Os húngaros da fronteira com a Sérvia: “Que ajudem os refugiados em seus países”
Moradores das zonas fronteiriças repetem as mensagens das campanhas do Governo contra a imigração
Iona e Ilona, mãe e filha, esperam o ônibus na estação de Asotthalom, uma cidade de menos de 3.800 habitantes perto da fronteira com a Sérvia. A poucos quilômetros está sendo construída a cerca, já faz um ano, que separa a Hungria de seu vizinho balcânico. As duas mulheres, que trabalham na limpeza dos campos agrícolas da região, estão encantadas com a construção do muro que, dizem, vai trazer segurança. Um arame duplo farpado coberto de espinhos é a medida central da política contra a imigração do Executivo de Viktor Orbán, que pretende agora reforçá-la com câmeras e sistemas eletrônicos. Seu objetivo é conseguir reduzir a zero as entradas irregulares, que no verão passado chegavam a milhares diariamente.
O prefeito de Asotthalom, Laszlo Torockai, do partido Jobbik de extrema-direita, diz que ainda há pessoas que cruzam a fronteira sem autorização, cortando a cerca aconselhados ou acompanhados pelas máfias que, assegura, possuem drones equipados com câmeras para vigiar a área. “Honestamente nossos meios de comunicação estão longe do que fazem os traficantes”, lamentam na prefeitura da pequena cidade. Em plena crise dos refugiados, Asotthalom se transformou no foco principal de entrada para a Hungria (pouco menos de 10 milhões de habitantes e membro da UE desde 2014), e seu prefeito em um dos primeiros a defender a ideia de blindar o país através de um muro, que hoje possui o apoio da maioria da população.
Uma pesquisa recente de Nézopont Intéret mostra que 68% dos húngaros estão “satisfeitos” com as medidas do Governo húngaro para reduzir a entrada de migrantes e refugiados. O muro de Orbán tem apoio até entre os eleitores da oposição, já que 51% deles apoiam essas políticas.
Em Asotthalom, esse apoio parece ser ainda maior. O prefeito Torockai, que também é vice-presidente do xenófobo partido Jobbik e se tornou uma das vozes mais agressivas contra os migrantes e refugiados, que chama de “invasores” e “futuros terroristas”, criou uma brigada de fronteira formada por 18 cidadãos que “ajudam” a monitorar sua área de fronteira e denunciam pessoas sem documentos. No fim de semana, dizem na prefeitura, essas patrulhas detectaram 20 paquistaneses e quatro vietnamitas que tinham cruzado para a Hungria através de um buraco feito na cerca. Torockai publicou suas fotografias em sua página no Facebook, na qual habitualmente fala sobre sua percepção da situação na fronteira e de sua luta contra os “invasores” ou “futuros terroristas”.
O tratamento que os refugiados e migrantes recebem dessas milícias tem sido fortemente criticado por organizações de direitos humanos como Anistia Internacional e Human Rights Watch que em seus relatórios denunciam frequentes maus-tratos e abusos verbais por parte desses grupos. O uniforme deles, de camuflagem ou muito semelhante à polícia também complica a diferenciação com as forças regulares.
Em Röszke, outra cidade fronteiriça, as mensagens são menos agressivas, mas a percepção da cerca e dos estrangeiros é muito parecida. “Eu não digo que não devemos ajudá-los, mas é melhor que isso seja feito em seus países. São pessoas que têm outra cultura, que não respeitam as mulheres, por exemplo”, diz Levente, um jovem de 24 anos que vende roupa e ferragens em um pequeno mercado em uma praça da cidade.
Levente e sua esposa, Marieta, têm uma filha de três anos de idade. “No ano passado tinha medo pela minha esposa e filha. Os imigrantes trazem muitos problemas de segurança, estupros e roubos aumentaram quando estavam aqui”, afirma o homem, que repete os temas das campanhas do Governo contra a imigração. Mas nem Levente nem Marieta conhecem alguém que já teve um problema com um dos estrangeiros que vieram da Sérvia.
Nem o dono da cafeteria central na qual muitos moradores vão comer algo ao meio-dia ou no meio da tarde. A mulher, que prefere não dar seu nome, argumenta que o “modo de vida” dos migrantes é “completamente diferente” do dos húngaros. Embora em Röszke, localizada do mesmo lado da cerca de espinhos, reconhece, nunca se viram tantos estrangeiros.
Com o muro, a Hungria, que recebeu cerca de 175.000 pedidos de asilo em 2015 (a maior taxa de pedidos por 100.000 habitantes), reduziu as entradas formais para cerca de 20 dias por dia. Os acampamentos que antes existiam ao redor da zona de fronteira sérvia desapareceram. A maioria daqueles que ainda optam por esta via, cada vez mais complicada, é transferida agora para centros nas chamadas zonas de trânsito, que não podem ser visitadas sem a permissão do Governo “por razões de segurança”.
No entanto, na Sérvia, perto de Horgos, a cerca de cinco quilômetros a pé da fronteira húngara, separados por uma pequena caminhada da UE, ainda há um campo semiformal cheio de lixo e escombros no qual hoje esperam entre 50 e 80 pessoas – especialmente afegãos, alguns iraquianos e paquistaneses – que querem cruzar. Ali, ao lado de uma das barracas onde dormem, Ahmed Khan e Nagib Bula, dois afegãos de 21 e 17 anos, contam que querem se reunir em breve com a família na Áustria. Khan explica que conseguiu entrar na Hungria na quarta-feira. “Fui mandado de volta algumas horas depois e agora estou aqui novamente. Vou tentar outra vez”, diz encolhendo os ombros. Garante que deixou seu país há seis meses.
Junto com os jovens, Mariam e seu marido tentam aquecer água em uma pequena fogueira. São observados por seus quatro filhos – entre 8 e 17 anos –, e seu sobrinho, que os acompanha na viagem que começaram há nove meses. Com olhar triste, a adorável mulher reconhece que teme o que podem encontrar, a rejeição, do outro lado, mas isso não vai impedi-los: “Viemos de uma guerra, isso não deve ser esquecido”.
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