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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

A democracia brasileira precisa tratar com seriedade as Forças Armadas

O desleixo do Brasil com o seu Exército gera circunstâncias disfuncionais e leva principalmente à sua ineficácia

O Exército na favela da Rocinha
O Exército na favela da RocinhaCARL DE SOUZA (AFP)

A crise generalizada por que passa o país - e que parece não ter fim - experimentou mais um pequeno capítulo na semana passada. O General Antonio Hamilton Mourão voltou a se manifestar a respeito da situação nacional, sugerindo um golpe de Estado patrocinado pelas Forças Armadas como meio de debelar a crise. Em 2015, o referido militar já havia sido destituído, pelo Comandante do Exército, do posto de Comandante Militar do Sul, por defender a ruptura - ilegal - da ordem constitucional brasileira.

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O que este episódio revela não é apenas o desapreço de parte da sociedade brasileira com a democracia. Ele mostra como o fato de nenhum governo civil pós-ditadura (1964-1985) ter levado a sério a questão imperativa da reconstrução institucional da Defesa Nacional, transformado-a em tema relevante de Estado e objeto de atenção da sociedade, cobra o seu alto preço. O mais curioso nesta grave negligência é que entre os governos democráticos, três deles tiveram presidentes que foram vítimas diretas do regime militar. Não aprenderam a lição de que em nações onde há preocupação com Defesa Nacional as Forças Armadas geralmente não se ocupam com assuntos de fora de sua especialidade e jurisdição.

A fala do General Mourão choca não só pela falta de sofisticação, cuja expressão óbvia é a linguagem rudimentar, mas pela incoerência argumentativa: o modelo de sociedade a que o general e seus convivas recorrem em seu horizonte mental ao criticar a falta de solução da crise brasileira não contempla golpe militar como item do cardápio de alternativas institucionais apto a ser usado na vida política. E a razão é dupla: primeiro, porque se compreende que problemas como a corrupção e o seu enfrentamento fazem parte de qualquer ordem democrática e, segundo e ainda mais relevante, porque nos países que o General Mourão toma como referência as Forças Armadas estão ocupadíssimas com a Defesa real da riqueza do país - com coisas que equivalem às riquezas brasileiras como a Amazônia e o Pré-Sal.

O desleixo do Brasil com as suas Forças Armadas gera circunstâncias disfuncionais como o seu uso em iniciativas na área de segurança pública, mas leva principalmente à sua ineficácia: O ex-ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, afirmou em 2016 que a dependência do Brasil do GPS Norte-Americano para operar satélites militares implica que na prática somos um protetorado dos EUA. Diante desta acusação desconcertante a respeito da falta de soberania nacional, muito mais grave do que a ruinosa corrupção, nenhuma autoridade do Estado brasileiro reagiu. Nem o indignado general Mourão. Enquanto persistir essa aberração o país sofrerá com as humilhações, por exemplo, a que o chanceler do governo de Fernando Henrique Cardoso, Celso Lafer, foi submetido em Washington, quando obrigado por funcionários da alfândega norte-americana a tirar os sapatos durante uma absurda revista!

A democracia brasileira precisa tratar com seriedade republicana e institucional as Forças Armadas, para exigir delas a submissão ao poder civil. Isso passa, inequivocamente, por ter uma defesa nacional, o que não acontece hoje. A maior parte dos militares parece se opor a aventuras descabidas e fora de época, por entender, entre outras coisas, que a guerra fria acabou. Mas é bom que a sociedade brasileira acorde e não dependa da falta de senso de oportunidade que, segundo Nelson Rodrigues, sempre caracterizou os nossos oportunistas.

Carlos Sávio G. Teixeira é professor e chefe do departamento de Ciência Política da UFF.

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