Batalha de Mossul: “Lutem até a última gota de sangue. Avante!”
O comando ‘peshmerga’ repreende seus soldados ao enfrentar uma resistência feroz do EI na frente de Bashiqa, a alguns quilômetros de Mossul
Na trincheira, ninguém quer colocar a cabeça para fora, sob o risco de perdê-la. Os franco-atiradores do Estado Islâmico (EI) apontam seus rifles esperando que alguém permita ser visto, como os patos que aparecem de repente nas cabines de tiro. Mas é preciso avançar, e alguém tem de ser o primeiro. “Vamos, é a hora!”, grita em meio ao estrondo alguém no comando. Os jovens, que esta noite dormiram pouco porque estavam ansiosos, conversando com as mães e namoradas, são os primeiros a dar o passo e se lançam ao ataque a toda velocidade a bordo de caminhões com rádio. Escutando música techno, os perdemos de vista em uma nuvem de areia. A batalha começou.
Nas montanhas, ocorre outra ofensiva, mas esta é a de terra, a que deve entrar na cidade, a dos homens que sabem que vão morrer, mas ainda assim seguem em frente. Para a trincheira mais avançada, aberta no meio de uma estepe a oeste da estrada principal, foram enviados mais de 200 soldados. Um morteiro cai a 20 metros, e ninguém parece muito preocupado. Parece que o inimigo está apenas tateando, mas, quando outros dois caem, cada vez mais perto, a coisa muda: “Sim, parece que estão alvejando bem. Precisamos nos mover”.
O chão está cheio de explosivos caseiros que o EI instalou enquanto fugia. A toda velocidade, um caminhão transporta um soldado que perdeu os dedos dos pés. O colega que estava a seu lado tem o rosto ensanguentado e atordoado. Cambaleia. O tateiam procurando uma ferida que não encontram e o obrigam, de todas as maneiras, a entrar em um veículo e voltar à retaguarda. O forçam porque não quer ir. “Não, não”, grita, mas ninguém lhe dá importância. Para ele, está tudo acabado por hoje.
Na meia hora seguinte, chegam quatro feridos, todos combatentes da linha de frente que haviam conseguido entrar na cidade mais próxima a Bashiqa, uma sucessão de casebres infestados de jihadistas que tentavam impedir o avanço. O ferido mais grave é um jovem peshmerga atingido no estômago por um franco-atirador. Retirá-lo do local é um caos. O carro que tem de levá-lo ao hospital é bloqueado por outros dois veículos. Há tantos homens tentando carregá-lo que a tarefa resulta impossível. O ferido está pálido, com os olhos virados e seus braços e pernas são pendurados como uma boneca de pano. Parece que está morto, mas outro combatente é otimista: “Talvez seja o choque; às vezes você se assusta tanto quando é atingido que fica branco”.
Os peshmergas curdos que lutam para tirar Mossul das mãos do EI já estão de pé antes do amanhecer. Levantaram-se às 5h da manhã, comeram pão com ovos cozidos e rezaram em barracões iluminados com lâmpadas de baixa tensão.
Alinhados em uma coluna militar, marcharam para a cidade de Bashiqa, a 14 km de Mossul, o último bastião do califado no Iraque. A escavadeiras e os tanques esmagavam tudo o que encontravam no caminho. Parecia uma marcha triunfal, mas os curdos encontraram uma resistência feroz dos jihadistas. Aos mísseis terrestres lançados de uma colina e aos cinco bombardeios da coalizão internacional, o EI respondeu com morteiros e artilharia. O dia será mais longo do que parecia.
“O mundo está nos vendo lutar nesta guerra. Avante!”
Em meio ao caos e à sensação de que as coisas não estão indo muito bem, emerge uma figura do passado. Ignorando a ameaça de franco-atiradores, Abdulwahid Ramazan, um veterano na Palestina, Irã e Kuwait, um cão de guerra vestido como se tivesse acabado de descer da montanha mais remota, repreende, do topo de uma colina, os rapazes que ingressam na tempestade de areia em busca do inimigo: “Lutem até a última gota de sangue, o mundo está nos vendo lutar nesta guerra. Avante!”. Após a ladainha, com a cabeça erguida sobre os ombros, embora tenha estado exposto à mira de um fuzil, desce do monte e começa a rezar.
No começo, parece apenas um rumor. Os soldados comentam em voz baixa, mas um combatente diz a outro, a notícia chega a uma orelha indiscreta e, em 10 minutos, todos estão falando que um comandante peshmerga, Mustafá Gulani, estava a bordo de um carro que saltou pelos ares quando entrava nessa vila, antes de Bashiqa. Um pouco depois, vem a confirmação: sim, morreu.
Meia hora antes, Gulani havia chegado como um marechal de campo ao terreno, saído do carro e apontado o caminho. O chefe à frente, dando exemplo. O fato é que não voltou vivo, como outros oito de seus homens, que foram mortos no dia anterior em combate. Hoje será enterrado em sua terra natal, Sora, cerca de uma hora daqui.
A troca de tiros aumenta. O ataque aéreo deixa nos arredores de Bashiqa colunas de fumaça subindo ao céu. Os campos de petróleo queimados tornam tudo mais escuro. Os peshmerga, apesar de tudo, conseguiram tomar alguns quilômetros do Estado Islâmico nesta frente e acreditam que, em dois dias, estarão prontos para recuperar Bashiqa. A ofensiva continua.
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