Multidão protesta em São Paulo contra a ‘cura gay’: “Não somos doentes!”
Manifestação ocorreu em repúdio a liminar que abre uma brecha para que psicólogos ofereçam pseudoterapias de reorientação sexual
Milhares de pessoas — ainda não se sabe quantas ao certo — ocuparam nesta sexta-feira algumas quadras da avenida Paulista, a principal via de São Paulo, e marcharam até o centro da cidade para gritar que pessoas lésbicas, gays, bissexuais ou transsexuais não são doentes. O motivo concreto da indignação é a liminar concedida por um juiz federal que abre uma brecha para que psicólogos possam oferecer pseudoterapias de reorientação sexual, popularmente chamadas de cura gay, algo até agora expressamente proibido pelo Conselho Federal de Psicologia. "É um absurdo criminalizar a população LGBT, falar que nossa orientação sexual ou nossa identidade de gênero é uma doença. Porque não é. E é um absurdo ter que protestar por causa disso em pleno 2017", diz Victória Gonçalves, estudante de História e Ciências Sociais de 19 anos. "Estamos aqui para reivindicar nossos direitos de amar que a gente quiser e poder ser quem nós somos sem sermos recriminados por isso", acrescenta ela, que levava um cartaz com a seguinte frase: "Nossa sociedade está doente de normalidade".
A multidão, formada sobretudo por jovens, muitos deles segurando bandeiras arco-íris e cartazes — e também com alguma purpurina colorida no rosto —, começou a se formar em frente ao MASP a partir das 17h. Duas pessoas acabaram detidas após um confronto com policiais militares, segundo relatos. Por volta das 19h30, milhares desciam a rua Augusta, que foi tomada por completo, cantando: "Eu beijo homem, beijo mulher, tenho o direito de beijar quem eu quiser!". Ou gritando: "Um dois três, quatro cinco mil, pega a cura gay e vai pra puta que pariu!". Em alguns momentos também entoando: "As gay, as bi, as trans e as sapatão, tá tudo organizada pra fazer revolução!".
Gepostet von Leite Leonardo am Freitag, 22. September 2017
Meire Aparecida de Oliveira, de 48 anos, conta que está casada com uma mulher e que sua filha, de 17 anos, também é lésbica. "Outro dia uma amiga dela que estava com sua namorada foi agredida dentro do trem por ser lésbica. Então nos preocupamos muito", explica ela, que é analista de atendimento e forma parte do coletivo Mães pela Diversidade. "Quando a gente consegue ter o nosso espaço, sempre tem alguém querendo tirá-lo. Mas o que você faz entre quatro paredes não diz respeito a ninguém. Eu pago minhas contas, tenho minha vida profissional e minha vida cidadã como todo mundo".
Grávida de sete meses, Ana Tainá Dias Moura tem uma preocupação similar com o futuro de seu filho. "Não quero que ele viva em uma sociedade tão opressora como a nossa. Que ele possa ser o que quiser, gostar de quem quiser, sem ter todos os preconceitos em cima dele", diz a jovem, que tem 21 anos e foi à passeata com outras duas amigas. Lá também estava a transexual Ave Abay Omi, para quem "ir para as ruas é a única forma que temos de autenticar o que a gente quer realmente". Ela diz esperar ainda "uma solução justa para todos, sempre no intuito de se chegar a paz".
Arthur Berman acredita, entretanto, que "a população LGBT tem que estar muito mais presente na rua". "O maior movimento é a parada e depois tudo acaba. As pessoas só voltam quando tem um massacre de Orlando ou esse absurdo da cura gay", diz o jovem, que tem 17 anos e está no ensino médio. Ele opina que "a liminar vai cair", mas que ainda assim devem continuar "apreensivos com os movimentos da Câmara".
Assim como Arthur, o professor José Roberto Leme opina que a população LGBT está pouco presente nas ruas para reivindicar seus direitos. "É a primeira vez que, fora a parada gay, nos reunimos para fazer algo. As últimas paradas perderam o foco e as pessoas vêm muito pela brincadeira. Mas aqui o pessoal pegou uma causa e tá apoiando. Porque quando um juiz abre a possibilidade de 'cura gay', ele tá errado”, explica o professor, que tem 52 anos, dá aulas de Direito Constitucional, Sociologia e Filosofia e foi ativista em várias causas, entre elas as Diretas Já dos anos 80. O que muda o país, argumenta, "não é só a educação, porque a consciência das pessoas também tem que mudar".
A manifestação seguiu até o Largo do Arouche, no centro da cidade. Conforme as pessoas se aproximavam de seu destino destino final, por volta das 20h30, aplaudiam as transsexuais que trabalham nas esquinas e hotéis da região. Em determinado momento, agachados no chão, todos repetiram as seguintes frases: "Esta justiça, que prendeu Rafael Braga, e que está contra os trabalhadores, é a mesma que ainda trata as pessoas trans como doentes. Não somos doentes! Não somos doentes!". Enquanto isso, um homem comentava a outro: "É muito bom ver São Paulo viva".
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