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Escândalo de abuso sexual abala o futebol inglês

Vários ex-jogadores se atrevem a denunciar o pesadelo sofrido nas mãos do ‘monstro’ Barry Benell

Pablo Guimón
O centro de treinamento do Crewe, onde Andy Woodward sofreu os abusos.
O centro de treinamento do Crewe, onde Andy Woodward sofreu os abusos.Martin Rickett (AP)

O “monstro”, como Barry Bennell se definiu diante do juiz, gostava de meninos morenos, vulneráveis e muito jovens. O pequeno Andy Woodward se encaixava no perfil quando, com apenas 11 anos, começava a destacar nos círculos do futebol escolar de Stockport, na periferia de Manchester.

Bennell, durante três décadas um reputado olheiro de jovens promessas do futebol no noroeste da Inglaterra, além de pedófilo contumaz, notou o jovem zagueiro. Deu-lhe uma chance no Crewe Alexandra, um clube que disputa divisões inferiores e desde o começo dos anos oitenta é considerado um exemplo de gestão nas categorias de base.

Woodward era um menino louco por futebol. Quis ver no Crewe o princípio do seu sonho, que no entanto virou um horripilante pesadelo de abusos sexuais que destruíram sua carreira e sua vida. Um terrível segredo que contou à polícia em 1998 e que agora, aos seus 43 anos, decidiu tornar público, com a esperança de que seu depoimento anime outros a denunciarem um fenômeno que considera ir muito além de um caso isolado.

O desenrolar dos fatos parece lhe dar a razão. Desde que Woodward contou sua experiência no The Guardian, há uma semana, outros cinco ex-jogadores romperam seu silêncio para denunciar publicamente os abusos de Bennell. A polícia afirma ter colhido nos últimos dias mais de 10 depoimentos de supostas vítimas do treinador. O escândalo transcende o Crewe, e Bennell não é o único técnico denunciado. A Sociedade Nacional para a Prevenção da Crueldade contra Crianças criou uma linha telefônica especial que em apenas 24 horas recebeu meia centena de denúncias.

Andy Woodward, em uma foto de 1999.
Andy Woodward, em uma foto de 1999.Malcolm Croft (AP)

O segredo que corroía Woodward, e do qual ele decidiu se livrar em 16 de novembro, é terrível. Bennell – a quem um colega do Manchester City comparou ao flautista de Hamelín, pela influência que exercia sobre as crianças – violentou sexualmente Woodward em incontáveis ocasiões, centenas delas, entre os 11 e 15 anos.

O caso segue o padrão clássico do abuso sexual no futebol. Vergonha paralisante, chantagens, ameaças psicológicas e físicas – Bennell, afinal, era um mestre do nunchaku (arte marcial oriental, praticada com bastões e correntes). Neste caso, some-se o futebol como elemento de controle: Bennell se encarregava de recordar a Woodward que a qualquer momento podia fazê-lo sumir, e que o sonho que representava tudo para o menino nunca se realizaria.

Sua história tem um giro macabro quando Bennell começa a ter uma relação com a irmã mais nova de Woodward, de 16 anos. “Ele era muito mais velho que ela, e no começo não queria que as pessoas soubessem, então me disse que eu não voltaria a jogar futebol na minha vida se eu dissesse uma palavra. Eu estava morto de medo, porque a essa altura ele já exercia um poder absoluto sobre mim”, recorda no The Guardian.

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Quando a relação se tornou pública, Woodward precisou conviver com seu abusador jantando todos os domingos na casa dos seus pais, dividindo conversas e risos com sua família. Em 1991, eles se casaram, e o homem que durante anos explorou, manipulou e abusou de Woodward se tornou seu cunhado.

Enquanto isso, sua promissora carreira futebolística se desvanecia, numa espiral de depressão e ansiedade. Mais de uma vez ele simulou contusões para ocultar ataques de pânico. Tentou o suicídio, reconhece, em até dez ocasiões.

Centenas de menores

O temor de Woodward é que Bennell tenha abusado de centenas de menores. Estaríamos diante de uma versão futebolística de Jimmy Saville – o apresentador da BBC que, um ano depois de sua morte, em 2013, foi apontado como autor de centenas de abusos pedófilos.

Woodward se sente decepcionado com o mundo que cerca o esporte com o qual cresceu, com essa nociva cultura de que nada deveria ser exposto do vestiário para fora. “Durante todos estes anos, muita gente no Crewe falava disso”, conta. “Outros jogadores me diziam: ‘Certamente ele faz isso com você, sabemos que ele faz’. Existia toda aquela fanfarronice do vestiário. Mas depois, fora do clube, nunca se falava disso. Assim funcionava o futebol. Ninguém queria romper o círculo de confiança.”

Tentativas anteriores de lançar luz sobre os infernos de Bennell, como um documentário do começo dos anos noventa, esbarraram no hermetismo do ambiente esportivo. Nem a cúpula do Crewe nem a Football Association (órgão que comanda o futebol profissional inglês) se mostraram dispostos a investigar. O mundo do futebol não estava preparado para escutar naquela época. Agora, forçado pelas histórias das vítimas, parece que não terá remédio senão refletir sobre como permitiu que meninos que sonhavam com a glória do futebol fossem destruídos por monstros.

O “monstro” segue sabendo como assustar

A denúncia de outra vítima detonou uma investigação policial que incluiu acusações de abusos em acampamentos na Espanha e Estados Unidos. Bennell, que tem atualmente 62 anos, cumpriu quatro anos de prisão na Flórida por ter atacado um menino de 13 durante uma excursão esportiva. Em 1998 foi deportado para o Reino Unido, onde foi condenado a outros seis anos após admitir 23 delitos sexuais. Em 2015 voltou à prisão para cumprir outra pena de dois anos por abusar de outro menino durante um acampamento de futebol. Hoje, segundo a BBC, está em liberdade e vive sob o nome falso de Richard Jones na localidade de Milton Keynes.

Mesmo dentro da prisão, Bennell soube encontrar maneiras para exercer um controle mental sobre suas vítimas. Escreveu cartas a jogadores que treinaram durante todos esses anos. Nelas, não oferecia explicação alguma nem dava sinais de arrependimento. Pedia-lhes um favor: que lhe enviassem dinheiro, por motivos que não explicava. E, de passagem, demonstrava que o monstro ainda sabia como contatá-los.

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