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Crise de caixa faz Governo Temer flertar com restrições ao seguro-desemprego

Especialistas avaliam que situação fiscal crítica pode levar a mudanças nas regras dos programas

Edson Lopes Jr

O malabarismo do Governo para conseguir equilibrar as contas públicas, em meio à recessão que não dá sinais de trégua e a forte turbulência política, fez a equipe econômica cogitar medidas polêmicas para impedir um rombo fiscal ainda maior que o projetado. Uma delas foi a de reter parte do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) dos empregados demitidos para bancar o seguro-desemprego. A ideia aventada pelo Ministério da Fazenda - que chegou a pedir um estudo sobre o tema- , no entanto, sofreu uma enxurrada de críticas, principalmente de centrais sindicais, e foi rapidamente engavetada a pedido do presidente Michel Temer.

A proposta revelou, entretanto, a dificuldade do Governo para controlar as despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que paga o seguro-desemprego e o abono salarial aos trabalhadores, além de financiar programas de desenvolvimento econômico através do BNDES. Desde 2010, o fundo é deficitário e depende de aportes do Tesouro Nacional que, só no ano passado, repassou 12,5 bilhões de reais para conseguir fechar as contas do FAT. Neste ano, a estimativa é que o repasse suba para 17 bilhões de reais e, em 2018, chegue a 20 bilhões. Diante do aumento do rombo, o Tesouro tem pressionado o conselho deliberativo do fundo a encontrar soluções para tapar os buracos do FAT, já que não haveria mais recursos para que essa prática continue nos próximos anos, segundo o jornal Estado de S. Paulo. O ministério do Trabalho, onde o fundo é vinculado, não confirmou entretanto a informação.

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Segundo especialistas ouvidos pelo EL PAÍS, a situação crítica pode fazer com que o Governo mude as regras dos benefícios para dificultar o acesso ao seguro-desemprego e o abono salarial. "A princípio, esses benefícios não sofrem risco de desaparecer já que são garantias constitucionais. Mas o que pode acontecer é que eles passem por algumas mudanças para aliviar as despesas do orçamento. Algo que já foi feito antes", afirma Leonardo Rolim, consultor do Orçamento da Câmara dos Deputados. Em 2015, no Governo de Dilma Rousseff o abono salarial, por exemplo, teve as regras alteradas por um projeto de lei. O benefício, que é anual e no valor máximo de um salário mínimo, era destinado aos trabalhadores que tinham um ganho médio de dois salários mínimos. Depois das mudanças, o valor do abono passou a ser proporcional ao período trabalhado, na base de 1/12, como já acontece com o 13o salário.

Na atual conjuntura, o fim do abono - que já chegou a ser aventado em algumas ocasiões - não é provável na opinião de Rolim. "Para isso seria preciso uma PEC [Proposta de Emenda à Constituição] e o custo político dessa decisão que afetaria diretamente os mais pobres é muito alto para um Governo fragilizado. Além disso o abono é um bom incentivo para a formalização do mercado de trabalho", explica.

O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), concorda que as chances do Governo alterar as regras dos benefícios é grande. "Hoje as despesas do orçamento estão muito engessadas e estão faltando recursos em todas as áreas. Tendo em vista a sucessão de déficits, o fundo já deveria ter feito mudanças", explica. 

O dinheiro do FAT vem principalmente das contribuições pagas pelas empresas para o PIS (Programa de Integração Social)/Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público). As contas não tem fechado, no entanto, porque os gastos, a maioria obrigatórios, têm subido muito mais que as receitas. Hoje, 40% da arrecadação do FAT vai para o BNDES, prioritariamente para o financiamento de projetos empresariais que incentivem o aumento da geração de empregos. A Constituição diz, porém, que se houver insuficiência de recursos para pagar seguro-desemprego e abono, o banco público seria obrigado a devolver o dinheiro ao fundo em parcelas. "Se o Tesouro não estivesse passando dinheiro o Fundo já teria que começar buscar dinheiro do BNDES. Esse pode ser o próximo passo", explica Rolim.

O diagnóstico do boletim financeiro do FAT é de que, de um lado as despesas com seguro-desemprego e abono salarial aumentaram muito com formalização do mercado de trabalho e também com a valorização do salário mínimo nos últimos anos, o que elevou os valores gastos com os benefícios. De janeiro de 2015 a dezembro de 2016, o Governo pagou o seguro-desemprego a 14,6 milhões de pessoas. No caso do abono salarial, o aumento do mínimo faz ainda com que mais pessoas tivessem acesso ao benefício. Na outra ponta dessa conta, as receitas diminuíram por conta da política de desoneração da folha de pagamentos e também com a Desvinculação de Recursos da União (DRU), que leva 30% do montante arrecadado pelo FAT.

Appy lembra também que o fundo deveria ter uma remuneração mais adequadas sobre os recursos que estão aplicados no BNDES, já que o retorno de juros pagos pelo banco hoje ele é de no máximo 6% ao ano. "É preciso rever o relacionamento com o BNDES, talvez voltar ao juros integral", diz.

Os dois especialistas ressaltam que, para tentar reduzir os gastos com o pagamento de seguro-desemprego, o Governo também precisa desincentivar de alguma forma a alta rotatividade de mão de obra no país. "No Brasil, quanto maior a formalidade e aquecimento do mercado, maior o número de seguro-desemprego, uma vez que a taxa de rotatividade é muito elevada", diz Rolim. Appy ressalta que ser demitido no Brasil não pode continuar sendo visto como um bom negócio para o trabalhador. "Muitas vezes, a pessoa ganha, a curto prazo, mais renda quando é demitido do que quando está trabalhando. Esse é o problema do sistema brasileiro, está mal desenhado", diz.

Na avaliação do economista, outro ponto central do rombo do FAT é ele estar vinculado apenas a uma única fonte principal de receita, a arrecadação do PIS/Pasep. "Não concordo com essa segmentação do orçamento. O ideal era olhar o orçamento como um todo e avaliar se esses benefícios são mais importantes que outros programas. Poder escolher onde alocar recursos", explica.

O déficit do FAT é, no entanto, apenas uma faceta da crise do Governo de Temer que, nesta semana, precisou cancelar o reajuste nos benefícios do Bolsa Família, programado para este mês, e enviar um projeto de lei para reforçar o orçamento da Polícia Federal para que se restabeleça a emissão de passaporte, suspensa desde o dia 27 de junho. Com a retomada econômica cada vez mais longe do horizonte de 2017 e o dinheiro minguando, crescem as dúvidas da capacidade da equipe econômica conseguir atingir a meta fiscal deste ano, estimada em um déficit de 139 bilhões de reais do governo centro. "Só vão chegar a meta caso haja um aumento de receita via novos impostou ou via aumento dos tributos atuais. Mas dificilmente chegarão a ela até 2019", avalia Appy.

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