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Vargas Llosa: “EL PAÍS representou uma revolução de modernidade na Espanha”

O ganhador do Nobel, Juan Luis Cebrián e Antonio Caño dialogam na Feira de Guadalajara sobre os 40 anos do EL PAÍS e os desafios do futuro

Jan Martínez Ahrens

Passado e futuro. Os estertores do franquismo e o universo fractal da Internet. Esses dois mundos se encontraram na tarde de domingo na Feira Internacional do Livro de Guadalajara (México). Em um diálogo a três vozes, o prêmio Nobel Mario Vargas Llosa, o presidente do grupo PRISA, Juan Luis Cebrián, e o diretor do EL PAÍS, Antonio Caño, repassaram os 40 anos do jornal mais lido em língua espanhola e debateram sobre seus desafios num ambiente submetido a mudanças vertiginosas. A crise do papel, a vitória de Trump e o ressurgimento do nacionalismo dominaram a conversa, mas também a contribuição social e cultural feita pelo jornal desde seu nascimento. “O EL PAÍS representou uma revolução de modernidade na Espanha e no âmbito da língua espanhola, serviu de ponte com a América Latina e serve para romper o divórcio entre ambos. Rapidamente se tornou um dos jornais mais influentes e respeitados do mundo. E continua sendo”, afirmou Vargas Llosa.

Da esquerda p/ a direita, Juan Luis Cebrián, Mario Vargas Llosa e Antonio Caño.
Da esquerda p/ a direita, Juan Luis Cebrián, Mario Vargas Llosa e Antonio Caño.Ulises Ruiz
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A história gosta de coincidências. Em 1964, Juan Luis Cebrián pediu um estágio na agência France Presse, em Paris. O funcionário que atendeu o jovem jornalista espanhol lhe disse que tinha tido muita sorte, porque poucos dias antes um peruano que ocupava o posto o deixara, porque havia ganhado um prêmio literário e queria se dedicar a escrever. “Pode se sentar na sua cadeira”, orientou o funcionário a Cebrián. A vaga era de Vargas Llosa. “Desde então, sempre tive a ilusão de que alguma coisa dessa cadeira grudou em mim”, brincou Cebrián, que foi o primeiro diretor do EL PAÍS.

O escritor Mario Vargas Llosa na Feira Internacional do Livro de Guadalajara.
O escritor Mario Vargas Llosa na Feira Internacional do Livro de Guadalajara.U. Ruiz

Agora, mais de 50 anos depois, Cebrián e Vargas Llosa são velhos conhecidos, trabalham lado a lado na Real Academia Espanhola e compartilham uma paixão comum: o EL PAÍS. “Quando foi lançado, em 1976, introduziu a modernidade num universo antiquado. O jornalismo espanhol era arcaico, e os jornais eram muito malfeitos. Ao chegar à Espanha pela primeira vez, me surpreendeu encontrar um jornalismo ainda pior que o peruano. Mas o EL PAÍS abriu as portas para a liberdade e se vinculou intimamente com a Transição”, disse Vargas Llosa. Essa abertura se combinou com um cuidado especial pelo mundo da cultura e um olhar global. “Trouxe o resto do mundo para a Espanha e o hierarquizou. Em pouco tempo se tornou um dos mais influentes e respeitados do planeta. E assim continua sendo”, insistiu o Nobel.

A capacidade inovadora do jornal teve sua origem numa equipe muito jovem, liderado por Cebrián, na época com 31 anos, e uma direção empresarial, representada por Jesús de Polanco e José Ortega Spottorno, decidida a contribuir para a modernização do país. “Queríamos fazer um jornal que tirasse a Espanha do gueto e que defendesse a democracia frente à impermeabilidade cultural e a opressão moral”, explicou Cebrián.

Quarenta anos depois de chegar às ruas, o sucesso do jornal, que mantém sua absoluta primazia na imprensa espanhola, enfrenta novos desafios. A Internet significou uma convulsão histórica e colocou em xeque o modelo tradicional do jornal de papel. Mas, como destacou Antonio Caño, também representa uma oportunidade. "A rede permitiu multiplicar o número de leitores, e os produtos de qualidade vão ganhando espaço”, disse o diretor do EL PAÍS.

O presidente do Grupo PRISA, Juan Luis Cebrián, na Feira Internacional do Livro de Guadalajara.
O presidente do Grupo PRISA, Juan Luis Cebrián, na Feira Internacional do Livro de Guadalajara.U. Ruiz

Neste ponto, Vargas Llosa manifestou seu temor de que Internet acelere a banalização da cultura. “Espero que o papel não desapareça, porque seria um empobrecimento. As redes romperam a censura, mas introduzem confusão e não são confiáveis. A tela tende a trivializar a realidade; não confio em um mundo que se informe por telas”, disse o escritor.

Diante desse horizonte de incerteza, o presidente do PRISA enfatizou que, além da crise dos jornais, o planeta assiste a uma mudança de civilização. “Vivemos um momento confuso: o populismo e a xenofobia crescem, e um palhaço delirante pode chegar a presidente dos Estados Unidos. É a hora de lutar pela defesa da democracia”, afirmou Cebrián.

Entre os riscos que caracterizam este presente tão instável e que ameaçam as sociedades abertas Vargas Llosa destacou o ressurgimento dos nacionalismos, um fenômeno que parecia derrotado e que propiciou fatos tão traumáticos como o Brexit. Nesse sentido, o Prêmio Nobel elogiou a linha editorial adotada pelo EL PAÍS frente ao que denominou de nacionalismos periféricos. “Um jornal não pode ser neutro, precisa enfrentar os problemas mesmo que perca leitores”, disse.

O diretor de EL PAÍS, Antonio Caño na Feira Internacional do Livro de Guadalajara.
O diretor de EL PAÍS, Antonio Caño na Feira Internacional do Livro de Guadalajara.U. Ruiz

O diretor do EL PAÍS afirmou que a defesa da linha editorial deve ser feita de forma equilibrada, sem mudanças bruscas, e elogiou o papel dos mecanismos internos de controle do jornal, como a Defensora do Leitor e o Comitê de Redação. E, no plano externo, recordou as dificuldades que o jornalismo livre enfrenta por causa da crescente intolerância à crítica que há na Espanha. “Muitos se acostumaram a andar num ambiente de veículos feitos à sua imagem e semelhança, e se esquecem de que o papel central de um jornal é criticar”, explicou Caño.

“Também me preocupa o aumento do nacionalismo, sobretudo, o nacionalismo espanhol. Uma confrontação dessa espécie na Espanha pode ser desastrosa”, disse Cebrián, que neste período de “mudança complexa” recomenda se aferrar aos grandes princípios do jornalismo. “O rigor na informação, a liberdade de opinião e o respeito aos leitores. Esses são os valores pelos quais temos que lutar”, concluiu.

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