A democracia brasileira precisa tratar com seriedade as Forças Armadas
O desleixo do Brasil com o seu Exército gera circunstâncias disfuncionais e leva principalmente à sua ineficácia
A crise generalizada por que passa o país - e que parece não ter fim - experimentou mais um pequeno capítulo na semana passada. O General Antonio Hamilton Mourão voltou a se manifestar a respeito da situação nacional, sugerindo um golpe de Estado patrocinado pelas Forças Armadas como meio de debelar a crise. Em 2015, o referido militar já havia sido destituído, pelo Comandante do Exército, do posto de Comandante Militar do Sul, por defender a ruptura - ilegal - da ordem constitucional brasileira.
O que este episódio revela não é apenas o desapreço de parte da sociedade brasileira com a democracia. Ele mostra como o fato de nenhum governo civil pós-ditadura (1964-1985) ter levado a sério a questão imperativa da reconstrução institucional da Defesa Nacional, transformado-a em tema relevante de Estado e objeto de atenção da sociedade, cobra o seu alto preço. O mais curioso nesta grave negligência é que entre os governos democráticos, três deles tiveram presidentes que foram vítimas diretas do regime militar. Não aprenderam a lição de que em nações onde há preocupação com Defesa Nacional as Forças Armadas geralmente não se ocupam com assuntos de fora de sua especialidade e jurisdição.
A fala do General Mourão choca não só pela falta de sofisticação, cuja expressão óbvia é a linguagem rudimentar, mas pela incoerência argumentativa: o modelo de sociedade a que o general e seus convivas recorrem em seu horizonte mental ao criticar a falta de solução da crise brasileira não contempla golpe militar como item do cardápio de alternativas institucionais apto a ser usado na vida política. E a razão é dupla: primeiro, porque se compreende que problemas como a corrupção e o seu enfrentamento fazem parte de qualquer ordem democrática e, segundo e ainda mais relevante, porque nos países que o General Mourão toma como referência as Forças Armadas estão ocupadíssimas com a Defesa real da riqueza do país - com coisas que equivalem às riquezas brasileiras como a Amazônia e o Pré-Sal.
O desleixo do Brasil com as suas Forças Armadas gera circunstâncias disfuncionais como o seu uso em iniciativas na área de segurança pública, mas leva principalmente à sua ineficácia: O ex-ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, afirmou em 2016 que a dependência do Brasil do GPS Norte-Americano para operar satélites militares implica que na prática somos um protetorado dos EUA. Diante desta acusação desconcertante a respeito da falta de soberania nacional, muito mais grave do que a ruinosa corrupção, nenhuma autoridade do Estado brasileiro reagiu. Nem o indignado general Mourão. Enquanto persistir essa aberração o país sofrerá com as humilhações, por exemplo, a que o chanceler do governo de Fernando Henrique Cardoso, Celso Lafer, foi submetido em Washington, quando obrigado por funcionários da alfândega norte-americana a tirar os sapatos durante uma absurda revista!
A democracia brasileira precisa tratar com seriedade republicana e institucional as Forças Armadas, para exigir delas a submissão ao poder civil. Isso passa, inequivocamente, por ter uma defesa nacional, o que não acontece hoje. A maior parte dos militares parece se opor a aventuras descabidas e fora de época, por entender, entre outras coisas, que a guerra fria acabou. Mas é bom que a sociedade brasileira acorde e não dependa da falta de senso de oportunidade que, segundo Nelson Rodrigues, sempre caracterizou os nossos oportunistas.
Carlos Sávio G. Teixeira é professor e chefe do departamento de Ciência Política da UFF.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.
Mais informações
Arquivado Em
- Opinião
- Guerra fria
- Ministério Defesa
- Michel Temer
- Crises políticas
- Democracia
- Forças armadas
- Ditadura Militar Brasil
- Presidente Brasil
- Ditadura militar
- Brasil
- Ditadura
- Conflitos políticos
- Governo Brasil
- Defesa
- América do Sul
- América Latina
- Governo
- Ministérios
- América
- Administração Estado
- Política
- Administração pública
- Hamilton Mourão