Os desafios das pesquisas eleitorais: polarização política e novas tecnologias
Para especialistas, há uma confusão sobre o papel das pesquisas e uma supervalorização dos erros, mas é inegável que há desafios
Durante a madrugada de terça (8) para quarta-feira (9), quando foi anunciada a vitória de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, comentaristas de toda parte apontaram dedos em riste para os mais diversos institutos de pesquisa norte-americanos. Praticamente nenhum deles, diziam, tinha antevisto o desfecho das eleições. Em pouco, o assunto reverberou. Só este ano, o mundo foi surpreendido por mais dois acontecimentos impactantes que não foram previstos: o “sim” pela separação do Reino Unido da União Europeia, no que ficou conhecido como Brexit; e o “não” pelo acordo de paz entre o Governo colombiano e as FARC. Assim, a pergunta que ficou no ar é: estariam os institutos de pesquisa, em todo canto, obsoletos, incapazes de retratar as tendências de opinião da sociedade?
O caso não é bem esse, dizem especialistas ouvidos pelo EL PAÍS. Começando pelos EUA, a maior parte das pesquisas nacionais acertou ao apontar uma vitória de Hillary pelo voto popular. A diferença no pleito foi apertada, com apenas 200.000 votos a mais para ela, então, na verdade, qualquer resultado estaria dentro da margem de erro. Nas pesquisas Estaduais, que renderam a vitória para Trump, também não houve registro de equívocos grosseiros, com algumas exceções como nos Estados de Wisconsin e Michigan. “Dá para dizer que em algo como 95% dos casos, as pesquisas acertaram ou ficaram dentro da margem de erro em cada Estado. A verdade é que em momentos como esse a atenção ao erro é completamente desproporcional”, diz Maurício Moura, economista e diretor da consultoria Ideia Inteligência.
Segundo o diretor do DataFolha, Mauro Paulino, também existe uma leitura equivocada das pesquisas. “Elas não são projeções do futuro, mas representação de um cenário até determinado momento”, argumenta. Mesmo assim, como explicar que a quase totalidade das projeções apontaram para uma vitória de Hillary? Bom, a explicação, agora sim, passa pelos desafios impostos pelas novas tecnologias e novos tempos políticos. E ela vale não apenas para o caso americano, mas também para o colombiano e britânico.
Para o diretor do Instituto Análise, Alberto Carlos Almeida, a alta polarização política que diferentes países têm presenciado faz com que os institutos tenham que trabalhar obrigatoriamente com a margem de erro, o que torna o trabalho mais árido. “Nos casos de Colômbia e Brexit, por exemplo, estamos falando de diferenças muito pequenas na decisão”, comenta. A polarização, além disso, ainda tem reflexos no chamado “voto envergonhado”, em que os entrevistados não declaram em quem vão votar até o momento em que estão sozinhos na urna. “Em cenários de alta polarização e dependendo do ambiente em que a pessoa vive, há muita gente que acaba não declarando seu voto por medo ou vergonha”, argumenta Carlos Almeida.
Além do ambiente polarizado, existe a questão da velocidade de circulação de informação. “As últimas semanas de uma eleição, que são tradicionalmente mais quentes, ficaram ainda mais intensas com as redes sociais. As informações circulam muito mais rápidas e as pessoas estão deixando para definir o voto cada vez mais em cima”, comenta Paulino. Para ele, o desafio que se impõe agora para os institutos de pesquisa é adaptar as formas clássicas de se fazer pesquisa a essa nova realidade em que o comportamento político está cada vez mais polarizado e em que a veloz troca de informação mudou a forma como as pessoas lidam com as decisões.
A CEO do Ibope Inteligência, Marcia Cavallari, revela que uma pesquisa do instituto, feita após as eleições municipais no Brasil, mostrou que cerca de 13% das pessoas já declaram escolher seus candidatos com base em informações lidas em redes sociais, sites de notícias e blogs. Além disso, 15% das pessoas disseram fazer a opção pelo candidato nos últimos dias da corrida eleitoral e – mais expressivo – 19% disseram ter decidido no dia da votação. “Os dados mostram bem os novos desafios impostos pelas pesquisas. Nós, por exemplo, já estamos testando modelos de pesquisas híbridas, com uso de questionários pela internet e smatphone, mas ainda é um teste”, comenta Cavallari. Segundo ela, os institutos de pesquisa tem um desafio tão grande quanto qualquer outra empresa ou instituição que trabalhe com informação.
Desafios do futuro e o caso brasileiro
“A derrota de Hillary se explica também pelo fato de que houve ausência de grande parte de seu eleitorado no dia do pleito”, diz Felipe Nunes, professor de ciência política na Universidade da Califórnia, em San Diego. Segundo ele, em países com o voto facultativo, isso tem se tornado cada vez mais uma questão para os institutos de pesquisa. Muitas vezes as pessoas declaram voto em determinado candidato e no dia de votar simplesmente não aparecem. A ausência do eleitorado nas urnas e os votos brancos e nulos também tem se tornado uma questão no Brasil.
“Eu não vejo uma crise do setor de pesquisa, mas acredito que o mundo está mudando cada vez mais e é necessário entender essa sociedade em ebulição para que as pesquisas sejam cada vez mais confiáveis”, diz Nunes. Para ele, uma das soluções seria adaptar metodologias diferentes para cada tipo de situação, mas hoje existe uma preconcepção do que é correto de se fazer em pesquisas e, por isso, poucos modelos novos são testados. “No caso do Brasil, há ainda o problema de que existem muitos poucos institutos de pesquisa e também uma legislação eleitoral que restringe qualquer tentativa de inovação”, comenta.
Se parte dos desafios impostos aos institutos de pesquisa passam pela velocidade de circulação das informações e pelas redes sociais, parte da solução pode estar justamente aí. “Acredito que o futuro da pesquisa é descobrir mais e perguntar menos”, comenta Moura, do Idea Inteligência. Para ele, a quantidade de informações disponível na internet sobre as pessoas vai possibilitar que, cada vez mais, você descubra uma tendência de voto sem precisar, necessariamente, fazer uma pergunta. Curiosamente, foi de uma projeção feita basicamente pela internet, do jornal Los Angeles Times, que veio a única pesquisa que apontava a vitória de Trump nos Estados Unidos.
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