“Torno-me cidadão porque estou preocupado que Trump ganhe”
O grande número de eleitores naturalizados nos Estados Unidos pode influenciar a eleição e ameaça o Partido Republicano no longo prazo
Os imigrantes nos Estados Unidos estão pedindo a nacionalidade em número recorde e a única explicação à vista é Donald Trump. Um candidato a presidente que prometeu não só expulsar todos os imigrantes sem documentos, mas também endurecer as leis de imigração para os demais. Diante dessa ameaça só há uma solução segura: deixar de ser imigrante. Essa tendência se acrescenta à mobilização sem precedentes que Trump provocou no eleitorado latino, muito identificado com os imigrantes e sua falta de apoio entre a maioria dos norte-americanos que acreditam que é necessária uma reforma migratória. Ter um candidato que insulta e ameaça os imigrantes parece que pode custar caro ao Partido Republicano no longo prazo.
Um estudo publicado em setembro pelo professor Manuel Pastor, especialista em integração de imigrantes da Universidade do Sul da Califórnia (USC), afirma que os pedidos de naturalização entre março e junho deste ano foram 32% superiores aos do mesmo período do ano passado. Esse aumento foi de 28% no trimestre anterior e de 14% no último trimestre de 2015. Os pedidos de naturalização tendem a aumentar em “tempos de mudança”, disse Pastor, mas esses números não são normais. Nos dois anos anteriores, o crescimento anual de solicitações foi de 2%, em média. Os Estados Unidos tornaram cidadãos entre meio milhão e um milhão de imigrantes por ano na última década.
Os imigrantes naturalizados serão cerca de 9% dos eleitores no dia 8 de novembro. Destes, 38% são pessoas que se naturalizaram na última década, com uma experiência muito recente com o sistema de imigração. O estudo de Pastor revela a influência desse grupo em Estados-chave nessa eleição, aqueles com peso no colégio eleitoral que elege o presidente e que não estão claramente decididos. Os naturalizados são 7,8% dos eleitores no Arizona, 5,1% no Colorado, 14,8% na Flórida e 4,3% na Pensilvânia. São números importantes em Estados onde a diferença de votos costuma ser mínima.
No sábado, na igreja River Church de Anaheim, na Califórnia, várias organizações (Chirla, Occord e World Relief, com o apoio dos consulados do México, Guatemala e El Salvador) montaram uma feira de naturalização de imigrantes. Advogados de imigração fizeram consultas gratuitas e dezenas de voluntários ajudaram a fazer pedidos de cidadania. Centenas de pessoas vieram para um dos maiores eventos desse tipo, de acordo com os organizadores, que já aconteceu no condado de Orange, no sul de Los Angeles.
Alicia Rivera, de 56 anos e natural de Michoacán, no México, que vive nos EUA há18, disse que “é importante participar das eleições” e que tinha notado um aumento do interesse devido às propostas de Trump. “É isso mesmo, as pessoas têm medo. Gente que agora possui a residência teme que possam retirá-la”. Além disso, ela o faz por aqueles que não têm documentos e não podem votar. “Como temos estatuto legal, podemos ajudar nossa gente que não tem. É amor ao próximo”. Rivera disse que votaria em Hillary Clinton se pudesse. Todos os consultados na feira votariam em Clinton.
“As pessoas estão com medo de que Trump ganhe e estão se animando a se tornar cidadãos”, diz a advogada especializada em imigração Yvette Gutiérrez, que atendeu gratuitamente na feira da River Church. Ela viu um aumento nos pedidos de cidadania de cerca de 60% em seu escritório nos últimos seis meses e disse que a razão principal apontada por seus clientes é a eleição presidencial. Gutiérrez, que trabalha voluntariamente em muitas dessas feiras gratuitas, diz que em Anaheim, no sábado, havia “o triplo de pessoas em relação ao normal”.
Normalmente, os imigrantes interessados na nacionalidade são idosos que esperaram por causa da língua (a partir de 50 anos de idade e de 15 como residente é possível fazer a prova de espanhol), porque não podiam pagar os 680 dólares (cerca de 2190 reais) que custa o pedido ou porque simplesmente nunca tinham se dado conta de que lhes fazia falta até que começam a pensar na aposentadoria e percebem que têm mais benefícios como cidadãos.
Mas nessa feira havia jovens como José González, de Iucatã, no México, de 40 anos, que vive na Califórnia há 13 anos. “Estou me tonando cidadão para poder votar. Por causa de Donald Trump. Eu poderia ter feito isso há muito tempo, mas foi vendo Trump que me decidi”, disse ao EL PAÍS. González veio para os Estados Unidos ilegalmente e obteve a residência quando se casou com uma cidadã norte-americana. Como ele, milhões de pessoas são muito sensíveis ao discurso anti-imigração. “A maioria das pessoas que eu conheço está se tornando cidadã para votar por causa do que está acontecendo com Trump”. Se não puder votar para detê-lo nesta eleição, “para expulsá-lo nas próximas”.
“Acredito que a América está vivendo um momento como o da Proposição 187”, diz em seu escritório da USC o professor Manuel Pastor. Ele se refere à lei proposta em 1994 pelo governador da Califórnia Pete Wilson e que, com um discurso muito semelhante ao de Trump, negava o acesso aos serviços públicos essenciais aos imigrantes irregulares. A mobilização das comunidades latinas, que até então nunca tinham participado na política, juntamente com as rápidas mudanças demográficas, derrubou o Partido Republicano no longo prazo.
O processo de naturalização nos EUA leva entre quatro e seis meses desde a apresentação do pedido. Isso significa que aqueles que apresentaram os papéis em maio ou talvez junho podem ser os últimos aptos a votar e influenciar essa eleição. Aqueles que o fizeram no último sábado em Anaheim não vão votar. Mas o efeito Trump sobre o eleitorado imigrante pode ser duradouro. Votarão nas próximas presidenciais, nas próximas legislativas dentro de dois anos, nas municipais do próximo ano e no conselho escolar do seu bairro. Assim durante décadas. “O voto nos Estados Unidos é muito constante”, explica Pastor. “As pessoas apoiam um partido e permanecem com ele durante anos”.
Foi o que aconteceu na Califórnia em 1994. A Proposição 187 foi aprovada com 60% dos votos e Pete Wilson foi reeleito. Mas a enorme mobilização dos imigrantes que provocou acabou condenando os republicanos no longo prazo. Aqueles imigrantes, seus filhos e seus netos ainda hoje percebem o Partido Republicano como um partido anti-imigrantes e votam nos democratas. Os latinos, com 39% da população, já são a minoria majoritária na Califórnia, à frente dos brancos. O Partido Republicano não tem um único posto estadual eleito e sua influência na política do Estado é nula. Em apenas duas décadas a Califórnia deixou de ser o Estado de Ronald Reagan para ser um Estado completamente democrata e os próprios republicanos admitem que a culpa é do governador Wilson.
Há mais de um ano, quando Trump começou a sequestrar a campanha das primárias do Partido Republicano, os analistas começaram a fazer comparações entre a política nacional e o que aconteceu na Califórnia. No início, era apenas uma intuição daqueles que tinham visto como funciona a xenofobia na política norte-americana. Os números mais recentes de naturalizações parecem querer lhes dar razão.
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