Os zineiros voltaram (e conquistaram a Flip)
Microeditoras que mesclam literatura e artes visuais em publicações não convencionais ganham espaço
Os zineiros voltaram. Mas para os nascidos após advento da Internet, a informação pode ser que não faça lá muito sentido. “Zineiro” é o diminutivo carinhoso de fanzineiros, que, por sua vez, eram os criadores, fazedores e editores dos fanzines, publicações impressas de caráter caseiro e não profissional dos anos 1980 e 1990. A volta deles, neste século XXI, contudo, vem com modificações. Desde meados de 2013, microeditoras de baixa tiragem e de confecção muitas vezes artesanal têm se proliferado. Lembrando o trabalho dos zineiros, elas publicam literatura, poesia, fotografia, quadrinhos e toda sorte de formatos que encontram vida difícil (ou impossível) no mercado de grandes editoras. Nesta 15ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), estão mais bem representadas do que nunca em duas casas com programação paralela à oficial.
Na Casa da Porta Amarela, atrás da Igreja Nossa Senhora do Rosário, construída em 1725, por exemplo, a editora Quelônio, que fez seus primeiros lançamentos em 2014, está vendendo suas publicações. Tocada pelo escritor Bruno Zeni e pela designer Silvia Nastari, a Quelônio publica em formatos não convencionais, usando diferentes técnicas como linotipo, costura manual, impressão tipográfica e carimbos “Há muita gente na mesma situação, gente que já tem uma carreira literária, mas que tem projetos que muitas vezes não se encaixam nos planos de grande escala das editoras tradicionais”, conta Zeni sobre as motivações que os levaram a abrir a editora. Queriam algo mais maleável, que pudesse ser feito com mais rapidez e sem seguir padrões editoriais rígidos.
O próprio nome Quelônio, que vem da classificação de répteis vagarosos e de casca, como tartarugas e jabutis, remete a um tempo diferente do praticado pelo mercado tradicional. O lançamento mais recente da editora é Ensaio de Vôo, um conto da escritora Paloma Vidal, que participou da Flip de 2012 e tem uma carreira já conhecida e reconhecida. “O caso da Paloma mostra bem o que estamos fazendo. Ela escreveu uma coisa diferente, que talvez não tivesse vida tão fácil nas editoras tradicionais e nós publicamos”, diz Zeni. Construir formatos híbridos, aliando texto e desenho, além de publicações em caixas ou envoltas e pôsteres, que não são propriamente livros, são outro foco.
Em frente à Quelônio, o estande da Bebel Books é outro bom exemplo de micro-editora. Em meados de 2012, a criadora, Bebel Abreu, queria um espaço para da vazão à sua criatividade e de seus amigos e, assim, de forma despretensiosa, começou a trabalhar com publicações. Hoje publica muitos livros de fotos, desenhos e diferentes formatos gráficos. Recentemente, ao criar o Suruba para Colorir – título autoexplicativo – com desenhos de diferentes artistas, viu a publicação ficar tão famosa que chegou a vender 25 mil exemplares. “Como a intenção nunca foi crescer, mas sim ficar em uma escala menor, foi algo que aconteceu apenas uma vez, mas chegamos a vender a edição para grandes livrarias, como a Saraiva e a Travessa”, conta.
Vender é uma questão para as microeditoras, não que as publicações sejam caras - costumam variar entre 20 e 60 reais, mas não estão em muitos lugares. Hoje, o mercado acontece, principalmente, em feiras de publicações próprias, como a Plana, uma das mais conhecidas, em São Paulo. Contudo, há surgido cada vez mais espaços que se abrem para essas experiências menores, como o caso da livraria Tapera Taperá e a Banca Tatuí, ambas também na capital paulista. E aí chegamos ao outro local que está atraindo muito público nessa Flip, a Casa de Papel. João Varella, um dos organizadores do espaço, é dono da Tatuí, dedicada somente ao mercado de micro-editoras, e também fundador da Lote 42, editora referência hoje no meio. A Casa de Papel reflete todo o trabalho recente dessas micro-editoras, oferecendo oficinas práticas de criação gráficas, palestras e até residências artísticas que vão durar o tempo da Festa Literária.
“Todo esse movimento das microeditoras aconteceu muito rápido e não para de crescer. Parece que, de repente, as pessoas perceberam que a curiosidade por formatos diferentes e pela coisa tátil de mexer em livros e materiais gráficos não se esgotaria por causa da internet ou por causa de ebooks”, diz Varella. Segundo ele, que trabalhou durante anos em revistas e sites da grande imprensa escrevendo sobre tecnologia, as novidades não se limitam a São Paulo ou grandes centros. Cita feiras no Rio Grande do Sul, Curitiba e até em cidades do interior paulistano, como Vinhedo. Enquanto conversava com a reportagem do EL PAÍS, foi abordado por microeditores de Fortaleza, entusiasmados para conhecer o trabalho da Lote 42 de perto. Além disso, o movimento intenso de ambas as casas atestam o sucesso que conquistaram nesta Flip. “Os zineiros voltaram, mas agora mesclando artes visuais e literatura”, diz.
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