O jihadista espanhol que deu voz ao terror do Estado Islâmico
Terrorista andaluz, de 22 anos, protagonizou o primeiro vídeo em espanhol do grupo terrorista


Muhammad Yasin Ahram Pérez, conhecido como El Cordobês – uma referência ao apelido de um dos toureiros mais famoso da Espanha –, deu voz ao Estado Islâmico em seu primeiro vídeo em espanhol desde que o grupo terrorista começou em 2014 sua campanha na Internet com cerca de 1.400 gravações destinadas a lançar ameaças e arregimentar adeptos para seus atentados. El Cordobês, de 22 anos, nasceu na cidade andaluza (em que está mais presente a herança cultural do período de dominação muçulmana da península ibérica), onde residiu até completar seis anos, e em 2014 se mudou com a mãe e seis irmãos – cinco homens e uma mulher – para a Síria com a missão de combater como jihadista.
Suas antigas vizinhas do bairro cordobês de Alcolea admitem o espanto ao comprovar que o menino que só saía de casa para ir à escola – nunca para brincar na rua Cuartel com as demais crianças – e sua mãe, Tomasa Pérez Mollejas, de 41 anos, hoje portam armas e estão dispostos a tudo pelo Estado Islâmico. Enquanto os irmãos de Muhammad acompanham ele e a mãe na Síria, segundo fontes da luta antiterrorista, o pai, Abdelah Ahram, de nacionalidade marroquina, cumpre sentença de 10 anos de prisão em Tânger por terrorismo.
A história desta família radicalizada e consagrada ao Estado Islâmico começa em 1994, quando Tomasa, que cursava o terceiro ano do segundo grau, se apaixonou por Abdelah e abandonou os estudos. “Virou-lhe a cabeça, mas é que ela era menor de idade”, explica uma pessoa que os conheceu na época e que pede anonimato. Um ano depois, Tomasa deu à luz Muhammad, o primeiro de seus seis filhos. Após nascer um segundo menino, o casal se mudou do centro de Córdoba para Alcolea, um tranquilo e humilde bairro da periferia da cidade.

“As crianças não saíam de jeito nenhum na rua. Sempre enfurnados no apartamento. Quando Dolores, a locatária de Tomasa, lhe perguntou por que usava véu, ela respondeu muito seca que se isso a incomodava ela iria embora da casa", lembra Antonia Moreno, antiga vizinha de Tomasa e que hoje dirige um salão de cabeleireiro. Depois de viver dois anos em Alcolea, a família se mudou para Barcelona e dali para Ceuta. Finalmente, em 2014 todos, com exceção do pai – Tomasa, Muhammad, Musa, Islam, Ousama, Qoudama e Yunes, a única filha –, se mudaram para a Síria.
Faz 17 anos que Tomasa não entra em contato com seus pais e irmãos para lhes comunicar seu paradeiro e movimentos. “Ela e seu marido, que trabalhava de noite, não se relacionavam com os vizinhos, embora os filhos estivessem na escola”, acrescenta Ana Gómez, moradora da mesma rua em Alcolea.
O mais velho desses dois alunos se transformou hoje em um terrorista de rosto magro e barba, que ameaça atacar “os cristãos espanhóis” pelo “sangue derramado dos muçulmanos” e incita a que façam a jihad “onde estiverem”. Muhammad utilizou quase uma dezena de identidades diferentes para se movimentar nos últimos anos, dizem fontes da luta antiterrorista.
O vídeo que ameaça a Espanha com mais ataques outorga uma notável notoriedade ao jovem combatente andaluz, mas sobretudo eleva o alerta e a possibilidade real de outro atentado, como os de Barcelona e Cambrils. “É a primeira vez que o Estado Islâmico mostra um cidadão espanhol em um comunicado oficial. É um passo relevante e alarmante porque está comprovado que suas campanhas provocam mudanças de comportamento”, afirma Javier Lesaca, investigador da Universidade George Washington e autor de Armas de Seducción Masivas (Armas de Sedução em Massa). “É o primeiro vídeo que aponta diretamente para a Espanha e, sem ser simplistas, os terroristas seguem os conselhos. Sem dúvida, a ameaça contra a Espanha aumenta”, acrescenta. Lesaca argumenta que a intervenção de Muhammad em castelhano vai além porque “é um jovem de rosto agradável e culturalmente é um tipo próximo. E isto o torna mais perigoso”.

Os especialistas que analisaram os vídeos do Estado Islâmico (1.400 de um total de 10.000 campanhas de comunicação nos últimos três anos) destacam o efeito que produzem entre seus seguidores, com relação aos objetivos e os métodos para atacar, como o uso de facas e explosivos caseiros como o TATP, conhecido como a Mãe de Satanás.
A ameaça do vídeo protagonizado por El Cordobés avisa sobre Al Ándalus, que no imaginário do Estado Islâmico voltará a ser o que foi, terra do califado”, explica Muhammad, que utiliza um espanhol fluente. No entanto, outro combatente, identificado como Abu Salman Al Ándalus (Abú Salman O Andaluz), Fala um castelhano precário. “Chama a atenção a dificuldade para encontrar gente que fale castelhano. Se esses são os melhores do Estado Islâmico, isso demonstra sua dificuldade para transpor uma mensagem para o castelhano”, ressalta Manuel Ricardo Torres, professor de Ciência Política e diretor do Diploma em Análise do Terrorismo, na Universidade Pablo de Olavide, de Sevilla.
Ao contrário de idiomas como o francês, o alemão e o inglês, o espanhol continua sendo uma questão pendente para o Estado Islâmico na hora de aglutinar fiéis e se dirigir a seu público, destacam os analistas. Há dois anos José María Gil, codiretor do Observatório de Segurança Internacional, trocou mensagens por intermédio do Facebook com Muhammad, a quem define como “um dinamizador de redes” para o Estado Islâmico. “Era muito obcecado com a questão do Al Ándalus e denotava uma radicalização muito precoce. Tinha um discurso muito ideologizado, muito de panfleto e nada religioso, bem de manchetes”, resume.
“Para os rapazes que vivem excluídos nesse Al Ándalus atual, esses vídeos lhes dão ingredientes estimulantes que prescindem do aspecto religioso. Dão-lhes identidade para experimentar o processo de radicalização e poder”, alerta.
Torres enfatiza o salto qualitativo que este último vídeo representa para o jihadismo na Espanha, hoje em alerta quatro reforçado. “O Estado Islâmico herda essa fixação com Al Ándalus da Al Qaeda, embora reconheça essa visão contraditória sobre a Espanha, à qual pede que deixe de fustigar o Estado Islâmico e, por outro lado, diz que nunca se livrará de seus ataques porque ocupa o território de Al Ándalus.”