Brasil deve perder exportações de carne e já sente concorrência com EUA na China
Brasil precisa lidar com embargo dos americanos à carne bovina, crise da JBS e abertura chinesa
Nas últimas semanas, o setor de exportação de proteína bovina do país sofreu dois duros golpes, com potencial para abalar ainda mais um mercado que se recupera dos impactos da Operação Carne Fraca. No dia 20 de junho, a China, um dos maiores importadores do produto nacional – o país asiático comprou 736.576 toneladas de carne do Brasil no ano passado – , anunciou que iria abrir seu mercado de carne para os Estados Unidos. Isso bastaria para deixar os frigoríficos nacionais em polvorosa, mas foi apenas o começo de uma semana indigesta. No dia 22 de junho, os Estados Unidos baniram temporariamente a importação de carne brasileira in natura, alegando um excesso de abscessos ( acúmulo de pus no tecido do animal) nas amostras examinadas.
Dois dias antes, o Ministério da Agricultura já havia barrado as exportações de cinco frigoríficos para os EUA, alertados pela vigilância sanitária local. As plantas da Marfrig em São Gabriel (RS), Promissão (SP) e Paranatinga (MS), uma da JBS, em Campo Grande (MS), e uma da Minerva em Palmeiras de Goiás (GO). Era o início do fim de um acordo que tardou quase duas décadas para ser fechado. O mercado americano foi aberto ao produto brasileiro só em 2015, após 17 anos de muitas negociações. De janeiro a maio, foram exportadas mais de 11.000 toneladas aos americanos, equivalentes a cerca de 49 milhões de dólares. Isso representa apenas 2,7% do total de exportações brasileiras de carne fresca. A China, o principal importador, adquiriu no período 52,88 mil toneladas de carne bovina in natura, ou 219,7 milhões de dólares, conforme a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC). Embora o volume de exportação ainda não seja relevante, o mercado americano, conhecido por sua rigorosa fiscalização e padrões de qualidade para a importação de alimentos, acaba servindo de referência para que outros importadores decidam comprar carne brasileira. Uma missão do Ministério da Agricultura segue para os EUA neste mês para tentar reverter o quadro.
Desde março, depois da Operação Carne Fraca, o Serviço de Segurança e Inspeção de Alimentos do Departamento de Agricultura aumentou a fiscalização das carnes brasileiras e passou a inspecionar tudo que era procedente do Brasil.
Para José Augusto Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil, a situação do setor no momento é ruim, já que as duas notícias juntas são "péssimas". “Só a abertura do mercado chinês aos EUA já iria provocar uma redução das exportações do Brasil”, afirmou ao EL PAÍS. “Agora soma-se a isso o fechamento do mercado americano, e você terá um cenário ruim para as exportações bovinas”, diz. De acordo com Castro, a situação é ainda mais grave uma vez que os EUA são uma “vitrine” para o comércio global, e “uma medida adotada por eles pode se alastrar para outras nações”. Ele avalia que “a China claramente tem preferência pelo produto americano até por uma questão política, para se aproximar do presidente Donald Trump”.
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, manifestou preocupação com o embargo dos EUA. De acordo com ele, os negócios como o mercado americano são “guias para muitos países”, e o Brasil “pode perder muito caso a situação não seja resolvida rapidamente”. Ele ventilou a possibilidade de que a suspensão tenha sido provocada por pressão de produtores dos EUA. Mas Maggi também mencionou que os abscessos na carne examinada pelos fiscais dos EUA podem ter sido provocados pela má utilização de vacinas contra a febre aftosa.
A pasta abriu uma investigação, que deve ser concluída em até 60 dias, para apurar a causa dos abscessos na carne bovina. “É importante recuperarmos esse mercado, que serve de referência para outros países, e onde a competição é muito forte, muito dura”, disse Eumar Novacki, secretário-executivo do ministério, em entrevista coletiva recente. “O nosso produto é de qualidade e vamos demonstrar isso”, afirmou Novacki.
Para Felipe Serigati, economista do Centro de Estudos do Agronegócio da FGV, 2017 não tem sido um ano fácil para o mercado de carne bovina, já que, logo após a Operação Carne Fraca, as delações dos acionistas da JBS colocaram também em xeque uma das gigantes do setor. Dede abril o fim de abril até a semana passada, o frigorífico perdeu 40% do seu valor de mercado. Em menor escala, o Marfrig e o Minupar também registraram perdas. Na avaliação do economista, parte da retomada do setor dependerá da agilidade com que o Governo brasileiro tratará o embargo dos EUA, antes que outros países comecem a acompanhar a decisão dos americanos de banir a carne in natura brasileira. "Os consumidores europeus já vão olhar com outros olhos a carne brasileira já que ela é imprópria para os EUA. O quanto antes o ministério da Agricultura gerar as respostas que os americanos estão solicitando melhor", explica.
De fato, a medida adotada pelo Governo americano acendeu o alerta também na Europa. A Comissão Europeia afirmou que o Brasil concordou em elevar os testes de segurança realizados sobre suas exportações de carne. O embargo à carne brasileira também pode chegar a prejudicar indiretamente os países vizinhos.
"Nunca é bom que um país vizinho sofra restrições por um tema sanitário. Isso coloca em alerta todo os países compradores. O que aconteceu no Brasil também nos preocupa, mas ainda não sofremos nenhuma consequência direta", diz Miguel Schiaritti, presidente da Câmara da Indústria e Comércio de Carnes da República Argentina (Ciccra). Desde 2001, quando a Argentina escondeu um surto de aftosa que contabilizou mais de 2.000 casos, os Estados Unidos e outros mercados pelo mundo baniram a carne argentina. Schiaritti acredita, no entanto, que neste ano, os dois países devem chegar a um acordo.
No Brasil, alguns focos de febre aftosa também foram identificados em 2005 no Mato Grosso, mas há anos o país exporta com status de livre da doença com aplicação de vacinas. "Somos o único país que conseguimos exportar com esse status de livre com vacina. Foi um esforço grande conseguir voltar a vender para os EUA, não podemos perder assim", explica Serigati da Agro FGV.
A ABIEC afirmou que não recebeu, até o momento, novas notificações de países referentes à suspensão de importações de carne bovina do Brasil. Em nota, a associação afirmou que medidas corretivas para adequação dos processos produtivos já estão sendo tomadas, buscando atender às exigências solicitadas pelo mercado norte-americano, para a retomada das exportações. "Considerando as questões técnicas e referentes à inspeção, acreditamos que o caso tenha sido resolvido. Aguardamos as medidas que serão tomadas com relação à vacina", diz a nota.
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