Por que grupos indígenas protestavam durante a discussão da reforma trabalhista?
Acampamento Terra Livre ocorre "em meio à maior ofensiva contra os direitos dos povos originários nos últimos 30 anos"
Enquanto deputados debatiam energicamente nesta terça-feira na Câmara a reforma trabalhista – votada no plenário nesta quarta –, milhares de indígenas protestavam nas portas do Congresso. Imagens de índios com cocares e arco e flecha em Brasília, sendo reprimidos por forças policiais, tomaram as televisões e redes sociais. Mas o que eles faziam do lado de fora do Congresso, num momento de tanta tensão lá dentro? Eles tentavam depositar no espelho d'água do Congresso 200 caixões que representavam líderes de movimentos mortos nos últimos anos. Foram recebidos com bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta pela Polícia. Reunidos em Brasília entre os dias 24 e 28 de abril no Acampamento Terra Livre (ATL), uma mobilização anual que acontece desde 2004, reúne várias etnias, os grupos pressionam por mais demarcações de terras e protestam contra o enfraquecimento da Fundação Nacional do Índio (Funai) – órgão do Governo responsável por ditar a política indigenista e coordenar o processo de demarcação de terras.
Para divulgar sua causa, a Mobilização Nacional Indígena ganhou um apoio de peso no mundo cultural. O movimento divulgou nesta segunda-feira uma canção de protesto em que 25 artistas – como Ney Matogrosso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Zeca Pagodinho, Céu, entre outros – pedem e cantam por "demarcação já!". A música, composta por Chico César e o letrista Carlos Rennó, diz assim em um de seus trechos: "Pelo respeito e pelo direito/ À diferença e à diversidade/ De cada etnia, cada minoria,/ De cada espécie da comunidade/ De seres vivos que na Terra ainda há,/ Demarcação já!/ Demarcação já!"
O acampamento deste ano é considerado um dos maiores já feitos segundo os organizadores – que calculam que 3.000 pessoas estão presentes – e ocorre, assim como o lançamento da canção de protesto, "em meio à maior ofensiva contra os direitos dos povos originários nos últimos 30 anos".
A questão indígena voltou aos holofotes ainda no final do Governo de Dilma Rousseff (PT), que acelerou a homologação de algumas demarcações de terra para reforçar o apoios dos movimentos sociais contra seu processo de impeachment. A insatisfação já era grande, uma vez que seu Governo reforçou a aliança com setores ruralistas e foi o que menos demarcou terras desde a promulgação da Constituição de 1988. Com Temer, a tensão aumentou. Seu Governo vem apresentado para dirigir a Funai nomes rejeitados pelos movimentos indígenas. Após cogitar a nomeação do general Roberto Sebastião Peternelli (PSC), repudiado fortemente pela sociedade civil, o presidente finalmente emplacou, sete meses após assumir o cargo, o dentista Antônio Fernandes Toninho Costa, também do PSC. Em uma entrevista para a BBC Brasil, este chegou defender a exploração de madeira e a mineração em terras indígenas.
Sob Costa, a Funai extinguiu 347 cargos e fechou 50 coordenadorias locais, que funcionavam como prepostos de atendimento direto da comunidade indígena local. Mas o próprio Costa foi vítima de diretrizes do Governo que resultaram em sua demissão na semana passada. Ele negou indicações que partiram do ministro da Justiça Osmar Serraglio (PMDB-PR), a quem a Funai está submetida. O PSC deverá nomear seu substituto.
Histórico de demarcações
A falta de demarcações de terras não é, entretanto, uma novidade do Governo Temer. Os movimentos indígenas viram suas demandas ignoradas também nos últimos anos de Governo do PT, historicamente simpático a esses grupos. Nesta terça, a senadora petista Gleisi Hoffmann, do Paraná, colocou um cocar em solidariedade aos índios, mas foi amplamente criticada nas redes sociais. Ela está vinculada a grupos ruralistas de seu Estado e, quando foi ministra da Casa Civil de Dilma Rousseff, disse o seguinte a demarcação de terras indígenas: "O governo não pode e não vai concordar com minorias com projetos ideológicos irreais".
Em números concretos, Rousseff homologou apenas 18 demarcações entre 2011 e 2015, enquanto o ex-presidente Lula (2003-2010) realizou 79 homologações – uma delas foi a Raposa Serra do Sol (Roraima) em 2005, considerada uma das demarcações mais importantes. Já o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso homologou 145 demarcações; Itamar Franco, 18; Fernando Collor, 112 – entre elas o território dos Yanomamis, na Amazônia –; e José Sarney, 67. Os dados são do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que registrou 54 assassinatos de líderes indígenas só em 2015.
Especialistas consultados pelo EL PAÍS explicam que as principais terras foram demarcadas ao longo dos anos 90 e que é natural que haja menos áreas a serem protegidas. Mas também apontam para o fortalecimento da bancada ruralista nos últimos governos, que tentaram conciliar o agronegócio com a agricultura familiar e a questão indígena. Além disso, a aposta em grandes obras, como a da usina hidrelétrica de Belo Monte, não só foram em direção contrária ao que pregam esses movimentos como também expulsou comunidades locais de seus territórios.
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