados à época.

Meu gênio da lâmpada não compreende como a censura, mesmo antes dos generais (vade retro!), já deu as caras com o veto a peças de teatro, exposições de arte e livros adotados em escolas. Ainda bem que em alguns lugares, ao contrário do caso do Centro Cultural Santander (Porto Alegre), quebrou a cara, como li agora neste nuestro EL PAÍS Brasil. Alguém resiste no Brasilzão que come moscas e fantasmas.

Pior é que é sério, querida. Meu gênio da lâmpada, rapaz criado em Brasília Teimosa, bairro de resistência cá do nosso Recife, não entendeu nada. Aproveitei a onda nostálgica e fui tomar um caldinho de sururu na esquina. Não há sebastianismo troncho, aquela nossa herança portuguesa de esperar o rei salvador da pátria, que justifique tal pedido. Mentalmente torturado, o gênio tomou uma Pitú e saiu de mansinho em direção ao Beco da Facada.

Não entendo essa nostalgia masoquista sob a máscara verde e amarela do patriotismo, assim falou e disse, com a voz impostada da dialética, o gênio embriagado. E escafedeu-se nas brumas do Hellcife. Pra nunca mais.

Só me restou ouvir Taiguara e Chico Buarque no bar dos cornos ideológicos do bairro do Pina. Mirando ao longe o azulado edifício Oceania - o mesmo do filme Aquarius, pense em um desgosto reposto, pense nos cupins da história no juízo!

Tanta coisa boa pra se sentir saudade, brava gente. Em vez de você ficar só pensando nela (a ditadura nada branda), pense no flower power de outras primaveras.

Nostalgia do rock do Ave Sangria, por exemplo:

“Geórgia,A carniceira dos pântanos friosDas noites do Deus SatãJogando boliche com as cabeçasDas moças mortas de cioNo levantar das manhãs de abrilSolar... yeah!”

Nostalgia até do pânico do possível estouro da barragem de Tapacurá, no eterno retorno a 1975. A cidade toda correu para bem longe diante do boato da chegada do dilúvio à capital pernambucana. Nem a invasão alienígena de Orson Welles fez tanto estrago. Agonia da bobônica, febre do rato.

Poxa, brava gente brasileira, esperava mais de vocês. Beijos e até a próxima crônica.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “A pátria em sandálias da humildade” (editora Realejo, 2017), entre outros livros. Comentarista dos programas “Papo de Segunda” (Canal GNT) e “Redação Sportv”

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