Alemanha já passou por seu ‘caso Odebrecht’ com a Siemens
Em 2005 a Justiça alemã descobriu que a gigante de tecnologia tinha uma rede internacional de distribuição de subornos, inclusive no Brasil
Em 1856, ao abandonar a localidade alemã de Greifswald rumo ao Brasil, o cartógrafo e engenheiro Emil Odebrecht teria considerado impossível imaginar que quase um século mais tarde seu neto Norberto fundaria o maior grupo da construção da América Latina. Agora que o escândalo dos subornos arrastou o nome Odebrecht e obriga a empresa a pagar multas milionárias, a família proprietária poderia olhar para o país de seu antepassado em busca de uma história com certos paralelismos: a que sacudiu a Siemens, uma das empresas com nome de mais prestígio na Alemanha, completa agora uma década.
Entre multas, pagamentos a assessores, advogados e à Fazenda, calcula-se que o escândalo acabou custando à empresa alemã uns 2,5 bilhões de euros (8,35 milhões de reais). Além disso, em 2007 custou a cabeça do então presidente-executivo, Klaus Kleinfeld, e do presidente do conselho de supervisão, Heinrich von Pierer.
Em 15 de novembro de 2006 ficou claro que as investigações abertas um ano antes eram sérias. Nesse dia, cerca de 300 investigadores irromperam em mais de 30 escritórios do conglomerado Siemens e nas residências de altos dirigentes. Buscavam provas de um sistema organizado de subornos que a gigante alemã havia estabelecido em numerosos países para ganhar contratos. E as encontrariam.
O escândalo dos subornos colocou um espelho deformado diante de uma empresa que via a si mesma como um modelo. Como ocorreria uma década depois com as manipulações maciças de emissões de gases poluentes pela Volkswagen, foram reveladas práticas irregulares arraigadas na estrutura da empresa. Segundo The Wall Street Journal, desde 1997 existia um código que permitia decifrar a quanto chegariam as comissões que a empresa pagava para conseguir contratos. Assim, uma mensagem tão simples como “Deixe no arquivo APP”, significava, na realidade, que a comissão a pagar era de 1,55%. A letra A correspondia a 1 e a P, a 5.
À medida que avançavam as investigações, as revelações até então conhecidas iam ficando pequenas, e o escândalo crescia sem cessar. No final do processo, os investigadores identificaram cerca de 4.300 pagamentos ilegais que afetavam mais de 330 obras. Na Argentina, uma filial da Siemens pagou 40 milhões de dólares (125 milhões de reais) para conseguir o contrato da fabricação dos documentos de identidade do país; em Israel, repassou 20 milhões (63 milhões de reais) a membros do Governo para construir centrais elétricas; na Venezuela foram pagos 16 milhões (49 milhões de reais) para a construção de linhas ferroviárias. No Brasil, pagou 8 milhões de euros a representantes de funcionários públicos para ter preferência em obras do Metrô de São Paulo entre 2001 e 2002. Diferentes ações que envolvem a companhia correm na Justiça brasileira. Toda uma rede internacional de suborno. Nas palavras de Gerhard Cromme, antigo presidente do conselho de supervisão, a empresa formou um “universo paralelo” que permitia essa rede de clientes. Um dos pontos culminantes no caso Siemens foi o pagamento de uma multa de 1,6 bilhão de dólares (5 bilhões de reais) às autoridades europeias e norte-americanas em dezembro de 2008.
Este escândalo não foi uma exceção na Alemanha. Empresas como MAN, Daimler, Telekom, Bahn e Ferrostaal enfrentaram problemas parecidos. Até o final de 1999, na Alemanha os subornos a governantes estrangeiros não só não eram um crime como ainda podiam ser deduzidos como gastos extraordinários na declaração de impostos, até 10% sem recibos. A partir de 2002 os subornos passaram a ser penalizados também para outras pessoas, mesmo que não ocupassem cargos públicos.
O processo também serviu para que a partir de então a Siemens se assegurasse de que algo assim nunca voltasse a ocorrer. A empresa, que, segundo um investigador, “havia transformado os subornos em seu modelo de negócio” se empenhou em mudar a cultura reinante. Em poucos meses, substituiu 80% de seus executivos mais altos, 70% dos de segundo escalão e 40% dos de terceiro.
Foi prometida anistia total para os funcionários que reconhecessem ter participado de atos fraudulentos, mas os que fossem descobertos sem confissão prévia seriam fulminantemente despedidos. Cerca de 130 empregados admitiram seus pecados e deram informações sobre o dinheiro que tinha servido para comprar vontades.
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