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Deserções republicanas afundam reforma da saúde de Trump

Rejeição de quatro senadores ao projeto apoiado pelo presidente impede sua aprovação no Congresso

Jan Martínez Ahrens
Donald Trump com um chapéu de cowboy na Casa Branca
Donald Trump com um chapéu de cowboy na Casa BrancaREUTERS

A grande bandeira da direita americana vive dias agônicos. As deserções nas fileiras republicanas inviabilizaram seu maior projeto: a reforma da saúde. A lei com a qual o presidente Donald Trump pretendia demonstrar seu poderio parlamentar e liquidar o mais prezado legado de seu antecessor, o Obamacare, naufragou. Já são quatro os senadores republicanos que decidiram votar contra a iniciativa, um número exíguo, mas suficiente para tornar impossível sua aprovação em uma Câmara onde os conservadores só têm quatro cadeiras a mais que os democratas (52-48). Diante desse bloqueio, o próprio líder republicano no Senado, Mitch McConell, abandonou a iniciativa e agora planeja derrubar o Obamacare resgatando uma proposta de 2015. Um caminho que parece ter o apoio do próprio Trump, que pediu para começar um novo projeto do zero.

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Era mais que uma lei. A reforma da saúde tinha sido apresentada por Trump como o símbolo de uma nova era, que enterraria o legado de Barack Obama e uniria a direita americana sob uma mesma bandeira, mas sua tramitação mostrou justamente o oposto. Apesar de ter em suas mãos a Casa Branca, a Câmara de Representantes e o Senado, a unidade republicana é uma quimera. Não há uma direita, mas muitas; tampouco existe um projeto, mas quase tantos como grupos de pressão parlamentares. O golpe é profundo.

A debilidade de Trump já ficou exposta quando se iniciou, em março, o trâmite parlamentar da lei. Depois de assumir ele mesmo a liderança, o primeiro projeto teve de ser retirado da Câmara de Representantes por falta de apoio. O presidente, que tinha se gabado de ser o melhor negociador do mundo, o dealmaker capaz de superar qualquer divergência, viu-se obrigado a admitir seu fracasso e reiniciar uma luta, desta vez a portas fechadas, que resultou em um texto ambíguo o bastante para colher a maioria.

No Senado, a humilhação se repetiu. Longe dos holofotes, o líder republicano McConell preparou uma versão moderada da reforma e manteve alguns impostos e proteções do sistema atual, mas a perspectiva de eleições que mudassem um terço da Câmara em 2018 e o intrincado jogo de interesses que a reforma implica fizeram o projeto cambalear. Essa fragilidade ficou evidente na semana passado quando, depois da rejeição de dois senadores (Susan Collins e Rand Paul), os republicanos voltaram à estaca zero. Empatados com os democratas, só o voto de qualidade do vice-presidente Mike Pence, que preside o Senado, poderia levar adiante a iniciativa. O naufrágio era tão grande que, quando o ex-candidato presidencial John McCain anunciou que não participaria porque precisava extrair um coágulo do olho, a votação prevista para esta semana foi adiada até sua recuperação.

Foi nesse compasso de espera que os senadores Mike Lee e Jerry Moran se juntaram à negativa e puseram no congelador sete anos de agitação permanente contra o Obamacare. Longe de apoiarem a atual legislação, os dissidentes, com exceção da centrista Susan Collins, consideram que o desmonte não vai longe o bastante. “Não acaba com todos os impostos do Obamacare, não reduz os custos para a classe média nem abre espaço suficiente frente às custosas regulações de Obama”, afirmou o senador Lee, de Utah.

Com a votação bloqueada por enquanto, a saída para Trump e os republicanos é complexa. McConell, que considera perdida a intenção inicial de revogar o Obamacare e aprovar imediatamente uma nova lei, optou por outra via: ressuscitar uma proposta de 2015 (vetada por Obama) que desmantelava grande parte do sistema e que, na época, teve o apoio majoritário dos republicanos.

O caminho seria parecido ao sugerido por Trump nesta segunda-feira em um tuíte em que instava seu partido a acabar com o Obamacare e começar a elaborar um novo projeto do zero. “Os democratas vão aderir!”, escreveu Trump.

Se for adiante, esse plano dará início a outra negociação, que a oposição, em princípio, não rejeita. “Esse segundo fracasso do Trumpcare é uma prova clara de que o núcleo dessa lei é inaceitável. Antes de retomar o mesmo processo fracassado, os republicanos deveriam deveriam trabalhar com os democratas em reduzir os custos dos seguros, dar estabilidade aos mercados e melhorar o sistema de saúde”, anunciou o líder democrata no Senado, Chuck Schumer.

Ainda não se sabe qual será o resultado dessa nova fase, mas o tempo corre contra os republicanos. Não foram só os democratas que formaram uma frente unida contra a reforma da saúde. Também se opõem amplos grupos de pacientes, associações médicas e o poderoso lobby das seguradoras, que alertou que a iniciativa republicana faria os custos dispararem. Em um país onde 28 milhões de pessoas carecem de assistência médica, a briga está longe de acabar.

Um sistema de saúde complexo e débil

Foi odiada desde seu nascimento. Os republicanos consideram que a reforma da saúde de Barack Obama aumenta a burocracia federal, aprofunda o déficit e acaba com a liberdade de escolha. Quer dizer, ataca a raiz de seus fundamentos ideológicos. A realidade não é tão simples.

A lei aprovada em 2010 impôs mudanças profundas no modelo de saúde norte-americano. Criou um mercado de compra de seguros, expandiu o programa público para pessoas com poucos recursos ou portadores de deficiências (Medicaid) e acabou com abusos como a recusa das seguradoras a pacientes com doenças pré-existentes. Procurando acabar com o vazio sanitário, generalizou as penalizações a quem não contratasse um seguro e montou uma estrutura fiscal, com impostos para as rendas mais altas, para sustentar os gastos. Os resultados foram uma ampliação significativa das coberturas, com mais 20 milhões de pessoas asseguradas, mas também uma alta dos preços das apólices.

Em seu ataque ao Obamacare, os republicanos alegam que não se trata de um sistema destinado a melhorar a atenção ao paciente ou fomentar o ato médico concreto, mas a subvencionar as companhias de seguros e seus cálculos de risco. Em vista disso, propõe aliviar as cargas burocráticas, reduzir subsídios e cortar a expansão do Medicaid (que atualmente cobre 62,4 milhões de pessoas, 19% da população). Planos que podem deixar de fora milhões de beneficiários nos próximos anos e afetar seriamente os mais pobres.

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