Após fracasso eleitoral, PT encara desafio de forjar líderes na esquerda além de Lula
Partido, que perdeu metade das prefeituras, vive o dilema de se colocar contra um Governo com ampla maioria
Em um roteiro já rascunhado, as primeiras eleições municipais após o impeachment de Dilma Rousseff foram um desastre para o Partido dos Trabalhadores (PT), que na última década havia se estabelecido como a principal legenda de esquerda da América Latina. O partido liderado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdeu mais da metade das prefeituras, conseguindo eleger apenas 256 nomes no primeiro turno e tendo a chance de garantir, no máximo, mais sete no segundo turno, que acontece no final deste mês. É menos da metade do total de prefeitos petistas que chegaram ao poder há quatro anos. Em 2012, dois anos depois da primeira vitória de Rousseff à presidência, a sigla havia conseguido eleger 644 prefeitos, o maior número até então. E, como a política não aceita vácuo de poder, o PSDB, que vinha em declínio nas municipais desde que Lula assumiu a presidência, voltou a aumentar sua participação: subiu de 701 eleitos, em 2012, para 793 agora, podendo chegar a 812, caso eleja todos os tucanos que foram para o segundo turno.
A derrota nas eleições já era antecipada pelo partido, que desde 2013 vive uma crise que só se acentua. Mas, mesmo diante das análises pessimistas, não se esperava que ocorresse nesta extensão. Pouco antes de votar, no domingo passado, Lula dizia aos repórteres que o PT iria surpreender nesta eleição. Mas, logo após os resultados, o presidente nacional da legenda, Rui Falcão, afirmou em uma coletiva de imprensa que "foi uma derrota forte, grande, e que merece um exame minucioso nos próximos meses". As perdas não foram apenas numéricas, mas também simbólicas. Em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad não conseguiu passar para o segundo turno e perdeu para o candidato tucano, João Doria, até na periferia, onde o PT antes dominava. No Nordeste, outro reduto petista, o partido elegeu 37% prefeitos a menos do que em 2012. Na Bahia, por exemplo, a sigla conseguiu o comando de 39 prefeituras, enquanto em 2012 obteve 53.
Para além dos argumentos que apontam os escândalos de corrupção como a principal causa da derrota, rechaçado por cientistas políticos ouvidos pelo EL PAÍS, a análise do que motivou a derrota passa pelo próprio impeachment de Rousseff. Com as movimentações partidárias no Congresso, muitas das alianças que o PT havia costurado desde antes da chegada de Lula ao poder federal acabaram desfeitas. Uma resolução do PT nacional de maio deste ano afirmava que o partido não poderia se aliar a defensores do impeachment e que, prioritariamente, os candidatos municipais deveriam formar chapas com PCdoB e PDT. "A questão dos apoios é fundamental. Há uma correlação forte entre o sucesso eleitoral e o número das coligações de uma chapa", explica o cientista político Fernando Guarnieri, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Ele ressalta que em 2002 Lula só conseguiu vencer no Nordeste depois que obteve, ainda que informalmente, o apoio de uma ala do PMDB importante nesses Estados, como a de José Sarney, que estava descontente com a candidatura de José Serra pelo PSDB, partido, na época, aliado dos peemedebistas.
Guarnieri ressalta ainda que a derrota petista nas municipais deve ser vista não apenas pela ótica da perda de votos, mas também pela da diminuição da oferta de candidatos do partido. Diante do desgaste da imagem do PT, provocada pelos escândalos de corrupção e pelo processo de impeachment de Rousseff, muitos prefeitos que tentaram a reeleição já haviam deixado a sigla. Além disso, o partido lançou, neste ano, quase metade dos candidatos que havia lançado na eleição municipal de 2012. Há quatro anos, o PT era o segundo partido com o maior número de candidatos no país, atrás do PMDB; nesta última eleição, foi o sexto, apontou o jornal Valor Econômico. "Uma menor oferta significa uma menor votação", ressalta ele.
Para além das questões políticas, o desempenho petista nestas eleições também deve ser visto pelo viés econômico, aponta o economista Ari Francisco de Araújo Junior, professor do IBMEC de Minas Gerais. Ele é autor de um artigo, em parceria com outros especialistas, em que analisava os motivos que levaram à reeleição de Lula, em 2006. Eles chegaram à conclusão de que, na época, a boa situação econômica do país teve mais influência nos votos pró-Lula do que os programas de transferência de renda implementados pelo Governo, como o Bolsa Família. "Quem define a eleição é o eleitor mediano, que tem uma renda mais baixa. Em geral, para eles, a ideologia importa menos [do que para os eleitores mais escolarizados], então a situação econômica do momento e as perspectivas de que no futuro possam garantir uma melhor condição pesam na hora do voto", explica ele. "Em resumo: as pessoas estão mais preocupadas em pagar suas contas e querem que isso seja sustentável no futuro", ressalta.
Ele acredita que o panorama federal contaminou as eleições municipais e o PT foi punido por conta de uma gestão econômica "muito ruim", que levou ao aumento da inflação e do desemprego. É o mesmo fator que poderia explicar a queda do desempenho do PSDB nas municipais entre 2000 e 2004. O ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso havia deixado o Governo, em 2002, com uma inflação acumulada de 12,53% e uma taxa de desemprego que atingia, em dezembro daquele ano, 10,5% – pouco menor que a atual (11,8%, no trimestre terminado em agosto). Em 2000, o PSDB havia garantido 989 prefeituras e, em 2004, foi para 870, segundo levantamento da Folha de S.Paulo.
Menos prefeito, menos palanque
O desempenho das eleições municipais podem trazer efeitos para o partido em 2018, já que os aliados nos municípios costumam garantir um número maior de palanques para as legendas. Isso afeta, especialmente, os candidatos a deputados federais, que dependem mais da campanha de rua do que os candidatos a presidente, que contam com maior exposição na TV.
Mas a queda do desempenho do partido preocupa, pois pode ser um sinal de que a rejeição à sigla será igualmente alta para os votos presidenciais. Sob o PT recai ainda a insegurança sobre a situação eleitoral de Lula em 2018. O ex-presidente e principal nome do partido tornou-se réu na Operação Lava Jato, corre o risco de ser preso e, até, de se tornar inelegível, o que é um problema para um partido que falhou em produzir novas lideranças. Por isso, a legenda entra agora em um período de autocrítica, para repensar os próximos passos. Já antecipou, por exemplo, as eleições para a direção nacional, que agora devem acontecer no primeiro semestre de 2017 e não mais no final daquele ano, como era previsto inicialmente."O partido precisa se libertar da dependência em Lula e não pode pensar em se reconstruir em torno da figura dele. É preciso criar novas lideranças", destaca o professor de história da USP, Lincoln Secco, autor do livro "História do PT" (Ateliê Editorial). Ele defende a formação de uma frente ampla de esquerda, que não tenha necessariamente um protagonismo petista neste momento.
Uma visão parecida com a do petista Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul pelo partido, para quem essas eleições municipais representaram a "vitória de ninguém", devido ao grande número de votos brancos, nulos e abstenções. Para ele, o partido tem que pensar para além das eleições de 2018. "Temos que ter uma renovação organizativa da esquerda programática, apontando como tirar o país da crise. Se a esquerda não se unir, vai desaparecer", ressalta ele, que afirma que essa frente poderia se apoiar, para a candidatura em 2018, em nomes como Ciro Gomes, ex-ministro de Lula, hoje no PDT, o governador do Maranhão pelo PCdoB, Flávio Dino, ou até Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que se diz apartidário.
Há um consenso dentro do partido de que agora, na oposição federal, será o momento de se reaglutinar nas ruas para se opor aos cortes que serão impostos pelo Governo de Michel Temer. Com isso, a sigla poderá recuperar seus eleitores de esquerda e mais politizados. No entanto, ao adotar a postura combativa que tinha antes de 2002, quando Lula adotou o fisiologismo das alianças e venceu pela primeira vez a eleição, se colocará contrário à maioria das legendas que hoje apoiam Temer. E, diante da necessidade de aglutinar mais siglas para se colocar como um competidor ágil e menos dependente do recall político de Lula, viverá, portanto, um enorme dilema.
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