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Odebrecht: o império que perdeu a guerra para a Lava Jato

A homologação dos acordos de delação de 77 ex-funcionários coroa a crise da empresa, que já levou à venda de diversos ativos

Um dos prédios da construtora em Caracas, na Venezuela.
Um dos prédios da construtora em Caracas, na Venezuela.CARLOS GARCIA RAWLINS (REUTERS)
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No último relatório da empresa, divulgado no ano passado, Emílio Odebrecht, presidente do Conselho de Administração da Odebrecht S.A., começa sua mensagem com um recado direto: "O ano de 2015 foi crítico para a organização". "Embora nossas operações tivessem mantido a performance de anos anteriores, como demonstram os diversos indicadores publicados neste relatório, vivenciamos uma crise institucional sem paralelo em nossa história, cujas razões são de conhecimento público", continuava o atual patriarca da empresa, criada por seu pai, Norberto, em 1944, e que encolheu à medida em que o cerco da Lava Jato contra seus executivos aumentou.

Até maio de 2015, a Odebrecht passava quase sem arranhões pelas investigações da Lava Jato, mas tudo mudou em junho daquele mesmo ano, quando Marcelo, presidente da empresa e filho de Emílio, foi preso. Desde então, a construtora, uma das principais da América Latina, teve que vender ativos para diminuir suas dívidas, viu seu risco de calote ser elevado por avaliadoras de risco, foi proibida de fazer negócios com países da América Latina e ficou sem 77 de seus funcionários, incluindo principais executivos, que, de uma maneira ou de outra, tiveram envolvimento com corrupção e optaram por assinar uma delação premiada para diminuir suas penas, o que foi homologado na última segunda-feira pela presidenta do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia.

O primeiro balanço da empresa divulgado após a prisão de Marcelo também revelou o tamanho do problema financeiro gerado pela Lava Jato. A Odebrecht registrou um prejuízo de 297,7 milhões de reais em 2015, após ter alcançado um lucro líquido de 493,5 milhões no ano anterior. O balanço de 2016 ainda não foi publicado, mas a agência de classificação de risco Fitch acredita que, neste ano, as receitas da Odebrecht devem cair 15% sobre 2015. Segundo estimativas da agência, que rebaixou a nota de crédito da construtora há duas semanas e, basicamente, afirmou que, agora, o risco de que a construtora dê calotes é maior.

A avaliação da Fitch foi baseada também no acordo de leniência que a empresa teve de assinar com os Governos dos Estados Unidos e da Suíça, outra consequência das investigações da Lava Jato. O acordo inclui uma parte brasileira, que está para ser homologada pela Justiça. Junto à Braskem, seu braço petroquímico, a empresa se comprometeu a arcar com uma multa total de 3,5 bilhões de dólares (quase 12 bilhões de reais) após assumir ter pago subornos em troca de obras em diversos países. "A capacidade de a companhia recompor a sua carteira de obras foi adicionalmente impactada após a divulgação de detalhes do acordo de leniência. As informações publicadas ampliaram o risco de imagem da empresa e desencadearam uma série de investigações em países onde a companhia opera", ressalta a nota da agência.

O analista Alexandre Garcia, da Fitch, explica que o acordo acabou expondo as negociatas da empresa em detalhes em muitos países, o que afetou a imagem da construtora fora do país. "O problema é o dano reputacional causado e a forma como isso está sendo explorado politicamente nesses países. Isso dificulta a obtenção de novos contratos", explica. A analista Renata Lotfi, da Standard & Poor's, pondera que o o acordo de leniência alivia um pouco as preocupações dos investidores quanto à continuidade dos negócios da empresa, mas concorda que os efeitos da Lava Jato para a reputação da empresa ainda são incertos. "A grande questão é se a empresa terá capacidade de ganhar novas obras e sustentar uma estrutura de capital com o novo tamanho da construtora, que está vendendo seus ativos para equacionar o prejuízo", explica. Ao EL PAÍS, a Odebrecht refuta as afirmações e afirma, por meio de sua assessoria, que o acordo de leniência traz mais transparência e, com isso, atrai mais investidores.

Os efeitos do acordo de leniência, de qualquer forma, já trouxeram efeitos colaterais danosos. No final do ano passado, o Governo do Peru proibiu a Odebrecht de participar de novas licitações no país. Poucos dias antes, o mesmo havia sido feito pelo Panamá, que afirmou também que trabalhará para que a construtora devolva a concessão de uma hidrelétrica que tem no país

Para saldar suas dívidas, a empresa fez um plano de reestruturação, em que se determinou que seria preciso vender parte de seus ativos, num valor que deveria totalizar 12 bilhões de reais. O plano do conglomerado é focar em dois negócios: o setor da construção e a petroquímica Braskem.  Em junho de 2016, a Odebrecht Latinvest, que controla concessões no Peru e na Colômbia, vendeu 57% da concessão rodoviária Rutas de Lima, no Peru, e, em novembro, 100% das concessões de um projeto de irrigação que possui no mesmo país. Em outubro, a empresa vendeu a Odebrecht Energias Alternativas, que detém o Complexo Eólico Corredor do Senandes, no Rio Grande do Sul, além de sua participação de 70% na Odebrecht Ambiental, sua linha de negócio no setor de saneamento. E ainda busca compradores para uma usina hidrelétrica e um gasoduto no Peru, e negocia a venda de participação em um bloco de petróleo em Angola. Com isso, a empresa conseguiu fazer caixa e aumentar sua liquidez.

Na avaliação do economista Paulo Furquim de Azevedo, do Insper, a decisão de assinar o acordo de leniência pode ser considerado um passo bastante estratégico para a sobrevivência da empresa.  "Ao fazer esse acordo ela atenua a pena, diminui os valores das multas e, mais importante, volta a poder participar de projetos de licitações públicas, o que é essencial para uma construtora", explica. Ainda segundo Azevedo, a partir de agora a Odebrecht terá que adotar um programa de regras de compliance [ou seja, que esteja de acordo com a legislação] e governança da empresa. "O que significa uma mudança de comportamento grande da empresa, que pode ajudar a melhorar sua reputação.”

Ainda que seja difícil avaliar se a conseguirá conseguirá sobreviver aos efeito da Lava Jato, Azevedo acredita que, após o primeiro período de forte perda financeira, a construtora pode trilhar um caminho de recuperação, como aconteceu com a multinacional alemã Siemens.  Após se envolver em um grande escândalo de cartel em várias partes do mundo, inclusive no Brasil,  a empresa alemã assinou um acordo de leniência e virou uma empresa exemplar. "Ela conseguiu modificar a reputação de uma empresa que é contraventora para uma que tem uma situação exemplar. A Siemens hoje está caminhando financeiramente muito bem", explica o economista. Assim como a Odebrecht, a empresa alemã precisou vender muitos ativos para fazer frente a todo ônus gerado pelo escândalo de corrupção. "A empresa se enxuga, mas fica mais sólida e menos vulnerável. Desenha um caminho mais próspero e sustentável", afirma.

Brigas familiares

Mas não foram apenas as atividades da empresa que foram afetadas pelas investigações da Lava Jato. O dilema entre participar ou não das delações, que assolou os dirigentes da empresa por alguns meses, também teria desestabilizado as relações entre Marcelo e o pai, Emílio, relata uma reportagem do portal UOL. Enquanto o filho, tido como mais agressivo nas relações com os políticos, resistia a assinar o acordo, o pai defendia que o acordo fosse feito, porque assim acreditava que poderia salvar a imagem da empresa e, com isso, os negócios. No final do ano passado, a empresa reconheceu seus erros e pediu desculpas para a sociedade, algo que pode ser considerado inédito no Brasil em se tratando de um grupo com o tamanho e o poder da Odebrecht.

Também há divergência entre pai e filho em relação aos rumos da empresa. Emílio quer abrir o capital e vender ações em bolsa – o que ajudaria a levantar capital —, enquanto Marcelo, não. Um argumento é que isso melhoraria a imagem de transparência do grupo, já que companhias abertas precisam publicar dados sobre a situação econômica e os investimentos com frequência. Mas a ideia, que prevalece atualmente é que a abertura de capital deve acontecer, mas apenas quando a construtora se recuperar financeiramente, para ter mais valor. Emílio também deverá se retirar do conselho da empresa em dois anos, afastando todo o clã do comando e profissionalizando a gestão. A família se tornaria, assim, apenas investidora.

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